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Ação para anular demarcação de terra indígena do povo Tremembé de Almofala é adiada, mas luta continua

Julgamento estava marcado para acontecer no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife (PE), na terça, 11

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Julgamento teve como resultado o adiamento da audiência para outra data, a pedido da DPU, na pessoa do Dr. André Carneiro Leão, pois foi identificado que o processo estava repleto de vícios jurídicos. - Divulgação/Apoinme

Na última terça-feira (11), estava marcado o julgamento de ação para anular a demarcação da Terra Indígena (TI) Tremembé de Almofala, que fica em Itarema, no Ceará, mas, o julgamento que aconteceria no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife (PE) foi retirado de pauta e não aconteceu. Em suas redes sociais, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), que acompanhou o caso, disse que “O julgamento movido pela empresa DuCoco contra a terra Indígena Tremembé de Amofala (CE), que aconteceu na manhã desta terça-feira (11/02), no TRF5 em Recife (PE), teve como resultado o adiamento da audiência para uma outra data (ainda não divulgada), a pedido da DPU, na pessoa do Dr. André Carneiro Leão, pois foi identificado que o processo estava repleto de vícios jurídicos”.

Para Péricles M. Moreira, Militante em Direitos Humanos, Advogado do Escritório YBI e do Escritório Frei Tito de Alencar e Membro da Comissão Especial de Defesa dos Povos Indígenas da OAB/CE, esse adiamento tem dois efeitos; considerando que a petição da DPU solicita que questões referente a decisão que concedeu o efeito suspensivo sejam revistos, acaba por fazer com que a turma se manifeste sobre pontos relevantes como: a) regularidade dos estudos de delimitação e demarcação; b) histórico da presença indígena do Povo Tremembé de Almofala no local; c) aplicação do tema 1031 do STF ao caso, e “por outro lado, também, ganhasse em termos de tempo para gerar mobilização política e incidência institucional para sensibilizar órgãos e outros sujeitos para a pauta da demarcação da Terra Indígena do Povo Tremembé de Almofala que, nesse momento, precisa do maior número de apoiadores e de muita solidariedade na luta pela demarcação da terra”.

Babim Tremembé, coordenador de microrregião do Ceará da APOINME esteve presente no TRF5, em Recife (PE) e diz que esse adiamento pode ter um lado bom e um lado ruim porque, de acordo com ele “a gente não sabe como os magistrados vão responder, porque agora é a hora de ouvir os advogados da empresa, então, é esperar pela decisão deles, dos magistrados, porque aqui nós temos uma grande possibilidade de ganhar, porque nós somos da terra, vivemos na terra, nós temos todos os sinais e documentação. Tudo a favor do povo Tremembé, que são filhos nativos de uma terra”. 

Babim também fala sobre as expectativas para essa ação. “Nós somos filhos nativos, então esperamos sim que este julgamento seja a favor do povo Tremembé, mas isso não quer dizer que eles vão dar, até porque a gente sabe como estão os ‘anti-indígenas’, vamos falar assim. E é esperar pela sensibilidade dos magistrados ler, ver, observar o processo do povo Tremembé. Argumentos e provas que somos da terra a gente já tem, e está tudo favorável”.

Questionado sobre qual o possível interesse ou objetivo de fazer esse julgamento para anular a demarcação da TI do povo Tremembé de Almofala, Péricles diz que “os interesses para fazer avançar na anulação da demarcação da terra indígena do Povo Tremembé de Almofala é a representação ainda do processo colonizador que ainda insiste em existir para expropriar, exterminar e retirar dos povos indígenas o seu direito a terra, ao território e a sua cultura ancestral”.

“Inconformada com a decisão, a empresa interpôs recurso de apelação, buscando a reforma da sentença favorável ao Povo Tremembé e a anulação do estudo de delimitação e demarcação realizado pela FUNAI, o que acarretaria o retrocesso no processo de demarcação da terra indígena”, diz Péricles.

A presente retirada de pauta, como explica Péricles, não configura uma garantia em termos de demarcação, mas, representa um ganho de tempo político importantíssimo para que o Povo Tremembé se articule e fortaleça ainda mais a luta pela demarcação de sua terra.


“Os Tremembé juntaram muita gente para defender sua terra, para defender um ataque que, lamentavelmente, o agronegócio, na sua covardia, tenta fazer ao povo Tremembé de Almofala”, Renato Roseno. / Foto: APOINME

Presença no TRF5

O deputado estadual Renato Roseno (Psol) também esteve presente no TRF5 em Recife, e em suas redes sociais disse que “os Tremembé juntaram muita gente aqui hoje para defender a sua terra, para defender um ataque que, lamentavelmente, o agronegócio, na sua covardia, tenta fazer ao povo indígena Tremembé de Almofala. O povo indígena pioneiro. Há registros. Foram os primeiros indígenas registrados, inclusive, tem carta de sesmaria, tem sentença no primeiro grau já ganha, dando a validade da demarcação, mas o agronegócio, na sua soberba, na sua arrogância, na sua violência quer derrubar judicialmente, no tapetão, essa vitória dos indígenas”.

No vídeo publicado em suas redes sociais, Renato Roseno também informou quem esteve presente no TRF5. “Vim somar esforços juntos com demais parlamentares, quero destacar também a presença do mandato da deputada Larissa [Gaspar (PT)], da Funai, da Defensoria Pública da União, do Idace, nosso companheiro João Alfredo também, da OAB, da Comissão dos Povos Indígenas, da Secretaria de Povos Indígenas do Estado do Ceará, aqui presente conosco também, muito gente aqui, a Apoinme, as universidades, ou seja, muita gente”. 

A deputada estadual Larissa Gaspar (PT) também se manifestou em suas redes sociais. “Nosso mandato contribuiu na articulação para que a comitiva pudesse estar presente. O processo precisou ser suspenso, mas nós reafirmamos o nosso compromisso de seguir na luta ao lado do povo Tremembé de Almofala pela demarcação de suas terras”.

Próximos passos

Babim fala sobre os próximos passos da luta do povo Tremembé de Almofala. “O que a gente vai fazer, os próximos passos, é se unificar, é se fortalecer da melhor forma, procurar dar mais visibilidade a esse processo, que a mídia também esteja nesse processo junto com a gente, falando desse processo que já existe há mais de 35 anos. Então é se fortalecer, se unificar e se organizar e esperar pela vontade de Deus, porque nosso pai Tupã é mais forte e ele vai falar no coração dos magistrados que a terra é do povo Tremembé e que a gente não quer tomar nada de ninguém, a gente só quer o que é nosso por direito”.

Importância da Terra Indígena

O deputado Renato Roseno falou da importância da importância das terras indígenas. “É nosso papel, enquanto militante de direitos humanos, enquanto parlamentar, dá esse apoio irrestrito àqueles que devem ter sua terra garantida. Mais do que nunca hoje nós precisamos respeitar a terra dos indígenas, a terra indígena, em especial, porque indígena é futuro”. 

“A demarcação de nossa terra vem para isso, para fortalecer, tanto os corações de quem está aqui, que ainda está lutando por ela, mas também por aquelas pessoas que já morreram, que deram a sua vida por essa terra para que nós, essa geração, tenha onde colocar uma casa, onde dar o sustento da sua família. O que a gente quer é isso, a gente não quer demolir, acabar com tudo, a gente quer preservar o que é nosso, porque futuramente será dos nossos filhos, nossos netos”, afirma Babim Tremembé. 

Péricles informa que a TI do povo Tremembé de Almofala tem aproximadamente uma área de 5 mil hectares onde, segundo Babim, vivem cerca de 400 famílias, com mais de dois mil indígenas registrados.


A Terra Indígena do povo Tremembé de Almofala tem aproximadamente uma área de 5 mil hectares onde, segundo Babim, vivem cerca de 400 famílias, com mais de dois mil indígenas registrados. / Foto: APOINME

Demarcação da Terra Indígena

Péricles explica que a TI do Povo Tremembé de Almofala encontra-se em vias de demarcação, considerando que, desde a década de 1980, há uma luta constante por parte do Povo Tremembé para que o órgão indigenista competente desse início ao procedimento demarcatório.

De acordo com ele, os estudos antropológicos foram iniciados em 1986, ainda antes da promulgação da Constituição de 1988, tendo sido concluída a identificação e delimitação do território tradicionalmente ocupado pelo Povo Tremembé em 1993. No entanto, de acordo com ele, a empresa ingressou com medida judicial questionando os referidos estudos, o que, à época, resultou na paralisação da conclusão do procedimento de demarcação.

“Apenas em 2023, a Justiça Federal de primeiro grau reconheceu a regularidade dos estudos realizados pela FUNAI, bem como confirmou, na sentença, a tradicionalidade da presença do Povo Tremembé na área reivindicada. Ademais, a decisão judicial fez referência ao entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1031, acerca da inexistência e consequente rejeição da tese do marco temporal”. 

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Edição: Camila Garcia