*matéria atualizada às 22h11 de 04/02/2025
Mais um trabalhador rural pode ter sido assassinado em região de disputa por terras no sul do Amazonas, divisa com o Acre, em menos de um mês. Desta vez, o caso aconteceu em área disputada pelos camponeses do acampamento Marielle Franco e os proprietários da Fazenda Palotina, a família Zamora. José Jacó Cosotle, de 55 anos, saiu na manhã do último domingo (26), para quebrar castanha numa área de mata vizinha. Por conta da demora no retorno, amigos saíram em busca dele para saber o que aconteceu. O corpo foi encontrado na manhã desta quarta (29), ao lado da moto usada por ele, a 40 quilômetros de distância de sua comunidade.
Apoiada no veículo estava uma espingarda que seria de propriedade da vítima. Testemunhas disseram que o tiro atingiu o queixo de Jacó, como era mais conhecido. Não se sabe se o tiro foi acidental. Como a região é marcada por violências praticadas por jagunços das fazendas, há dúvidas sobre uma possível montagem de cena. Este seria o segundo caso de uma "morte acidental" na região. Em 2023, um trabalhador foi encontrado morto sufocado pelas alças da sacola de carregar castanha.
Natural do Paraná, Jacó era um dos moradores mais antigos do acampamento Marielle Franco. Ele vivia na comunidade denominada Malocão - o nome é uma referência ao igarapé que passa por ali. Na região há outras 200 famílias vivendo no acampamento Marielle Franco. Desde 2019 elas ocupam a área e exigem ser assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os agricultores dizem que as terras são de propriedade da União, enquanto a família Zamora reivindica como parte da Fazenda Palotina. No quilômetro 17 há uma outra comunidade que está no local desde 2014.
Os agricultores aguardam a presença do Instituto Médico Legal (IML) para realizar a perícia. Todavia, dentro do Amazonas, o serviço está há mais de 800 quilômetros da cena do crime, uma vez que somente a capital do Estado, Manaus, dispõe de uma unidade que já não atende às necessidades urbanas locais.
Por conta disso, os agricultores acionaram a Defensoria Pública de Lábrea. A delegacia de polícia mais próxima é a de Boca do Acre, mas não conta com estrutura de um IML. A polícia científica mais perto é a do Acre, em Rio Branco (distante menos de 100 km da área), mas por conta de questões jurisdicionais não pode atuar em território amazonense. A ausência do Estado na região é sinônimo de "terra de ninguém".
"O pessoal está morrendo aqui e ninguém sabe o que está acontecendo. Desta vez não vamos retirar o corpo do local, ninguém vai mexer para não termos problemas depois", completou a fonte ouvida por Varadouro. Segundo a fonte, é comum a falta de investigação sob o argumento de que não há como coletar evidências. "Da última vez, deixaram a entender que a pessoa tinha se acidentado por conta da alça da sacola de coleta que estava no pescoço."
Uma zona de graves violações
Desde o começo do ano passado, lideranças do acampamento Marielle Franco denunciam casos de torturas, ameaças e tentativas de homicídio possivelmente praticadas por funcionários da Fazenda Palotina – o que é negado pelos proprietários. O caso anterior de conflito aconteceu em dezembro, quando seguranças da empresa Bastos – contratada para o serviço de vigilância da Palotina – expulsaram as famílias sem-terra de uma área onde estavam para coletar castanha.
Conforme relatos obtidos por Varadouro, entre segunda e terça-feira uma caminhonete com quatro pessoas que se passavam por funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi vista circulando na área de conflito. Desconfiada, uma das lideranças procurou o escritório do órgão, que negou qualquer ação no local.
Já em 2025, na vizinha Boca do Acre, Francisco do Nascimento de Melo, conhecido como Cafu, foi executado a tiros pelo fazendeiro Valdir Silva, o Valdirzão, na comunidade Recreio do Santo Antônio, ramal 37. A região fica localizada às margens da BR-317, que liga Rio Branco ao sul do Amazonas.
O crime é mais um exemplo do ambiente de violência nos conflitos por terra na tríplice divisa entre o Amazonas, o Acre e Rondônia, conhecida como Amacro. Desde o começo de 2024, Varadouro produz reportagens denunciando casos de torturas, tentativas de homicídio e ameaças de morte feita por fazendeiros e seus jagunços contra as famílias que reivindicam um pedaço de terra.
Em nota, o advogado de Sidnei Zamora, Marcelo Feitosa Zamora, informou que "nenhum colaborador tem conhecimento" da morte de José Jacó Cosotle. "Não há registro de conflito, muito menos de morte nas dependências da fazenda. Espera-se que tudo seja apurado com urgência pela autoridade policial", segue o texto.
O advogado também afirma que "os seguranças da Fazenda Palotina jamais expulsaram famílias, apenas cumpriram decisão da Justiça Federal".
Além disso, o texto afirma que o escritório de advocacia não recebeu contato da reportagem do Brasil de Fato. No dia 20/01, entretanto, o veículo realizou tentativas de contato telefônico e via WhatsApp pelos números fornecidos pelo site da empresa, mas não obteve retorno.
Leia a nota na íntegra neste link.
* O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança do Amazonas e com a Polícia Militar do Amazonas, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
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