No dia 13 de janeiro, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicaram os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. Os dados foram divulgados em coletiva de imprensa realizada na sede do Ministério. Com cerca de 4,3 milhões de inscritos na última edição, somente cerca de 3,1 milhões de pessoas (72,5%) realizaram as provas do Enem 2024. Com os resultados do exame, os participantes puderam pleitear uma vaga gratuita pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que manteve abertas as inscrições entre os dias 17 e 21 de janeiro, e teve os resultados divulgados oficialmente com um dia de atraso, na manhã de hoje (27).
Um detalhe que chamou atenção na última edição do exame foi a quantidade de estudantes que alcançaram a nota máxima na redação. Dos mais de três milhões que realizaram as provas entre os dias 3 e 10 de novembro, somente 12 estudantes alcançaram a nota 1000 na redação, distribuídos em 10 estados brasileiros, sendo eles: Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo, com uma única nota mil cada. Já os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, garantiram ainda duas notas máximas na redação, sendo o estado de Minas Gerais o único vindo de estudantes da rede pública de ensino. Além disso, 2.308 participantes tiveram notas entre 980 e 1.000, com 215 deles oriundos da rede pública. Já no intervalo de 950 e 980, destacaram-se 31.913 participantes, sendo 4.483 do ensino público. Vale destacar que a edição 2024 do exame teve como tema "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil".
No Ceará, apesar de apenas uma nota máxima na redação do Enem 2024, estudantes da rede pública de ensino obtiveram destaque pelo bom desempenho na prova escrita, sobretudo os estudantes das escolas do campo e que se prepararam para as provas através dos cursinhos populares e comunitários. Com grandes expectativas e o sonho de entrar no ensino superior e estudar em uma universidade próxima da família, Lídia Kevia Freitas de Sousa, estudante da escola do campo EEM Francisco Araújo Barros, localizada no Assentamento Lagoa do Mineiro, município de Itarema, foi um desses destaques, obtendo 920 pontos na redação.
Questionada sobre o processo de preparação para prestar as provas do exame, a jovem estudante aponta que a escola oferecia diversos aulões preparatórios, alguns deles com a participação de professores de fora da instituição, especialistas na área, apresentando temas variados e fornecendo cadernos de redações. “Tínhamos que entregar redações mensalmente, com diferentes temas, além de simulados, entre outros. Em casa, fiz um cronograma de estudos, no qual fiz e refiz textos com diferentes temas, por várias vezes, tirando dúvidas com meus professores em todas as redações que produzia”. Kevia destaca também que a escola realiza de forma anual trabalhos sobre questões étnico-raciais, e cita a caravana afro e atividades místicas como exemplos, e ressalta como esses espaços facilitaram a compreensão do tema e produção de uma boa redação.
O pedagogo, arte-educador e coordenador escolar na EEMPC Maria Nazaré de Souza, no Assentamento Maceió (Itapipoca), Rubnildo Lavor, salienta que em 2024 a escola teve uma novidade na preparação dos estudantes para o exame nacional, quando o Governo do Estado levou aulas específicas para trabalhar a preparação dos estudantes, além da grade curricular da base comum como, por exemplo, professores específicos para trabalhar ciência da natureza, matemática e língua portuguesa, especificamente voltadas para o ENEM. “Foi muito importante porque os professores focaram no aprendizado, mas também na estratégia de se trabalhar questões e conseguir resolvê-las da forma mais sábia e coerente, possibilitando os alunos terem domínio das informações e saberes necessários”, pontua.
Lavor revela também que diversos aulões e espaços de preparação foram realizados com os estudantes da instituição, com o objetivo não só técnico, mas também de formar esses sujeitos politicamente para terem embasamento na construção das redações.
Com as notas disponíveis, o educador comemora o resultado dos estudantes da escola em que está à frente, pois representa um avanço no sistema educacional no campo. “Nós tivemos na última edição uma grande quantidade de estudantes com notas acima de 800 e 900, e assim avançamos muito no sentido dos estudantes também na nota geral do Enem”. Em relação ao Sisu, o coordenador declara que a escola tem construído uma campanha junto aos estudantes para buscarem cursos que tenham maior facilidade de acesso na região, facilitando o acesso à universidade. “Estamos nessa expectativa positiva esse ano, para que eles possam realmente conseguir chegar, conseguir alcançar a universidade, ocupar a universidade, mas sabemos que existem muitos desafios, a concorrência é grande, muitas vezes a nota de corte não é alcançada, mas esse ano foi o ano que a gente teve um avanço significativo nas notas”, destaca.
Desafios na Educação no Campo
Apesar do bom desempenho nas provas, Kevia ressalta os desafios no processo de preparação para o Enem e confessa que o maior deles foi o deslocamento até a escola, uma vez que a ausência do transporte público de qualidade dificultava o acesso de muitos estudantes aos aulões preparatórios. Ela comenta ainda sobre a diferença no processo de preparação entre os estudantes da rede pública e da rede privada de ensino. “Nesse processo de preparação existem diferenças devido à questão dos transportes na época de inverno. Por mais que a escola garanta um bom ensino, não garantia a chegada adequada dos estudantes nas aulas de preparação, e isso significa que os alunos passaram menos tempo na escola recebendo conteúdos preparatórios para o exame”, afirma.
Lavor destaca também outros desafios que são enfrentados pelos estudantes do campo além do transporte público, como as condições de formação dos alunos e o alto número de turmas. De acordo com o coordenador, em relação ao transporte público, a dificuldade está na distância a ser percorrida e nas condições das estradas até essas escolas, sobretudo, nos períodos de chuvas intensas. “Isso causa muitas vezes suspensão das aulas ou de forma parcial ou de forma total, às vezes por um dia, às vezes por dois dias, às vezes num período da tarde, enfim. Mas acaba sendo o desafio das estradas, do acesso, essa questão de comprometer muitas vezes essa a continuidade do conteúdo, a continuidade do aprendizado dos meninos”, enfatiza.
Já em relação à condição de formação dos alunos, o coordenador revela que muitos deles chegam na escola ainda com certa precariedade na formação, com dificuldades, muitas vezes básicas na leitura, na compreensão de texto, no processo de alfabetização. “Nós temos tido essa defasagem na formação de estudantes como um desafio grande para avançarmos nos componentes curriculares que eles precisam ter, e no desenvolvimento da competência da leitura e do aprimoramento da compreensão lógica”.
Por fim, o educador salienta que a quantidade de turmas nas escolas também tem sido encarado como um desafio. “Nós vamos funcionar agora em 2025, por exemplo, com 18 turmas, em 2024 funcionamos com 17 turmas, mas nós temos preparados somente 14 salas de aulas. Então, isso a gente tem que fazer toda uma organização, uma logística, no calendário da escola para alocar os estudantes, muitas vezes improvisando outros espaços, como, por exemplo, a biblioteca, sala dos professores e laboratórios”, conclui.
A coordenadora do setor de educação do MST, Dinara Nascimento, pontua também os diversos desafios em construir e manter em funcionamento as escolas do campo. De acordo com a coordenadora, é constante a perda de aulas nas escolas durante o período de inverno, quando as chuvas se intensificam nos interiores do estado, dificultando o acesso do transporte público até as escolas camponesas. Dinara ressalta ainda que outro desafio está localizado no campo político-pedagógico, de enfrentamento do sistema educacional empresarial, e caracteriza como sendo a lógica da educação no Ceará. “Em contrapartida, temos lutado para implementar o nosso projeto de educação do campo, que pauta o resultado além dos números, construindo uma educação crítica e libertadora”, garante. Em outro momento, Dinara reflete ainda sobre a disseminação da ideia de que o campo é atrasado e somente a cidade é sinônimo de progresso, e ressalta o avanço da educação no meio agrário através das escolas do campo.
Em relação ao apoio e parceria entre o Governo do Estado e os municípios para incentivo da educação no campo, Dinara aponta que apesar da existência, está longe de ser uma política de apoio e incentivo à educação do campo, e enfatiza que tudo foi conquistado porque houve luta e resistência da classe trabalhadora por educação pública de qualidade nas áreas de Reforma Agrária.
Cursinhos Populares
Os estudantes do campo, no entanto, não foram os únicos que se destacaram na redação da última edição do exame brasileiro. Em Fortaleza, estudantes do Conjunto Ceará e comunidades vizinhas que se preparam para o Enem pelo “Dazarea Cursinho Popular”, também obtiveram destaques na prova escrita. Iniciativa de um grupo de professores e estudantes com o objetivo de preparar os jovens da periferia, de forma gratuita, para o ingresso ao ensino superior, o Cursinho Dazarea é construído por movimentos sociais que acreditam na educação pública e de qualidade como caminho para a transformação social e buscam, assim, democratizar o acesso à universidade pública.
A coordenadora do cursinho popular e educadora, Natália Aguiar, destaca que a iniciativa nasceu no Conjunto Ceará a partir da articulação com educadores do bairro e com a escola Liceu do Conjunto Ceará. “Começamos uma turma com 50 educandos, organizando aulas por componente curricular nas terças, quintas e aos sábados. Além dos aulões, conseguimos incluir algumas oficinas. Um momento bem especial foi uma roda de conversa com uma psicóloga sobre como estavam os sentimentos dos pré-vestibulandos e como poderíamos lidar com a ansiedade que esse momento traz”, aponta. Natália ressalta ainda os desafios da construção do cursinho popular, e revela que o maior deles é construir um espaço coletivo que precisa do trabalho voluntário de várias pessoas, de doações financeiras e materiais para manutenção da turma.
A rede de Cursinhos Populares Podemos+ é uma iniciativa do movimento social Levante Popular da Juventude, que tem como uma das pautas essenciais, a democratização do ensino superior, preparando os jovens da classe trabalhadora e ampliando as oportunidades de adentrar a universidade. A coordenadora da rede de cursinhos no Ceará destaca ainda que apesar das aulas terem iniciado na reta final de preparação, a empolgação e o comprometimento dos educandos era visível. “Muitos passavam o dia todo na escola e ainda ficavam para o turno da noite, interagindo durante as aulas, trazendo questionamentos, contribuindo com as discussões”, afirma.
Através das redes sociais, o cursinho popular comemorou as notas nas redações dos educandos, que obtiveram notas significativas, entre 780 e 960 pontos.
Atraso no resultado do Sisu
Ontem (26), o atraso para liberação do resultado do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) causou repercussão entre os estudantes brasileiros que prestaram a última edição do Enem e estavam pleiteando uma vaga na universidade pública brasileira. O resultado da chamada regular que estava previsto no cronograma do MEC para sair ontem, surpreendeu os estudantes ao entrarem no site oficial do Sisu e se depararam com a mensagem "o resultado será divulgado em instantes". O que os estudantes não imaginavam é que o site passaria o dia inteiro apresentando a mesma mensagem, sem a disponibilização dos resultados.
Sem informar a causa, o órgão divulgou durante a noite de ontem o comunicado informando o atraso. “O MEC informa que as equipes técnicas da Subsecretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação seguem trabalhando na finalização dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2025”. Somente hoje (27) pela manhã, o resultado foi liberado de forma oficial, e agora os estudantes já podem consultá-lo através do site oficial do SIsu.
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Edição: Francisco Barbosa