Construir um mundo socialmente justo nem sempre é um mar de rosas, porém, quem se comprometeu com a sua construção por consequência se compromete em se despir de alguns desvios adquiridos nesse modelo de vida e de sociedade – o capitalismo.
Ano passado, ao fim do processo eleitoral, muitos foram os que surgiram falando sobre o que a esquerda precisava fazer, mesmo sem terem um pé naquilo que nos é muito caro para a construção da esquerda e da luta: a prática. Apesar de os conselhos nos serem muito úteis e até considerarmos algumas avaliações válidas quando olhamos o panorama geral da luta no Brasil e no mundo com a ascensão da extrema direita e a crise do imperialismo estadunidense que, como falou um companheiro uma vez, se torna tão perigoso quanto um animal ferido e encurralado. No entanto, nós sabemos que qualquer crítica que venha a partir de um “a esquerda precisa” veio de um lugar comum: dos iluminados, aqueles que detém o farol da revolução, os que não erram, os da moral inabalável, ou como se fala na internet os alecrins dourados.
Em janeiro, virado o ano desafiador de 2024, que nos deixou muito a refletir e a nos desafiar a construir, um dos nossos primeiros ringues de batalha se apresentou na luta contra a fake news que seguiu um cronograma excelente: no dia 7 de janeiro Zuckerberg anuncia quem são seus principais inimigos e se mostra um grande aliado do novo presidente dos EUA, Donald Trump. Os inimigos? Todas as democracias que combatem a desinformação. No dia 14 de janeiro, exatamente uma semana depois, Nikolas Ferreira, deputado bolsonarista de Minas Gerais, solta seu fatídico vídeo depois da apresentação mais que atrapalhada do governo federal das novas regras da Receita Federal que envolviam o pix.
Uma pesquisa da Quaest apontou que quase 70% da população acreditou que o governo poderia taxar o pix e o mesmo recentemente avaliou duramente esse momento colocando que a partir de agora a Casa Civil irá monitorar as iniciativas dos ministérios a fim de evitar uma nova crise. Para fechar esse cronograma, no dia 20 de janeiro observamos estarrecidas a posse de Donald Trump invadir as redes sociais e seu aliado, Elon Musk, reproduzindo um gesto fascista pra lá de conhecido por nós e assim vimos a extrema direita ser o principal assunto no Brasil e talvez no mundo durante todo o mês de janeiro a partir da sua capacidade em gerar fatos políticos que praticamente determinam qual será o assunto da semana.
O problema, inicialmente, para mim está na provocação feita no início; me gera um profundo incômodo quando vejo que a nossa reação à esses fatos e a possível relativização deles por grande parte da população é se apontar como o grande farol do conhecimento, a luz da revolução e em consequência taxar de forma categórica, aqueles e aquelas que buscamos organizar, como burros, incapazes e alienados. Veja, existe aí uma contradição muito grande pra nós, que mesmo compreendendo que o papel da organização e da luta é formar e elevar o nível de consciência das massas, se coloca e coloca essas organizações em patamares inalcançáveis, como se o povo não fosse digno de fazer parte.
Por isso, o nosso desafio para a construção de uma alternativa de vida e de mundo, continua sendo avançar na construção das ferramentas de educação popular e uma de suas máximas freirianas, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens (aí para sermos mais abrangentes colocamos “o povo”) se educa entre si, mediatizados pelo mundo”. É imprescindível que consigamos transformar a nossa forma de se comunicar nas redes e nas ruas e cumprir com esse papel que nos é inerente enquanto sujeitos organizados. Conversar com o povo, estar próximo, pensar junto com o povo e se despir dessa casta de sujeitos detentores da moral, dos valores e da sabedoria. O avanço das forças populares também perpassa pela construção dessas ferramentas, por isso iniciativas como a construção do projeto de alfabetização inspirado na metodologia cubana “Sim, Eu Posso!” que utiliza novelas para trabalhar a leitura das palavras e do mundo, mesmo sendo tão antiga tem tanto valor. Ainda, a comunicação e as redes também precisam servir à nós como ferramenta de educação popular e de transformação da nossa realidade enquanto não, continuaremos patinando entre os que dizem “a esquerda precisa” se eximindo de qualquer crítica e os que dizem “se postou x eu já sei que é y”.
*Thalita Vaz, militante do Levante Popular da Juventude.
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Edição: Lívio Pereira