Não existe receita, mas algumas experiências podem nos dar pistas do que fazer
Tenho me perguntado muito sobre estratégias para combater a direita e seus desdobramentos mais violentos – o bolsonarismo fascista, a extrema direita e os conservadorismos militar e teocrático. Sempre falamos, que do golpe contra a presidenta Dilma em diante começaram a avançar as forças do ódio na sociedade brasileira. Mas na real, o Brasil é um país que se fundou no ódio ao povo trabalhador, realizando um genocídio contra os povos indígenas e escravizando e subjugando diversos povos africanos numa colonização que queria única e exclusivamente roubar nossas riquezas e levar para Portugal, enriquecendo a coroa e mantendo seu poder em relação aos demais países europeus.
São 525 anos desde que as caravelas atracaram nas praias (que inclusive agora tentam privatizar) para o que hoje é o Brasil e desde então instalou-se o terror, mas também a resistência. Foram muitas lutas por libertação, muitas revoltas contra o poder estabelecido. Todas derrotadas é verdade, mas imprimindo também certos avanços.
Todavia, o capital neoliberal com forte herança colonial e entreguista que se infiltrou nas entranhas de nosso país tem desmobilizado e desestimulado cada vez mais o povo, única força capaz de mudar a situação. Seja através do discurso empreendedorista que faz crer que ser MEI, uber ou outras formas de trabalhos autônomos, que na prática representam a precarização do trabalho e a perda de direitos, mas parecem nos fazer algo superior. Seja através dos coachs que querem nos convencer que basta mudar nossa forma de pensamento e “trabalhar duro” para vencer na vida, ou seja por meio das variações da teologia da prosperidade, que usam da fé para alimentar uma ideia forte de individualismo e de acumulação de riqueza para adquirir o seu lote no seu, tijolo (dízimo) a tijolo (dízimo). Parafraseando Paulo Freire, quando não temos uma cultura libertadora o nosso sonho passa a ser virar o opressor.
O velho Marx já dizia que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, que por sua vez é produzida e reproduzida socialmente para manter a dominação, que além de violenta é ideológica. Então vemos bíblia entrando nas escolas, militares entrando na política, pastores e padres virando parlamentares, censura de arte vinculada as culturas negra, lgbt+ e de religiões de matriz africana, homens querendo decidir sobre os corpos das mulheres, vemos a perseguição e violação dos direitos de indígenas, quilombolas e camponeses, barragens de lama e veneno consumindo cidades e vidas.
Eles são os donos dos veículos comerciais de comunicação – TVs, rádios, portais online, jornais impressos, redes sociais, revistas –, donos de parte significativa das instituições de ensino e por meio de suas fundações e poder influenciam sobre o funcionamento das instituições públicas, são os donos da indústria cultural – cinematográfica, gravadoras, museus, editoras… Mas se eles são donos de tudo o que podemos fazer para enfrentar?
A primeira coisa que podemos e devemos fazer é tomar consciência de nossa situação, do poder estabelecido e a serviço de que e de quem ele está. Nos apropriar de nossa história e das narrativas que tentam apagá-la. Mas esse tomar consciência do problema, não é e não pode ser algo que nos paralise, dado o tamanho do inimigo e do seu poder, afinal, mesmo com toda a tecnologia desenvolvida ainda tem algo que só o trabalhador possui e que os donos do capital, os burgueses, prescindem que é a capacidade de transformar a matéria, ou seja o trabalho. Sem nós eles não conseguem produzir a mais valia, que é a fonte de seu lucro e poder. Então, nós temos um trunfo que podemos usar e é um dos que podem mudar o rumo da história, mesmo que hoje pareça impossível.
Todavia, não existe um manual, uma receita ou algo do gênero. O que ensaio nessa série de textos é dar algumas pistas sobre o que podemos fazer em nossa realidade cotidiana, a partir de nossas condições e disposições, muito a partir de minha própria experiência como trabalhador da cultura e militante político da esquerda social, que ainda acredita na revolução.
*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Camila Garcia