O ano de 2025 marca exatamente a metade do governo Elmano. Faz dois anos que Elmano de Freitas assumiu o Governo do Estado do Ceará e de lá para cá já dá para ver alguns resultados de suas ações, sejam avanços e ou promessas que ainda são esperadas, como apontam movimentos populares e lideranças populares. O Brasil de Fato conversou com alguns desses representantes para falar sobre meio ambiente, agroecologia, agrotóxicos, pautas da população indígena, população quilombola, implementação de offshore e até mesmo o futuro da mineração de urânio em Santa Quitéria.
Territórios quilombolas e luta antirracista
João Luís Joventino do Nascimento, doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e liderança do Quilombo do Cumbe, opina que o governo ainda está muito a desejar. De acordo com ele, era para ser uma continuidade do governo Camilo Santana e ter mais a cara das questões sociais, ambientais, identitárias dos povos e comunidades tradicionais. Pois ao seu ver, foi o conjunto desses grupos que assumiram o compromisso para que fosse possível ter mais quatro anos de governo do PT.
“Falando da questão quilombola, nós ainda não temos nenhuma ação concreta, efetiva, voltada para a população quilombola. No campo da saúde nós não temos nenhuma política estadual que trate da saúde da população quilombola, nós não temos ainda nenhum PSF voltado para a saúde da população quilombola. No quesito educação, é vontade do movimento quilombola que o governo do estado assuma a educação escolar quilombola em todas as suas modalidades, como aconteceu com a educação indígena. Com relação a questão da demarcação e titulação dos territórios quilombolas, nós não temos nenhum território quilombola demarcado pelo governo do estado, porque o governo do estado pode também titular e demarcar territórios quilombolas”.
João ainda continua. “Com relação à cultura, não temos uma política pública voltada para apoiar as ações culturais das comunidades quilombolas, apenas aparecem vagas para quilombola nos editais. Mas para um estado com mais de 100 comunidades quilombolas, o governo do estado colocar uma vaga, a Secretaria de Cultura coloca uma vaga. É muito pouco.”
João do Cumbe afirma que o que se pode observar, na verdade, são violações de direitos cometidas pelo próprio estado do Ceará. “Nós temos um órgão como a Semace, que é o órgão estadual ambiental, ainda licenciando empreendimentos econômicos dentro dos territórios quilombolas onde vai desconsiderar o Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada da Convenção 69 da OIT, ou seja, nós não observamos um cuidado que o estado do Ceará deveria ter com a população quilombola. Ainda falta, no meu entendimento, o que nós chamamos de um letramento quilombola, onde as secretarias do governo do estado tenham um diálogo permanente com a população quilombola do Ceará”.
Povos indígenas
Paulo Anacé é uma das lideranças indígena do povo Anacé da grande Aldeia KAUYPE, educador social, professor e ecossocialista. Ele afirma que o governo Elmano de Freitas tem sido o governo mais próximo do movimento indígena. Paulo informa que governo tem estado em constante diálogo com as etnias e organizações indígenas de uma forma mais democrática, humana e respeitosa. “Com o Idace conseguiu demarcar alguns territórios e outros estão em processo de estudo e devem ser os próximos. No nosso território ganhamos uma escola indígena, a Escola Anacé Joaquim da Rocha Franco, a primeira escola indígena estadual na região do lagamar do Cauipe. A Secretaria dos Povos Indígenas foi uma grande vitória e em parceria com o movimento indígena e tem dialogado de forma expressiva com o Ministério dos Povos Indígenas, a Secretaria de Saúde Indígena Nacional, a Funai e outros órgãos”.
Paulo Anacé aponta que o concurso para professores indígenas com um dos avanços da gestão. Mas ele, poderiam ter mais concursos públicos em diversos setores para indígenas, além de maior diálogo com os territórios onde há estudos de empreendimentos como mineração e outros.
Como expectativas para essa reta final, Paulo Anacé aponta o aumento nas demarcações observando os territórios que mais são atingidos por empreendimentos e impactos ambientais, agressões ou violações de direitos. Maior força na saúde indígena com apoio do governo federal e as secretarias estaduais para construção de postos de saúde indígena, museus e outros equipamentos que permitam melhorias em nossos territórios.
Meio ambiente e agrotóxico
No que diz respeito ao meio ambiente e a luta contra o uso abusivo dos agrotóxicos a realidade é diferente. Reginaldo Ferreira de Araújo do Movimento 21, historiador e pedagogo, mestre em educação e movimento sociais diz que esses dois primeiros anos do governo Elmano foram decepcionantes em relação à questão ambiental, principalmente à questão dos agrotóxicos.
“O Elmano, quando era deputado, era um aliado da nossa causa, esteve aqui na Chapada do Apodi em 2014, teve um papel fundamental na conquista da nossa Lei Zé Maria do Tomé, que proibia a pulverização aérea. Ele foi coautor da Lei junto com o deputado Renato Roseno. A gente conhece o Elmano desde a época que era advogado do MST, ele teve vários momentos com a gente, subiu a Chapada, conhece nosso território, sabe da nossa principal tarefa aqui como ativistas ambientais que é o combate ao uso abusivo dos agrotóxicos que tem acarretado muita doença na nossa região como câncer, má formação de bebês, doença de pele e vários outros as pesquisas têm na Chapada do Apodi e do Vale do Jaguaribe como um todo”.
Reginaldo fala com decepção sobre a votação na Assembleia Legislativa da permissão de pulverização de agrotóxicos com drones. “Infelizmente, fomos pegos de surpresa no final de 2024 quando Elmano, naquele maldito almoço com a bancada do agronegócio, promete para eles colocar uma lei que garante a pulverização por drone, às pressas, sem debate, sem discussão com a sociedade. Foi votado por vinte e dois deputados da base do governo e, infelizmente, foi aprovada e foi o desmonte da nossa Lei que é um marco histórico para nós”.
Reginaldo lamenta lembrando que “há seis anos não tinha mais banho de veneno, não tinha mais chuva de veneno no estado do Ceará, nem avião, nem de drone. Esse é um governo que nos traiu, que jogou a história dele e a pauta ambiental, de um ambiente saudável, sem veneno na lata do lixo. Não avança a política para a cultura familiar, não avança uma polícia de transição agroecológica no estado do Ceará, pelo contrário, é o estado que era vanguarda no Brasil e no mundo e hoje nos deparamos com esse atraso colossal colocado pelo governador Elmano, que a gente não sabe como isso vai parar”.
Sobre o futuro as perspectivas não são tão boas na visão de Reginaldo. “A nossa perspectiva para os dois futuros anos do governo Elmano de Freitas é ver o governo mais refém ainda da bancada do agronegócio, mais refém ainda das indústrias do veneno e vai ser um governo que, para nós, a questão ambiental será uma tragédia e, infelizmente, é essa a perspectiva que a gente aponta para o governo Elmano”.
Alerta sobre mineração de urânio
Erivan Silva, da Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) avalia que a aprovação da pulverização com drones foi um divisor de águas e uma das principais contradições para esse governo. “Os nossos principais inimigos (agronegócio, mineração, entre outros) são de fato um bloco de poder dentro da estrutura e esferas do estado, trilhando o caminho estratégico de chantagearem até receberem de presente a segurança jurídica para agirem da forma que escolherem, destruir a natureza e acumular mais riquezas”. Quem perde com isso, segundo Erivan, é toda população cearense que poderá sofrer nos próximos anos com o acúmulo de mais pobreza, concentração de renda e doenças.
Questionado se o posicionamento de Elmano de Freitas sobre a pulverização aérea traz alguma insegurança em relação a mineração de urânio em Santa Quitéria, Erivan afirma que “inseguros nós sempre estivemos, porque nunca se teve por parte de nenhum governador e também do atual, um posicionamento contrário as tratativas das mineradoras. Ao contrário, essa negociata vem sendo pauta de reuniões entre o Consócio Santa Quitéria e o governador que prometeu 855 mil litros de água, estrada, energia e uma escola técnica como contrapartida do Estado. A única possibilidade do projeto de mineração de urânio em Santa Quitéria não acontecer é se a população cearense se mobilizar e disser não”.
Segundo Erivan, o governo poderia avançar se escolhesse um projeto capaz de contribuir com um Ceará cada vez mais sustentável e para isso deveria romper com o que reconhece serem oligarquias cearenses. “Poderia democratizar a água para os territórios camponeses em vez de entregar o maior volume para o agronegócio e a mineração. Ter uma política de transição agroecológica globalizante que pudesse atacar o problema fome para além de distribuir quentinhas. Olhando para o que vivenciamos nos dois anos anteriores, do ponto de vista ambiental, os dois anos que vem agora poderão ser ainda piores. Porque a indústria mineral continua avançando sobre os territórios em uma rapidez estupenda e muitos desdobramentos por parte do governo é de liberar cada vez mais o nosso território para o capital utilizando a justificativa de crescimento econômico e geração empregos”, finaliza Erivan.
Pesca artesanal e territórios costeiros
O pescador artesanal Francisco Valyres de Sousa, da comunidade Caetano de Cima, do Assentamento Sabiaguaba, no município de Amontada faz parte da Associação dos Pequenos Agricultores e Pescadores e Pescadoras Assentados e Não Assentados do Imóvel Sabiaguaba, também faz parte da Rede de Turismo Comunitário do Ceará (Rede Tucum) e da Articulação Povos de Luta aponta que nos dois primeiros anos do governo Elmano aconteceram coisas totalmente inesperadas. “A questão das eólicas offshore, a questão da liberação de camarão, que é um absurdo, dizendo que era para pequenos produtores, o que não é verdade, a questão do urânio em Santa Quitéria e tantas outras questões. Na verdade, o Ceará está fazendo hoje um trabalho gigantesco não pensando na população que mais precisa. Todos os processos estão voltados para o grande capital, isso é fato.”
Valyres observa que há muita desinformação do governo estadual sobre os projetos para a zona costeira. No caso das eólicas offshore, “O governo não nos diz nada, mas se a instalação das otrres forem como chegou até a gente, e o mar será todo cercado, retalhado. É uma coisa terrível. Não estão pensando na pesca artesanal e nas comunidades da zona costeira. Isso traz consequências danosas para a pesca. Quem mais padece é a pequena população, é o trabalhador, é o pequeno produtor, é a agroecologia, é o meio ambiente, é o pescador artesanal, a marisqueira, o quilombola o indígena e todas as pessoas que mais precisam da natureza para sobreviver”.
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Edição: Camila Garcia