Ceará

Coluna

A escala 7x0 dos trabalhadores da cultura

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"Artista deve fazer arte no Brasil" grita o artista durante sua performance nas ruas da cidade. Mas a que custo? - soupixo/Fatozero
Já peguei serviços onde o contrato eram de 30 dias de trabalho e eram os 30 dias literalmente

Começamos 2025 e como é de praxe as redes sociais e nossos círculos sociais são tomados pelas mensagens de felicitação e que nos desejam um novo ano maravilhoso, que em sua maioria eu vejo como um desejo real de que seja um ano melhor em todos os âmbitos da vida, com exceção das empresas e dos donos do capital, que esses pela frente desejam coisas bonitas, mas por trás atuam para piorar nossas condições de vida.

No entanto, desde que o debate da escala de trabalho tomou corpo no Brasil eu venho pensando cada vez mais sobre a condição dos trabalhadores da cultura, especificamente. Na verdade, em outros momentos eu já pensava sobre isso, sobre as relações e condições de trabalho no meio artístico.

Se olharmos para as pessoas que são CLT e estão atuando nos equipamentos culturais e nas Organizações Sociais o debate da escala é mais próximo do debate com outras categorias, passa principalmente pela defesa da redução da jornada semanal de trabalho que hoje é de 44h, enquanto países como EUA tem uma jornada de 40h e França de 35h, ou seja, não só é possível como grandes economias já tem implementado elas. Aqui também faz parte da luta o direito ao descanso em finais de semana, tendo em vista que é uma categoria que tem no final de semana, momento de descanso de muitos dos trabalhadores de outras categorias, um dos momentos mais intensos de trabalho.

Ah Lívio, mas o que você sugere? Primeiro, é importante dizer, que no Ceará hoje, basicamente todos os equipamentos culturais trabalham com um efetivo menor do que o ideal, isso para a jornada atual, sem falar que alguns ainda com salários bem defasados. Então, a solução justa e possível, vale dizer, é o ajuste salarial de todos os profissionais, a redução da jornada de trabalho para 35h e a ampliação do efetivo, organizando a realização dos serviços prestados em escalas.

Uma ação como essa, em uma única lapada, reduziria o desemprego, melhoraria as condições de trabalho de uma categoria com ampliação do descanso, que representaria uma redução nos custos com saúde, pois a tendência é redução do adoecimento psicológico que está em alta no momento, redução de acidentes de trabalho, tendo em vista que as pessoas estariam mais descansadas, logo, mais atentas ao trabalho, aumento da produtividade, pois períodos de verdadeiro descanso aumentam a produtividade. Se você não acredita nos estudos científicos que comprovam isso, basta ver que não só países capitalistas que já reduziram suas escalas a algum tempo as mantém, como outros países tem começado a planejar suas reduções de jornada de trabalho, como o caso do Japão e Reino Unido. Inclusive o pleno emprego em um país é um fator determinante para a saúde econômica deste, tendo em vista que a classe trabalhadora é a principal responsável pela movimentação da economia. Quando o povo tem um bom emprego (isso quer dizer, boas condições de trabalho e bom salário) ele consome mais e melhor, ou seja, reinsere o seu salário em alimentação, melhorias em sua casa, contratação de novos serviços como assinaturas de streamings, realiza viagens pelo país, compra um transporte e por aí vai.

Mas existe uma outra parte do setor cultural que a pauta é um pouco diferente. São os trabalhadores autônomos e é nessa parte que me incluo. Para nós, o primeiro ponto, assim como outras pessoas que estão na informalidade, os MEIs (microempreendedores individuais) e os trabalhadores de aplicativos, para citar apenas alguns exemplos, é que nem existe escala, inclusive esse é um dos principais elementos que o neoliberalismo utiliza para nos ludibriar, com o argumento de que nós fazemos o nosso próprio horário. O que é uma mentira das grandes, afinal eu para escolher tirar uma semana de folga, mesmo que eu não vá fazer nada de excepcional, como viajar, eu preciso me planejar bem antes, pois não possuo uma renda fixa, logo por vezes tenho que trabalhar incontáveis dias seguidos antes de tirar alguma folga.

Por exemplo, já peguei serviços onde o contrato eram de 30 dias de trabalho e eram os 30 dias literais, inclusive raras são as vezes que peguei contratos onde além do cachê tive os custos com alimentação e transporte cobertos por fora. A alimentação até tem se tornado mais comum em algumas experiências, mas ainda não é uma regra.

A nossa realidade na cultura, que depende dos editais públicos, das leis de incetivo e da prestação de serviços pontuais é que muitas vezes pegamos trabalhos altamente estafantes e que o retorno financeiro cobre um ou dois meses, aí temos que lidar com a sobrecarga de trabalho, pois não sabemos quando será o próximo contrato ou edital aprovado, o que nos enche de insegurança e nos empurra com força para o adoecimento. Os editais, muitas vezes, impõem condições ainda mais precárias, pois temos que trabalhar meses e ter um retorno que não cobre metade do período trabalhado e quando colocamos valores mais justos de cachê não somos aprovados por “inconsistência” nos planos de ação. São condições muito adversas, que foram atenuadas pelas Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, assim como as modificações na Rouanet, inclusive com editais específicos paras as regiões, mas que ainda tem muito o que avançar.

A vida é dura, mas a saída é coletiva. Por isso esse é meu primeiro texto de 2025. É um convite a organização, procure os espaços coletivos de sua categoria, participe, pressione os parlamentares, prefeitos, governadores e presidente eleitos. Na arte cearense temos mecanismos de participação popular importantes, como os Fóruns que algumas linguagens utilizam, os conselhos municipais e estadual de cultura, pontos de cultura e outras experiências de base comunitária, grupos de tradição, além dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais populares. Só a luta coletiva melhorará nossas condições de trabalho e vida. Então lute, para poder viajar, ter seus bens, acessar o lazer e um dia se aposentar!

*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

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Edição: Camila Garcia