No apagar das luzes de final de ano, o Ceará aprovou políticas antipovo em prol do capital
Estamos chegando a mais uma virada de ano, época em que costumamos renovar nossos sonhos e esperanças, mas que para nós, cearenses, será uma virada amarga. Por aqui, temos resistido de todas as formas ao bolsonarismo, à extrema direita e aos defensores do ódio e da morte. Destes, nunca esperamos nada de positivo, estamos sempre preparados para o pior, mas o maior golpe que sofremos em 2024 veio de representantes da esquerda, pelo menos era assim que os víamos.
Sarto, durante o final de sua gestão, após ser derrotado nas urnas, articulou com os vereadores anti-povo e negacionistas climáticos a votação de 11 projetos que atuam contra a proteção ambiental, todos inseridos na pauta de forma irregular e votados às pressas. Mesmo uma área de 11,4 hectares (equivalente a 114 mil metros quadrados) do Parque do Cocó, que Roberto Cláudio, seu correligionário e prefeito da época, havia vetado, voltou à pauta e foi aprovada. Além disso, houve diversos outros abandonos por ele perpetrados, como se vê na situação da saúde que ficou em evidência nos últimos dias.
Até então, não esperávamos muito, afinal, desde a campanha, Sarto vinha se aliando a setores da extrema direita. Roberto Cláudio, um de seus principais aliados, apoiou André Fernandes no segundo turno. Ou seja, não esperávamos um final de gestão positivo.
Mas o maior golpe, ainda com impactos e retrocessos incalculáveis, veio do governador Elmano. No final do ano, ele declarou publicamente que a pulverização aérea por drones deveria ser aprovada antes do fim do ano. Além disso, mobilizou deputados favoráveis ao projeto, que foi aprovado sem qualquer debate com a população, sem ouvir especialistas, pesquisadores, populações rurais e comunidades tradicionais.
A votação apressada, o deboche de parlamentares contra o colega Renato Roseno, que tentava barrar a votação, e a falta de sensibilidade do governador em relação às entidades e à sociedade civil, que se manifestaram na Assembleia Legislativa, foram agravantes. No mesmo dia, Elmano sancionou a lei, que foi publicada no Diário Oficial do Estado, impedindo que a sociedade civil pressionasse por um veto.
O pior é que Elmano conhece os impactos da pulverização aérea. Ele foi um dos responsáveis pela aprovação da Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe essa prática no estado. Além disso, foi um grande apoiador do MST, atuando como advogado do movimento e sendo eleito deputado estadual e governador com o apoio do movimento e de outros setores da esquerda social.
É chocante ver que o mesmo governador que enfrentou os militares e o conservadorismo e retirou o mausoléu e a homenagem ao ditador Castelo Branco do Palácio da Abolição, sede do governo do estado, e que sancionou e trabalhou para criar um dos principais programas de combate à fome, o Ceará Sem Fome, trabalhou para aprovação de pulverização por drones.
Eu entendo Elmano, que seu governo é de uma aliança muito ampla, com setores da direita, mas me parece que o problema é outro. Não sei se lhe falta força enquanto pessoa para enfrentar a pressão da direita, se você é apenas um fantoche de outras forças que de fato dirigem o governo, se lhe faltam princípios e convicções ou se fomos nós que nos enganamos com você e esperamos uma postura que nunca foi a sua.
Uma coisa é certa, nunca me senti tão frustrado e decepcionado politicamente como nesse final de ano. Eu espero que em 2025 nós tenhamos um respiro e consigamos enfrentar a onda ainda maior de conservadorismo e política anti-povo que me parece se insinuar. Espero que agora compreendamos que mesmo quando um aliado nosso chega num local como esse de representação política, nós não podemos descansar, temos que seguir nos organizando e pressionando, pois se não terminaremos sem direitos.
*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Camila Garcia