Ceará

Violência

Omorixá Oya denuncia racismo religioso vivenciado no Aeroporto de Fortaleza

Egbon Lindinalva Barbosa, Omorixa Oya do Terreiro do Cobre, da Bahia participou de evento em Fortaleza

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Os momentos constrangedores relatados por Lindinalva aconteceram na madrugada desta segunda-feira (09) quando se preparava para pegar o avião de volta a Salvador. - Divulgação

No último sábado (07) o Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, em Fortaleza, recebeu o evento intitulado “Samba de Axé Levanta Terreiro”, que tinha como alguns dos objetivos arrecadar fundos para a construção da roça de candomblé, e realizar debates sobre as perspectivas e desafios das comunidades tradicionais de terreiro na luta por políticas públicas de valorização e preservação dos povos de terreiro. O evento também celebrou as resistências dos povos de terreiro e promete criar laços de irmandade, resistência coletiva e cooperação. Mas o que era para ser um final de semana de luta contra o racismo religioso em Fortaleza acabou por mostrar mais uma vez a face desse tipo de violência. 

Egbon Lindinalva Barbosa, Omorixá Oya do Terreiro do Cobre, da Bahia, que participou do evento realizado no fim de semana na capital cearense, informou ao Brasil de Fato momentos vivenciados no Aeroporto de Fortaleza que, de acordo com ela, foram muito constrangedores.

“Eu sou da Bahia, sou do Movimento Negro, do Movimento de Mulheres Negras, sou integrante, participante das religiões de matriz africana, eu sou Egbon do Terreiro do Cobre, que fica aqui em Salvador e por conta disso tudo, eu fui convidada pelo grupo Ofá Omi para participar do encontro que foi realizado com várias lideranças do movimento negro, quilombolas, das religiões de matriz africana, instituições públicas também de defesa dos direitos humanos, que aconteceu em Fortaleza. E eu fui uma das palestrantes”, explica Lindinalva. “Nós fizemos uma participação muito bacana, foi muito agradável, foi politicamente muito forte. Todo o evento foi muito potente. E aí eu tinha ido daqui de Salvador para Ceará de Torso, porque eu costumo usar Torso, que é aquele turbante que é característico das pessoas que são de religiões de matriz africana”. 

Lindinalva explica que o Torso é uma indumentária religiosa, além de ser também uma indumentária cultural que tem toda uma vinculação a cultura negra, a cultura afro-religiosa, a cultura africana, afrobrasileira, que é o uso de turbantes, de Torso. 

Os momentos constrangedores relatados por Lindinalva aconteceram na madrugada desta segunda-feira (09) quando se preparava para pegar o avião de volta a Salvador. “Eu fui de Torso daqui de Salvador, não tive problema nenhum. Quando foi na volta de Fortaleza para Salvador, no voo que a gente ia pegar às 3h15 da manhã [desta segunda-feira, 09], nós acessamos, e quando passamos na esteira o rapaz me pediu para tirar o meu colar, que é um colar que eu tenho um ritual, que tem um saquinho. Eu estava já entretida ali conversando com as companheiras e acabei não associando a nenhum tipo de preconceito. Coloquei o cordão na bandeja. Quando chegamos do outro lado uma funcionária me pediu para eu tirar o Torso. Na hora fiquei tão agitada e tão surpresa. Eu me neguei a tirar o Torso, disse que não ia tirar, que ali era uma indumentária religiosa, que eu tinha o direito de me expressar culturalmente”.

Lindinalva explica que já tinha passado pela inspeção e que depois disso ficou a discussão entre a mulher e o rapaz. “Ela bem dura, tentando me convencer a tirar. Quando ela viu que eu não ia tirar e que eu também estava fazendo registro fotográficos para me defender, outra funcionária me chamou no canto e me inspecionou mais uma vez, com a inspeção eletrônica, com aquele aparelho que eu nem sei como é que chama. Depois disso eu fui andando, eu segui essa moça, ela está nas câmeras do aeroporto, ela é quem estava mais veemente com essa questão de que eu tinha que tirar o Torso e de que eu tinha que apagar o celular e que eu tinha que mostrar, eu disse: ‘eu não tenho que mostrar, a não ser que você pegue meu celular na minha mão’ e fui me dirigindo para o embarque”.

Depois desse momento Lindinalva lembra que enquanto estava na fila de embarque a moça voltoi mais uma vez, agora acompanhada de outras duas pessoas. “Eu entrei na fila de prioridade, porque eu sou uma pessoa idosa, tenho 62 anos. Quando eu entrei na fila me chega essa moça com mais uma outra funcionária e um senhor que é um funcionário, um servidor da polícia federal, e barrou a minha entrada, o que eu achei que foi mais complicado. E aí nesse momento criou-se um constrangimento muito grande. Eu fui impedida de embarcar, de entrar para o embarque”.

“Então criou-se um constrangimento muito grande, a fila parou, eu fiquei ali, todo mundo olhando para a minha cara, e eu parecendo que tinha cometido algum crime, que eu era algum traficante. Só porque eu tinha me negado a tirar o Torso. Foi uma questão extremamente constrangedora que eu considero racismo religioso, eu considero como assédio moral, eu considero como uma série de situações que me colocaram em uma situação de constrangimento profundo”, explica Lindinalva.

“É um conjunto de situações que o racismo opera em relação a nós, e nós que somos militantes e ativistas, a gente sabe exatamente o que isso representa. Mas quando a gente sente, quando a gente passa pela situação, de certa forma, a gente ainda se surpreende como se nós estivéssemos imunes a ação do racismo, mas nós não estamos imunes às ações do racismo. Foi muito constrangedor”. 

Jorgeane Rodrigues de Oxóssi, Ilê Àsè Igbará T'Ogum de Lauro de Freitas presenciou a ação e fala sobre as sensações sentidas no momento. “É uma sensação de decepção, de estar numa cidade com tanto conhecimento religioso e raciais e tratar uma pessoa negra, religiosa daquele jeito que foi. Segundo, de uma tristeza imensurável, de uma dor insuportável, de ter a minha cor e minha religiosidade colocadas a prova. É uma sensação de impotência terrível. E terceiro, como testemunha de ato vivido de uma mulher negra, uma candomblecista irmã, porque a gente milita tanto, conversa tanto, tem tantas armas e a gente espera que isso nunca vai acontecer com a gente, de a gente vivenciar uma coisa dessa e só a gente que vivenciou e viu como foi que ela ficou sabe. Eu fiquei, naquele momento, me sentido impotente perante aquela situação”.

“Eu estou entrando com todas as medidas que eu puder ter, políticas e jurídicas para garantir uma reparação mesmo, a esse constrangimento que eu sofri no aeroporto de Fortaleza”, finaliza Lindinalva.

Nota de repúdio

Em seu perfil oficial no Instagram, o Coletivo Ofá Omi divulgou nota de repúdio. Em nora o coletivo diz que “Racismo religioso é crime, sendo uma prática que expressa profunda violência e ódio contra os povos de terreiro quanto manifestam seu pertencimento e sua identidade religiosa em espaços públicos. É fundamental denunciar esse grave delito que constrange, ameaça e vulnerabiliza os povos de terreiros e suas comunidades”.

O coletivo também faz uma convocação para a luta contra o racismo e o racismo religioso. “Convocamos os povos de terreiro do Ceará a se mobilizar e manifestar permanentemente contra os horrores do racismo religioso que afeta nossas existências e nossos territórios ancestrais. Nenhum minuto de silêncio frente às violências e políticas de morte contra as nossas existências. Seguiremos em caminhada com Exu e Ogum para vencer a política de morte planejada contra o povo negro, contra as comunidades de terreiro”.

Nossa equipe entrou em contato com a assessoria de comunicação do Aeroporto Internacional de Fortaleza para pegar mais informações sobre o caso. "A Fraport Brasil é absolutamente contrária a qualquer espécie de constrangimento e zela pelo cumprimento das normas de Segurança da Aviação. A partir do relato recebido, analisamos as imagens das câmeras de segurança, sendo constatado que os procedimentos adotados pelos Agentes de Proteção da Aviação Civil (APACs), seguiram estritamente a normativa que regulamenta o procedimento de inspeção dos aeroportos no Brasil - DAVSEC 02-2016 revisão, editada pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil)" disse a empresa em nota enviada ao Brasil de Fato.

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Edição: Camila Garcia