Ceará

Entrevista

Caucaia empossa aprovados em concurso público específico para povos originários e comunidades tradicionais

Enedina Soares, presidenta da Fetamce, conversou com o Brasil de Fato sobre a importância da realização desse edital

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Com esse edital Caucaia se tornou a primeira cidade do Ceará e do Nordeste, e a terceira do país, a não apenas realizar um concurso específico para esse público, mas também empossar os profissionais. - Foto: Fetamce

Em outubro a Prefeitura de Caucaia realizou cerimônia de posse dos primeiros aprovados no concurso público com edital específico para os povos originários e comunidades tradicionais. O evento marcou a inclusão e valorização das culturas indígenas, quilombolas e campesinas no município, tornando Caucaia a primeira cidade do Ceará e do Nordeste, e a terceira do Brasil, a realizar e dar posse em um concurso específico para esses públicos. E para falar sobre a importância dessa ação o Brasil de Fato conversou com Enedina Soares, presidenta da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce). Confira.

Qual a importância dessa conquista para as comunidades originárias e tradicionais de Caucaia?

É importante a gente destacar que o município de Caucaia, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, segundo maior município do estado, com mais de 350 mil habitantes e vizinho a Fortaleza, tem um território muito diverso. Nós temos aqui um território marcado por uma riqueza cultural que é ancestral, então nós temos o privilégio de ter uma cidade que é localizada na Região Metropolitana de Fortaleza, mas que, ao mesmo tempo, tem um vasto território rural, tem uma comunidade rural, temos nove quilombos reconhecidos, temos duas etnias, Tapeba e Anacé. Então nós temos um ambiente de uma cultura urbana, mas também de uma diversidade cultural tradicional, ancestral e isso é muito rico. 

Para nós, um concurso dessa magnitude é reconhecer que esse território é um território indígena, é um território quilombola, é um território que cabe todas as pessoas, que tem que ter política pública para todos, para quem mora nas áreas urbanas, mas também para as nossas comunidades tradicionais e para as comunidades do campo, que também são importantes e fundamentais para o desenvolvimento da cidade.


É importante dizer que essa conquista é uma conquista das vozes, das lutas que foram ecoadas na Câmara Municipal e que a gestão municipal acabou atendendo a essas reivindicações. / Foto: Fetamce

O que ganham as escolas com essa ação?

Nós temos a educação indígena, a educação quilombola e do campo, que são frutos de uma construção social, é uma conquista da luta dos trabalhadores do campo, dos trabalhadores quilombolas e também indígenas ter o direito a uma educação que considera as suas construções sociais, as suas lutas e que, ao longo desse tempo, muitos desses segmentos foram estudar, chegaram ao ensino superior, se formaram, viraram professores, como também outros profissionais, como assistente sociais e engenheiros, pessoas que tiveram a oportunidade de ter um investimento em educação a partir de uma política social, uma política pública de inclusão, de cotas para a escola pública, de cotas para o povo preto, de cotas para os mais pobres chegar ao ensino superior, e ensino superior não ser um privilégio apenas de um segmento da elite da nossa cidade, do nosso país. Então é importante a gente destacar isso.

A gente fez uma luta forte na Câmara, fazendo as vozes desses movimentos ecoarem na Câmara Municipal, estou como vereadora até dezembro deste ano. Então é importante dizer que essa conquista é conquista das vozes, das lutas que foram ecoadas na Câmara Municipal e que a gestão municipal acabou atendendo a essas reivindicações. 

Esse momento, para nós, é um momento de muita alegria. Nós estamos fazendo história, é uma referência nacional a posse desses trabalhadores. 

Qual foi ou qual está sendo o papel da Fetamce na luta pela realização de um edital tão importante como esse?

Nós, da Fetamce, nós que fazemos o movimento sindical, inclusive o Sindicato dos Servidores Municipais de Caucaia, que é o nosso sindicato específico de Caucaia, sempre teve uma relação de fazer a luta considerando as construções dos movimentos sociais, então a gente sempre teve uma parceria muito importante com as lutas dos povos indígenas, do povo quilombola, do campo. Sempre foi uma relação de muita parceria, tanto deles nos ajudarem nas nossas lutas pelo serviço público, como também a nossa luta contra o Marco Temporal, a esse momento histórico que a gente vive no nosso país de ter pela primeira vez um Ministério dos Povos Originários, o Ministério da Igualdade Racial. A gente vê as políticas tão importantes e necessárias voltando e o protagonismo dessas pessoas, que é a possibilidade que a gente tem de realmente reconstruir o Brasil, não a partir de agora, mas corrigindo essa dívida histórica que a gente tem com os povos originários.

A gente tem uma visão de que o movimento sindical em si, o seu papel, não é apenas a defesa dos direitos imediatos, não é só um reajuste anual, a gente tem um papel social, uma relevância social, e a gente precisa romper essa barreira de que sindicato tem um papel limitado. Então essa parceria com o movimento indígena, quilombola e do campo é fundamental para a gente unir a classe trabalhadora em um projeto, realmente, de que trabalhador precisa. O orçamento brasileiro precisa incluir todos, então é nisso que a gente acredita.

Com esse edital Caucaia se tornou a primeira cidade do Ceará e do Nordeste, e a terceira do país, a não apenas realizar um concurso específico para esse público, mas também empossar os profissionais. O que isso representa?

É um momento da gente mostrar para as outras cidades que tem povos originários, que têm quilombos, de que é possível sim a gente construir o serviço público com pessoas que constroem o dia a dia da cidade, de cada território. É um momento de mostrar, a partir do exemplo que Caucaia está dando, de que tem que ter mais concursos específicos. Aqui no Ceará, o governador Elmano fez a nível estadual, Caucaia já empossou e aí nós temos outros municípios que também têm povos originários, têm povos quilombolas, então segue o exemplo, o bom exemplo. Às vezes tem prefeito que só copiam os maus exemplos, é importante copiar os bons exemplos. Então copie bastante Caucaia nos bons exemplos para a gente reconstruir o serviço público com quem faz o cotidiano das lutas sociais, que estão nos territórios.

Você acredita que em breve outros municípios também seguirão os passos de Caucaia?

A gente precisa ser otimista, né? E a gente está vendo aí o exemplo do governo do estado, agora Caucaia e a gente precisa acreditar que os projetos eleitos nas urnas sejam projetos de inclusão social, sejam projetos de compromissos com o serviço público. As promessas de campanha para garantir os votos da classe trabalhadora, inclusive desses segmentos, se foram vitoriosos nas urnas, ou que não, a gente precisa estar com o movimento social organizado para a gente cobrar dos gestores, a partir de 1º de janeiro, compromisso com essas pautas. 

Às vezes você apoia alguém que não foi eleito, mas a luta continua, o movimento social está vivo e a gente precisa ir bater na porta, porque passa a campanha, passa o processo eleitoral e quem é eleito é eleito prefeito da cidade inteira, então precisa ter responsabilidade com todos e o movimento social cabe fazer a cobrança necessária. 

Onde profissionais empossados vão atuar?

Todos são profissionais da educação, são professores de diversas áreas, e aí eu posso passar aqui para você quais são os cargos que eles estão assumindo. Da etnia Tapeba são onze professores Pedagogos, um professor de Geografia e um professor de Ciências e outro de Matemática; dos Anacé são três professores Pedagogos; quilombolas são nove Pedagogos e um professor de Língua Portuguesa; da educação do campo são nove professores Pedagogos, um professor de Educação Física, um professor de Língua Portuguesa e um professor de Matemática. 

Quais são os próximos passos na luta por um serviço público mais inclusivo?

Nós precisamos pensar, no que trata da educação, qual o currículo escolar necessário para a educação ter significado para os nossos estudantes e ter condições de fazer a diferença na vida dos nossos estudantes. Porque nós, que somos trabalhadores, nós que somos do andar de baixo, a única chance que tem da gente avançar, de melhorar de vida, de melhorar a nossa condição é através da oportunidade propiciada pela educação. Então, um currículo escolar construído com esse olhar, do que é importante para a gente, o que é necessário, quais são os conhecimentos necessários, acho que isso é muito importante para a gente construir uma educação como Paulo Freire sempre defendeu, o nosso patrono da educação, uma educação que tenha significado, uma educação que possa ser libertadora, possa ser emancipatória, então a gente acredita muito nisso.

E pensando o serviço público, nós precisamos ganhar cada vez mais força, o sindicato tem uma função social, a sociedade precisa entender a importância do sindicato e defendê-lo. Muitas vezes há muitos rótulos atribuído aos sindicatos, e o sindicato tem uma capacidade enorme de luta por direitos, os direitos trabalhistas que nós temos foram frutos de lutas sindicais ao longo da nossa história e, ao mesmo tempo, a gente não pode ficar restrito apenas a uma luta corporativa, por isso o papel social é tão importante e nós precisamos ter a população junto com a gente para defender mais financiamento para o serviço público. 

Nós temos um orçamento brasileiro que quase metade do orçamento vai para pagamento de juros da dívida pública, e juros de uma dívida pública que tem teses de que essa dívida já foi paga há muito tempo e ao mesmo tempo esses recursos poderiam estar sendo investidos para melhorar o serviço de saúde, o serviço de educação, a infraestrutura da cidade, e para a gente ter eco e força nessa defesa a gente precisa ter a população junto, é algo que a gente ainda caminha a passos lentos nessa construção, mas acho que o caminho é esse, é reinventar a nossa luta, dialogar mais com a sociedade e lutar por mais financiamento para os serviços públicos.

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Edição: Camila Garcia