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Youtube entra na luta contra 'GunTubers'

Canais de transmissão dos defensores de armas “guntubers” estão saindo da plataforma por conta das mudanças de regras

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O Youtube vem há anos buscando criar regras sobre a publicação de vídeos voltados para a venda direta de armas de fogo e munições. - Foto: Reprodução do Youtube

As regras de utilização da plataforma Youtube para exibição de imagens de armas estão ficando cada vez mais rigorosas, o que está motivando o cancelamento de contas de usuários chamados de “guntubers”, que gravam e promovem vídeos sobre armamento.

Responsabilidades e interesses diferentes

O debate sobre regulamentação nas plataformas tem ganho cada vez mais espaço na sociedade, não apenas no Brasil, mas em diferentes países, onde há episódios de abusos cometidos por usuários. São exposições não consentidas, defesa de discurso e ideologia de ódio, incentivo ao crime ou suicídio e cyberbullying.

Recentemente, uma guerra foi travada no Brasil no que diz respeito a tentativa de impor regras de operação de plataformas redes, quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicando o Marco Civil da Internet e regras previstas no Código Civil e na Lei Geral de Telecomunicações, suspendeu a plataforma X (antigo Twitter) do empresário Elon Musk. 

A decisão foi motivada pelo que Moraes destacou como “desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais". No bojo das discussões estava a investigação de delitos de obstrução de investigação de organização criminosa e de incitação ao crime contra delegados federais e seus familiares. As redes haviam sido usadas para ameaçar e coagir as vítimas e o X, em especial, havia ignorado as determinações de bloqueio de contas dos suspeitos pelos crimes. 

Mas no caso do Youtube, pertencente a empresa Google, a responsabilidade social sobre os conteúdos armamentistas parece estar seguindo um caminho diferente. A plataforma vem há anos buscando criar regras sobre a publicação de vídeos voltados para a venda direta de armas de fogo e munições.
 
Desde 2018, a política de armas de fogo do YouTube diz às pessoas “não postar” se seu objetivo é vender armas de fogo ou vincular a sites que vendem armas de fogo.

Mais novas regras foram criadas a partir de junho e criaram polêmica entre os criadores de conteúdo ligados ao armamento. Uma proibiu o conteúdo que demostra a remoção de dispositivos de segurança de armas de fogo e, outra, limita na faixa etária de 18+ o acesso aos vídeos que exibem o uso de armas automáticas ou armas caseiras e impede exibição de anúncios no material e, por consequência, a remuneração por visualização. 

Não há inocentes no jogo do capital, mas existem pressões a serem consideradas

Embora a plataforma apresente um conjunto de regras que parecem severamente contrária a disseminação de uma cultura armamentista, os interesses econômicos ainda são parte importante do jogo feito pelas redes sociais no mercado. 

Assim como o X de Elon Musk atende ao jogo político que fortalece seus negócios relacionados a mineração, o Youtube já ganhou milhões de inscritos e alimenta o comércio de armas há anos e o financiamento destes canais através de acordos de parcerias.

É por isto que outra grande polêmica nas regras está relacionada a aplicação de links para direcionamento, sendo proibidos “links no título ou na descrição do vídeo para sites que vendem as armas de fogo ou os acessórios(...) Pode incluir links para sites que discutam ou analisem esses itens, desde que não vendam nem ofereçam diretamente os itens.”

A proibição vale para links incluídas nas descrições de vídeos, nas sobreposições gráficas e até mesmo em áudio durante o vídeo.

Sem esses links o desempenho comercial destes canais e a remuneração dos criadores ficam prejudicadas, sendo este um dos grandes motivos para a comunidade de “guntubers” está questionando a plataforma e fechando suas contas.

Um negócio milionário e uma ideologia conservadora

Segundo informações de David Ingram para a BBC, existem dezenas de canais de perfil armamentista com 1 milhão ou mais de assinantes. Eles fazem a revisão e modificação de armas, equipamentos relacionados, acrobacias e exposição de coleções e apresentam desde armas históricas a novas tecnológicas. 

De acordo com reportagem do portal Terra, de setembro de 2023, pelo menos cinco canais brasileiros na plataforma tinham 40 mil inscritos e ensinam como montar armas de fogo ou vendiam acessórios, apesar das regras contrárias a esse tipo de conteúdo comercial.

Um guntuber (nome ocultado para não divulgar a cultura armamentista) e advogado com mais de 11 mil horas de visualizações, publicou vídeo em agosto de 2022 onde celebrava a inscrição de cinco mil escritos e salientava que era contra a regulamentação e achava uma besteira ter um vídeo “censurado” por ensinar a entrar com uma arma sem um Guia de Tráfego (GT) em um clube, explicava que seu canal, que denominou como iniciante e pequeno, podia lucrar 20,00 dólares em poucos meses. Os valores dos grandes canais, porém, podem chegar a milhares de dólares.

A amostra em ascensão deixa claro não apenas o interesse em um mercado rentável, mas também na defesa de uma ideologia de liberação do uso e porte de armas. Também não são incomuns seguidores e criadores de conteúdo utilizarem a plataforma ou o Reddit para reclamar quem questiona os gunstubers por terem uma ideologia de direita. 

Não é de se admirar que o levantamento de 2022 feito pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Letícia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) tenha detectado que o Youtube era uma plataforma de perfis Bolsonaristas. 

Trump, limites e liberdade

Criado por três ex-funcionários do PayPal, em fevereiro de 2005, a empresa localizada em San Mateo, na Califórnia, é uma empresa americana e ao se falar tanto da cultura armenista quanto do que é considerado liberdade de expressão, esse fator não pode ser ignorado.

Os EUA é um país armamentista e o discurso de ódio ou de defesa de armas sempre foi tratado socialmente e constitucionalmente como um direito nato. Dessa forma, não é incomum que as regulamentações criadas pela plataforma sejam entendidas como uma forma de censura. 

O resultado da soma ideológica e econômica está sendo o cancelamento de canais de criadores armamentistas ou o questionamento público sobre as determinações da empresa que, do outro lado, está recebendo cada vez mais pressões para atuar em relação aos vídeos sobre armas e busca reforçar em comunicados e divulgações seu caráter diversificado, apesar do papel que sempre teve de um grande aglutinador de distribuição de conteúdos ligados aos guntubers. 

A pressão pelos limites através das regras e de legislação também não é uma grande surpresa em um país marcado por episódios como a chacina de estudantes em Columbine. 

Em julho, na Pensilvânia, o candidato a presidente do país Donald Trump, defensor da cultura armamentista, foi alvejado por jovem que vestia uma camisa do Demolition Ranch, um reconhecido e grande canal GunTube, com 11,8 milhões de assinantes. 

O desafio diante da pressão popular em defesa e contra os canais armamentistas está posto para as plataformas, mas também para a sociedade, políticos e os conceitos que possuímos sobre liberdade e vida. 

*Jornalista sindical e editora da Metamorfose Comunicação.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Francisco Barbosa