Ceará

Coluna

A Região Metropolitana de Fortaleza é muito mais rural do que se imagina

Espaços urbanos e rurais da RMF, segundo categorias do IBGE. - Imagem: Organizado por Felipe Rodrigues Leitão a partir de IBGE (2019).
É fundamental compreender o espaço rural e as atividades agropecuárias na RMF.

A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) é uma das mais importantes do Brasil. Apesar disso, sua área contínua de alta urbanização é pequena, formada especialmente pelos municípios de Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Pacatuba, Maranguape, Eusébio, Itaitinga e Aquiraz, já conurbados. Nos demais municípios é baixo o adensamento urbano, mais restrito às respectivas sedes, e o espaço rural é predominante, da mesma forma que a agropecuária tem grande importância econômica e social. Todavia, tal realidade é praticamente ignorada nas políticas de desenvolvimento territorial de grande parte dos municípios. A consulta aos planos diretores municipais vigentes prova isso, já que pouco ou nada abordam sobre os espaços rurais. Ademais, inexiste qualquer processo de planejamento ou arranjo institucional voltado para o enfrentamento das questões metropolitanas. Essa realidade precisa mudar e o momento de eleições municipais é propício para levantar esse debate.

Constituída em 1973, então por cinco municípios (Fortaleza, Caucaia, Maranguape, Pacatuba e Aquiraz), a RMF hoje é formada por 19 municípios como resultado de processos de emancipação de distritos e de anexação de outros municípios. De acordo com dados do Censo Demográfico de 2022, com cerca de 3,9 milhões de habitantes, concentrava perto de 45% da população total do estado e 63% de seu Produto Interno Bruto. 

Por outro lado, Fortaleza constitui-se como a maior Metrópole Regional do Nordeste, cuja importância econômica extrapola o próprio Ceará. Sua região de influência supera os 20 milhões de habitantes, chegando a outros estados do Nordeste e do Norte. Ademais, corresponde ao maior PIB municipal da região Nordeste e ao 9º do Brasil. 

Não obstante o vultoso destaque econômico dos comércios, serviços e de atividades industriais, a agropecuária não só está presente na RMF, como têm grande importância na produção do espaço de muitos de seus municípios, até mesmo nos mais fortemente integrados à Fortaleza, como Caucaia e Maracanaú. Isso confere a esta região metropolitana característica bastante sui generis. Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 corroboram com essa realidade peculiar, mostrando a predominância dos espaços rurais na RMF, em torno de 75% do total. 

A existência de grande quantidade de estabelecimentos agropecuários na RMF é uma outra variável que comprova a importância do espaço rural e das atividades agropecuárias para a mesma. Lembrando: o estabelecimento agropecuário é a unidade básica dos dados dos Censos Agropecuários do IBGE, a mais importante base de informações sobre a produção agropecuária e o espaço agrícola brasileiros. 

Dados do último Censo Agropecuário (IBGE, 2019) mostraram que a RMF contava com 28.107 estabelecimentos agropecuários distribuídos de forma bastante desigual pelos seus 19 municípios. Ainda a mesma fonte indica que a área ocupada por tais estabelecimentos somava cerca de 34% da área total da RMF. Se pouco significam em relação à área total de um município como Fortaleza, para outros sete somavam quase 50% ou mais de suas áreas municipais, tais como em Paraipaba (67%), Maranguape (55,34%), Guaiuba (54,96%), Pacatuba (54,32%), Trairi (51,08%), Chorozinho (48,62%) e Pacajus (47,41%).

Nestes estabelecimentos agropecuários destacam-se algumas lavouras temporárias, tais como de mandioca, feijão e milho, especialmente produzidas por pequenos agricultores familiares. Mas, cada vez mais, também as lavouras permanentes, tais como de coco e castanha de caju, culturas que vêm passando por importante processo de reestruturação produtiva nas últimas décadas.

Em 2017, 43% da produção de coco do estado se realizava na RMF, notadamente nos municípios de Trairi e Paraipaba. Já a castanha-de-caju, produto há décadas de destaque nas exportações do Ceará, em 2017, 15% da área destinada à colheita desse produto em todo o estado se concentravam na RMF, em particular nos municípios de Chorozinho, Cascavel, Trairi e Pacajus. 

A pecuária também tem proeminência na RMF, especialmente a avicultura.  Em 2017, a RMF foi responsável por 50% da produção total das galinhas e 58% da de ovos de todo o Ceará. A maior concentração da avicultura hoje está nos municípios de Aquiraz, Horizonte e Cascavel, o que já evidencia um processo de especialização territorial produtiva. 

A produção de leite também merece destaque. Embora a quantidade produzida na RMF em relação ao total do estado seja pequena (8% em 2017), o crescimento foi de 81,5%, entre 1995 e 2017. Nesse último ano, as maiores produções foram registradas em Caucaia (29%) e Maranguape (26%). Por outro lado, de acordo com dados de uma importante publicação do setor (MILKPONT), de 2022, a 19º maior produção de leite do Brasil em 2021 era realizada em Maranguape.

Também corrobora a importância da atividade agropecuária no espaço e na economia da RMF a presença de dois perímetros irrigados públicos e 24 assentamentos da reforma agrária do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Podemos destacar o Perímetro Irrigado Curu-Paraipaba, localizado em Paraipaba, um dos últimos municípios que passou a compor a RMF, em 2015, que possui importante produção de coco. Os assentamentos de reforma agrária, por sua vez, a maior parte implantada após os anos 2000, encontra-se distribuída em 11 municípios da RMF. Caucaia possui o maior número de assentamentos, totalizando sete unidades. Vários outros exemplos da importância da produção agropecuária e do espaço rural na RMF poderiam ser dados.

Por outro lado, algumas das atividades agropecuárias realizadas na RMF vêm passando por significativo processo de reestruturação produtiva, difundindo um sistema de produção calcado na lógica do agronegócio, impactando nas formas de uso e ocupação do espaço rural, nos regimes de propriedade da terra e na estrutura fundiária, reforçando ainda a grande importância da discussão do tema.

Apesar da situação aqui descrita, verifica-se pelos conteúdos dos planos diretores municipais que as atividades agropecuárias vêm sendo praticamente desconsideradas nas suas estratégias de desenvolvimento e suas respectivas diretrizes. Basta ver a pequena relevância dada ao zoneamento especial, à proteção dos mananciais, à localização das estruturas produtivas agroindustriais em relação à estruturação viária, assim como à continuidade de regiões produtivas que por vezes se expandem entre municípios vizinhos. 

Mesmo as zonas de transição urbano-rural têm sido ignoradas nas políticas territoriais e nos instrumentos de parcelamento do solo, o que proporciona o crescimento desordenado nas periferias, assim como a presença de incompatibilidades de uso do solo e de conflitos territoriais. No caso, chama atenção a dinâmica de substituição de uso vinculada à avicultura nos municípios ao leste da capital. Por conta de interesses do setor imobiliário, antigos sítios e chácaras foram substituídos por granjas, as quais têm sido convertidas em loteamentos fechados, dando continuidade ao eixo de segregação residencial desde o setor sudeste de Fortaleza.

Diante do exposto, defendemos que é fundamental compreender o espaço rural e as atividades agropecuárias na RMF para melhor captar a própria economia política de sua urbanização, assim como para melhor planejar o futuro de seu território e de sua população.

Para finalizar, algumas recomendações se fazem necessárias: 

- a institucionalização da Região Metropolitana: conselho, plano e fundos, garantindo representatividade para os diferentes setores da sociedade;

- a inclusão da dimensão metropolitana e a discussão do uso do espaço rural nos processos de planejamento territorial locais desde a fase de diagnóstico;

- a promoção de espaços de diálogo que viabilizem ações colaborativas e cooperativas entre os municípios vinculadas ao setor agropecuário; 

- a adoção de mecanismos de controle do uso do solo e ocupação do território evitando possíveis incompatibilidades e conflitos;

- a valorização da agricultura familiar, com a promoção de políticas públicas de incentivo à produção e à comercialização, tais como feiras de produtos orgânicos e venda para os programas de aquisição de merenda escolar, entre outros.

*Denise Elias, geógrafa, professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em geografia da UECE; pesquisadora do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

**Renato Pequeno, arquiteto urbanista, professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC e coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB) da UFC; pesquisador do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Francisco Barbosa