Hoje em dia, em Fortaleza, é preciso andar um bocado para topar com uma livraria. A bem da verdade é que livrarias com ambientes propícios, atrativos e aconchegantes, para um bom momento de leitura andam escassos por aqui. Os poucos espaços que restaram acabaram enclausurados dentro de shoppings – salvo algumas exceções, claro! No Brasil, o setor vive seus altos e baixos, e junto com as crises oscila também o hábito de leitura dos brasileiros. A boa notícia é que pesquisas apontam que estamos entrando num bom momento, em que a perspectiva é que o consumo de livros cresça por aqui.
De acordo com relatório da PwC Brasil, que traz dados precisos sobre o hábito de leitura do público brasileiro, até 2026 o consumo de livros deve aumentar em 2,5% no país. Outro dado positivo é com relação ao faturamento de livros. Um relatório feito no início deste ano, pela Nielsen BookData chamado 2º Painel de Varejo de Livros no Brasil, constatou que, de 29 de janeiro a 25 de fevereiro de 2024, o setor de Livros teve uma alta no faturamento de 12,47% quando comparado ao mesmo período do ano passado. Em faturamento, o país teve um aumento de R$ 219,19 milhões contra R$ 194,88 milhões de 2023.
As perspectivas tem melhorado, mas mesmo assim o setor anda cambaleante no país e tem experienciado muitos altos e baixos nos últimos anos, como relembra o escritor Maílson Furtado: “o mercado editorial tem suas idas e vindas, crises sobre crises. Teve essa que apareceu de forma mais firme, quando apareceu a questão do livro eletrônico, nos anos 2000 por aí, e mais recentemente - e que foi até mais brusca no sentido de mudança de mercado - , mais ou menos em 2018/2019, em que a pandemia alterou completamente a questão da venda online”.
“A gente tá nesse momento de metamorfose muito grande e esse foi um dos grandes motivos da quebra de muitos focos de negócios, principalmente essas megastore que ao longo de uns dez, quinze anos tomou conta do mercado do livro do Brasil”, comenta Furtado sobre os novos ventos que andam soprando no setor.
E foram justamente essas, que dominaram por mais de uma década o mercado, que viram seu patrimônio ruir. Em seu lugar, vem ressurgindo modelos de negócios. Driblando a correria da vida e as compras online, livrarias físicas viraram sinônimo de resistência e seguem abrindo portas pelo país. Desde 2021, foram cem novos comércios inaugurados nesse nicho – com cerca de 2,7 mil lojas atualmente, de acordo com a Associação Nacional de Livrarias.
“O mercado independente no Brasil, na verdade, sempre existiu. Se a gente for pensar, a literatura de cordel existe desde o século 19 e pra mim é o maior exemplo do que é fazer literatura independente no país. É aquela coisa de ser independente em relação aos meios de produção que estão postos, né? E isso foi se alavancando ao longo da história”, explica Maílson sobre o mercado independente que se redesenha no Brasil.
Cenário literário cearense
Mesmo não figurando entre os estados com essa certa efervescência de novos espaços literários, o Ceará é celeiro de uma rica produção, mas falta mercado e políticas públicas para abarcar tanto potencial. “Apesar de termos uma produção muito grande, historicamente, em relação a outros lugares muito maior, na questão de mercado a gente está bem aquém, principalmente em relação ao eixo econômico do país, Rio e São Paulo. Temos algumas editoras, mas são poucas que conseguem fazer a distribuição, inclusive, dentro do próprio estado e dentro da própria cidade Fortaleza. Então é muito difícil”, destaca Maílson.
O escritor, vencedor do Prêmio Jabuti em 2018, destaca ainda o problema da falta de espaço onde escoar essa produção independente: “se não há livrarias a gente não consegue também estar fazendo a questão do circular, e cada vez a gente conta com menos livrarias no Estado e, principalmente, livrarias que se dediquem de forma exclusiva à literatura com uma curadoria um pouco mais específica, uma literatura contemporânea, de uma literatura brasileira, cearense, isso é muito difícil de encontrar por aqui. Isso falando de Fortaleza, porque quando a gente vai pro interior, esse cenário fica ainda pior. A gente pode contar algumas livrarias no estado, talvez, em três pontos: Fortaleza, Sobral e Cariri. Todo o restante do estado fica descoberto, então é algo muito difícil”, reforça.
“Quando falamos de mercado a gente só consegue alcançar o tradicional e não damos conta das ações mais independentes”, é o que pontua o escritor, editor, livreiro e poeta Talles Azigon. Talles, é um dos fundadores da editora Substância – que publica e edita livros de escritores cearenses, e que desde o último dia 4 de julho ganhou espaço físico como livraria, no Dragão do Mar.
Azigon fala ainda sobre os desafios do mercado editorial aqui no estado: “o maior desafio do setor no Ceará é uma espécie de programa para aquecer o setor, privilegiando e incentivando principalmente as iniciativas mais independentes e alternativas. Durante muito tempo só as grandes editoras tiveram incentivos fiscais do governo e tá explícito que grandes empresários se preocupam exclusivamente com o lucro e não com a formação de um cenário que seja propício a cultura do consumo do livro”, pontua.
Se o cenário é difícil, imagina para quem decide abrir uma livraria. Talles conta que o sonho só foi possível graças a um conjunto de ações: “não seria possível pra mim abrir uma livraria sem ter uma editora (ou seja ter um bom acervo), sem ter bons contatos e sem ter tido o apoio do Cinema do Dragão e do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Essa é a verdade. As livrarias são investimentos que precisam de um capital inicial significativo, as distribuidoras e editoras já viveram tantos calotes que comprar os produtos com boa margem de 50% é muito difícil”, descreve.
“Hoje, infelizmente uma livraria ou uma editora não consegue ser apenas isso, precisa se reinventar. Talvez termos casas e espaços culturais que também sejam livraria é uma alternativa para o Estado. Mas pensar em um programa assim também seria necessário incentivar um novo pensamento sobre o setor do livro que seja mais moderno, dinâmico e economicamente justo para todas as pessoas envolvidas nele”, reflete Azigon.
Mas Azigon é também otimista quanto ao cenário que se desenha num futuro literário próximo: “acredito que se o cenário se mantiver vamos ter mais recuperação da economia e Fortaleza, que tem crescido em economia, entenda que só economia não sustenta, é preciso ter uma infraestrutura cultural ativa e livrarias fazem parte dessa infraestrutura”, enfatiza.
Físico ou digital: o importante é ler!
Sarlene Gomes de Souza termina seu dia com meditação e uma boa leitura de livro. O ritual faz parte de sua higiene do sono. Com isso, a professora e doutora em educação, lê cerca de um livro por semana. Mas apesar do hábito, na estante da Sarlene você não vai encontrar muitos títulos, já que ela prefere os livros digitais. Tanto pela facilidade de manuseio como também pelo preço.
Há alguns anos, ela fez uma assinatura de livros digitais e todo mês, pelo valor de R$20, tem à sua disposição uma série de publicações que a ajudaram a constituir seu hábito de leitura: “vai terminando um livro, eu já vou começando outro. Então todo dia eu leio um pouquinho”, conta.
Mas esse costume não começou do dia pra noite. Ainda como estudante e sem muitos recursos financeiros, Sarlene lembra que sentia pena de comprar livros, achava caro e difícil de armazenar o objeto físico. Foi na pós-graduação que essa ideia foi mudando e quando conheceu o livro digital se encontrou no mundo enquanto leitora assídua. “Eu sempre achei mais fácil da gente conseguir extrair os dados do livro quando ele é digital, passei a achar mais fácil essa leitura feita na tela do que uma leitura feita no livro”, explica.
Além dos dispositivos específicos para leitura, a professora conta que o celular também facilitou essa dinâmica: “eu acho muito mais confortável ficar segurando ele deitada numa rede, por exemplo, do que um livro. Acho muito mais confortável ficar segurando o celular no qual eu posso alterar a luminosidade, consigo ler a noite sem precisar acender a luz, é mais leve, posso aumentar ou diminuir a letra, enfim, acho muito mais fácil a forma como eu manipulo o livro digital do que o livro impresso”, complementa.
“Mas de fato, o que aumentou a minha quantidade de leitura foi o plano, a assinatura que eu pago. Como eu já pago esses R$20 e todo mês tem uma série de livros lá pra mim, eu tô sempre utilizando, tô sempre lendo. Porque na minha cabeça é assim, eu já estou pagando, eles estão lá disponíveis pra mim, então eu vou aproveitar”, finaliza.
E o hábito da leitura acabou passando de mãe pra filha. Amelie, filha da Sarlene, conta que se não fosse a alta demanda escolar, leria bem mais. Hoje, a estudante de 16 anos lê cerca de 2 a 3 livros por mês: “a capacidade de viver outras realidades sem sair do lugar” é o que atrai Amelie ao universo literário. E entre seu grupo de amigos, ela também não está só: “nós sempre trocamos livros, fazemos recomendações e conversamos sobre livros que lemos”, pontua.
A doutoranda em Ciências Sociais, Sarah Luiza de Souza Moreira, é outra que não vive sem um livro na bolsa: “sou uma pessoa apaixonada pela leitura, pelos livros. Por pegar, cheirar, ler. E ao longo da vida sempre tentei fazer da leitura um hábito cotidiano, diário, e tento até hoje fazer com que o livro faça parte da minha vida. Ele tá sempre dentro da bolsa para que a qualquer momento livre seja possível pegá-lo, tanto o livro físico quanto o Kindle também, a leitura digital”, explica a leitora que curte os teóricos, mas principalmente romances, ficções, contos e crônicas estão entre os favoritos de Sarah.
Mas Sarah confessa que hoje, com as inúmeras distrações, o volume de leitura tem diminuído: “reconheço que com as redes sociais e os celulares está cada dia mais difícil manter a atenção, manter o tempo dedicado à leitura. Acho que esse é um grande desafio, principalmente para as novas gerações, pra juventude, para as crianças, como estimular o hábito da leitura e fazer com que esse livro passe a realmente fazer parte do cotidiano das pessoas”, pondera.
“Mas além das redes sociais e do mundo virtual, o que eu acho que está comprometendo nosso hábito de leitura são as grandes empresas virtuais como a Amazon, as empresas que vendem muito mais barato o livro, isso tá acabando com as nossas livrarias, que são espaços de muita acolhida e de estímulo à leitura. Acho que isso também tem gerado uma redução da leitura, nós temos cada vez menos livrarias, menos espaços que estimulam as crianças, os jovens, mas também os adultos a lerem e a terem contato com o livro. Tenho sentido muita falta e a cada livraria menor que fecha, ou até as grandes livrarias que fecham, acho que é um grande conhecimento que a gente perde, uma grande riqueza e uma grande potencialidade que a gente perde” completa Sarah.
A estudante relembra o recente fechamento da Lamarca, uma das últimas livrarias de ruas do Benfica em Fortaleza, que era um espaço de leitura, mas também de cultura e arte na cidade, que pra ela foi um símbolo do quanto estamos perdendo frente a essa lógica comercial que acaba com as pequenas livrarias, com a lógica da leitura.
A meta da Sarah é ler pelo menos doze livros ao ano: “às vezes consigo um pouco mais, pouco menos, dependendo dos tempos e da vida. Pelo menos um livro por mês é a minha meta”, estabelece.
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Edição: Lívio Pereira