Ceará

turismo comunitário

No Ceará, turismo comunitário proporciona vivências em comunidades e trocas de saberes durante todo o ano

A Rede Tucum é formada por grupos e comunidades da zona costeira que realizam o turismo comunitário no estado

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Dunas em Caetanos de Cima, Amontada-CE - Foto: Rede Tucum

O mês de férias está terminando, mas a diversão de toda a família não precisa acabar também. Inovar nas atividades e procurar novas alternativas para o lazer pode influenciar na relação da vivência das pessoas com o local visitado, e até aprender mais sobre a história, a cultura e os costumes também e isso pode ser feito durante todo o ano. Uma dessas alternativas é o “turismo comunitário”. Você já ouviu falar sobre essa atividade? Ela se diferencia do turismo convencional, ou de massa, como também é conhecido. Helena Soares, presidenta da Associação do Assentamento Sabiaguaba, no município de Amontada, explica que essas duas atividades são modalidades turísticas totalmente opostas, diferentes.

“Por exemplo, o turismo de massa, esse turismo convencional, historicamente predatório, essencialmente feito para burguês, por mais que hoje esteja mais acessível à classe trabalhadora, mas é um turismo essencialmente criado para burguês, e é um turismo que tem em suas maiores marcas a apropriação de territórios. Para acontecer ele precisa, principalmente na zona costeira, e trazendo um pouco mais para a zona costeira do Ceará, é um turismo que para ele acontecer precisa dessa exploração dos territórios. Não é um turismo feito, em sua maioria, por nativo. É feito, em sua maioria, por pessoas estrangeiras que chegam nos territórios. É esse turismo que é baseado na exploração, tanto das pessoas como dos bens naturais, não é um turismo que pensa no amanhã, nas futuras gerações, ele só pensa no agora. É um turismo de apropriação, de expropriação das pessoas, dos territórios e se baseia nessa relação de exploração”, informa Helena que também é educadora e comunicadora popular do grupo de turismo comunitário de Caetanos de Cima. 

“Já o turismo comunitário, que é esse turismo que a gente diz que é ancestral, porque as comunidades tradicionais sempre tiveram essa relação de troca de experiências, da economia solidária, é um turismo que já vem dar uma resposta a toda essa exploração, a toda essas ameaças trazidas pelas especulações imobiliárias, turismo de massa, a grilagem de terras, a carcinicultura, enfim, todas as ameaças que perpassam os territórios tradicionais. Então é um turismo baseado na economia solidária, na cooperação, na coletividade, na preservação do meio ambiente, nessa relação socioambiental, na discussão de gênero, sexualidade, na valorização de todas as pessoas, na autonomia, já que as pessoas que o fazem são os próprios moradores das comunidades, são os assentados, os comunitários como um todo”, explica Helena.

De acordo com Helena, o turismo comunitário é uma atividade que valoriza as demais atividades tradicionais como a pesca artesanal e a agricultura familiar embasada na agroecologia, os quintais produtivos, entre outras atividades. “Pode-se dizer que é uma atividade que valoriza a economia local, que ao invés de dar lucro ao capital favorece as próprias pessoas que vivem dentro do território, e fortalece a autonomia dessas comunidades. Então é o turismo que a gente percebe que é a melhor alternativa para as comunidades tradicionais. É uma modalidade turística que para a gente é, antes de tudo, uma estratégia de defesa dos territórios”. 


Reserva Extrativista Prainha do Canto Verde, Beberibe-CE. / Foto: Rede Tucum

Rede Tucum

No estado do Ceará existe a Rede Cearense de Turismo Comunitário, também conhecida como Rede Tucum que é uma articulação formada desde 2008 por grupos e comunidades da zona costeira que realizam o turismo comunitário no estado. Essa é uma experiência pioneira que agrega 14 comunidades com lutas territoriais em comum, mas que vem enfrentando algumas dificuldades como explica Ana Lima, da Organização Comunitária de Caetanos de Cima e que também coordena o Grupo de Trabalho da Comunidade. “A Rede Tucum anda um pouco desarticulada. As comunidades, a secretaria, enfraqueceram bastante e o turismo de massa se fortalece com isso, as eólicas, por exemplo, então as comunidades vão perdendo força e entusiasmo também. Essas coisas dos grandes empreendimentos oferecendo empregos às pessoas tudo isso acaba nos afetando bastante, mas as comunidades que fazem parte da rede estão super vivas com suas estruturas, outras sendo engolidas pelo turismo convencional, mas a maioria ainda está na luta preservando essa atividade”.

Ana confirma que o turismo comunitário é essa partilha. “A gente compara o turismo comunitário com a economia solidária. Tem pessoas que me procuram dizendo que querem conhecer Caetanos, então eu vou mostrar as opções de hospedagem das famílias e elas têm a liberdade de escolher onde querem ficar. A gente está sempre partilhando essas coisas com os nossos companheiros, sem falar dos outros trabalhos como as trilhas, os passeios de barcos que cada pessoa tem a sua responsabilidade, sua atividade dentro desse trabalho”.

Sobre o leque de opções de programação e atividades que os visitantes podem fazer dentro do turismo comunitário, Ana explica que as atividades são as vivências. Primeiro a história da comunidade, a vivência na comunidade, a questão da comida tradicional, do alimento que na maior parte vem da agricultura familiar ou da pesca artesanal, as trilhas dentro das comunidades contando a história da comunidade, o passeio nas dunas, mas deixando bem claro que esses passeios nas dunas devem ser feitos com responsabilidade, evitando os carros nas dunas. “Hoje um dos maiores problemas que a gente vivencia é essa questão dos carros. A gente nota as dunas estão cada vez menor, então são agressões ao meio ambiente e a gente trabalha, principalmente, essa questão da defesa e da proteção do meio ambiente”.

Turismo gastronômico


Murici e batiputá, frutos sagrados para o povo Tremembé da Barra do Mundaú / Foto: Cetra / Divulgação

Mateus Tremembé, agricultor indígena agroecológico, pesquisador de cultura alimentar e sistemas alimentares tradicionais e justos, e estudante de agronomia na Unilab acredita que é possível fazer um turismo gastronômico dentro da Rede de Turismo Comunitário, mas que é preciso ter um processo de conscientização de que essas práticas alimentares são sagradas e elas são um modo de vida daquelas comunidades. “Portanto, não é somente visitar o território, usufruir dessa alimentação tradicional, dessa gastronomia, dessa culinária e muitas vezes sair reproduzindo e vendendo esses saberes e essas práticas de forma irresponsável, como a gente tem visto acontecer em muitos lugares do Brasil. É preciso ser um turismo gastronômico conectado a uma vivência de imersão cultural e respeito à cultura, à identidade e alimentação da comunidade que está abrindo as portas para esse visitante”.

Mateus também fala sobre a importância da aproximação, manutenção e cuidados com a cultura alimentar. “Acredito que é de grande importância a manutenção das práticas e saberes ancestrais ligado a cultura alimentar, sobretudo porque para nós, povos indígenas, a conexão com o território, com a espiritualidade passa pelo alimento, ela perpassa pelo campo da memória, da ancestralidade e da conexão com o sagrado que vem muitas vezes de um alimento que nós produzimos no nosso quintal, no nosso roçado, nas nossas capoeiras, nos nossos cercados, agroecológico, sem uso de agrotóxico. Penso que é importante e necessário garantir uma transição geracional, onde a cultura, a alimentação e a identidade estejam conectadas”.

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Edição: Lívio Pereira