Uma estimativa feita por estudiosos e pesquisadores é de que a linguagem já existe há cerca de 150 mil anos. Ela é fruto do processo de socialização de nossos ancestrais para a sobrevivência no meio em que viviam e pelo qual tiveram de se adaptar.
A fala permitiu que o homem tivesse um salto de desenvolvimento como uma verdadeira revolução, assim como foi o aprendizado sobre o domínio do fogo. Passamos a transmitir mensagens mais complexas e transmitir conhecimento, sentimentos e raciocínio. Já a origem da escrita começa a ser registada há cerca de 6 mil anos.
Afirma-se que a linguagem é responsável por humanizar o homem.
Arístoteles refletiu que o homem é um animal político, ou seja, nós vivemos em sociedade e negociamos essa existência como forma de sobrevivência dentro do meio social. Assim sendo, a linguagem é fundamental para ocorrer a negociação política entre os humanos, como uma condição sine qua non de nossa estrutura social.
Nos primórdios, a linguagem escrita foi evoluindo das imagens rupestres para a construção de pequenos símbolos que representavam palavras e sons, e a partir daí, em um processo contínuo de sistematização e evolução, foi-se constituindo o que hoje reconhecemos como alfabeto.
A fala também se desenvolveu de sons primários até a construção elaborada de oratória.
Mas e se, perdêssemos a habilidade da linguagem? O advento de outra revolução, a tecnológica, nos coloca diante de novo desafio da linguagem.
A rapidez aplicada nesses meios e veículos (redes) construiu o conceito de uma comunicação ainda mais resumida, uma volta ao passado. Sentimentos passaram a ser traduzidos por caracteres reduzidos (rsrsrs- risos) que reproduzem o som ou uma expressão facial ( :/), por “smiles” e posteriormente por stikers.
Na ausência do áudio, cada vez mais rejeitado nos aplicativos de mensagem, passamos a trocar frases soltas que resumem toda uma oratória para realizar o fazer político, no sentido aristotélico, de busca de consensos sociais.
O ódio tomou de conta. O não diálogo está reinando. A não política, levou a não reflexão e diálogo, permitindo assim, que a verdade fosse sendo relativizada e imposta através de memes (mensagens reduzidas e traduzidas em imagem), ironias e em um processo industrial chamado Fake News.
Em resumo, a verdade e o uso da oratória para a construção social foi substituída pela imposição da força (agressividade e silenciamento) e pelo sufocamento do diálogo e resposta a través da superprodução de informações, verídicas ou, na maioria das vezes, não.
Sem a possibilidade do diálogo a partir de uma construção unilateral da fala, a construção democrática sucumbe e a política não acontece para a chegada de consensos. Estamos assim caminhando para a barbárie, mais próximos de nossos ancestrais que ainda não haviam experimentado a linguagem, do que da evolução que esperávamos a partir do desenvolvimento de criamos.
Não se trata aqui de uma crítica ao processo da otimização da comunicação, a própria criação do alfabeto parte do princípio da transformação da linguagem oral em símbolos e posteriormente a contração destes símbolos a fim de codificá-los para o desenvolvimento da escrita. Mas um questionamento do limite desse processo e até que ponto ele deixa de ser um desenvolvimento para se tornar uma não-comunicação. Terceirizando o pensamento e robotizando a linguagem, tudo fica ainda mais confuso com o advento das inteligências artificiais.
Ao mesmo tempo que temos um processo de retração da escrita, o processo anterior de codificação a partir do HTML e do CSS, era criado a partir de uma escrita própria, estruturada como “pequenas equações” (<br>) chamados de prompts de comando, passa a ser substituído pelo uso da linguagem plena como um código.
Assim o que antes era um comando para criar uma ação passa a ser um diálogo para a criação da ação, tornando o diálogo homem-máquina cada vez mais íntimo. Ao invés de comandarmos a máquina para a execução de ações passamos a pedir que executem.
Ao mesmo tempo, criamos através dela, ferramentas de mediações sociais, como, por exemplo, comando para convencer pessoas e aumentar seguidores. Até mesmo a arte, expressão artística de designers, fotógrafos e editores, passa a ser uma criação solicitada.
Estamos então, terceirizando não apenas o diálogo, mas o pensamento (criação). Somam-se discussões sobre o perigo dessas ferramentas que são vistas sendo usadas em “brincadeiras” dialogando sobre a destruição do mundo, ou até mesmo sendo burladas para ensinar a criação de bombas, falsificação de pesquisas e outros maus usos de suas funções.
Fala-se também de um “emburrecimento” dessas ferramentas, provocado justamente pela baixa formação intelectual dos próprios usuários.
Não é objeto deste texto, discorrer com mais detalhes sobre as problemáticas apresentadas, mas é preciso salientar uma das facetas desse mundo virtual que é a substituição do trabalho humano, a terceirização de decisões importantes e a gamificação do trabalho.
E agora, José?
Estamos sob forte risco à medida que nosso Governo não desenvolve mecanismos de controle e promoção de domínio tecnológico. Na corrida deste novo capital da informação, estar a frente no que se refere às AI`s, é questão de garantia da soberania.
Às vezes é preciso ser um tanto ludista na nossa relação com as máquinas. Não que devemos quebrá-las, até porque, se não for uma greve específica, o efeito é praticamente nulo. A tecnologia não pode ser parada. Mas será que elas não podem ser freadas?
Nada funciona direito se não houver uma orientação de uso. Um manual. Sem instruções, o risco de quebra passa a se tornar uma probabilidade maior de ocorrência. No comparativo, a tecnologia que avança tem menos probabilidade de dar errado, se antes do uso ela estiver acordada, codificada, discutida e normatizada.
O certo então seria parar um pouco, discutir melhor regulamentações e depois colocá-las em pleno funcionamento. Mas, isso não foi feito, e com o exemplo que temos em todas as mudanças que vivemos, ela possivelmente só será feita após o dano, e com toda certeza, em diferentes escalas em países com diferentes desenvolvimentos econômicos.
Enquanto isso, a realidade está posta. A academia já discute o uso e empresas de comunicação já o colocam em prática. O profissional do futuro é o profissional que domina AI`s.
É preciso impedir que a máquina substitua o trabalho humano. Ao mesmo tempo, não podemos ficar de fora da ampliação do conhecimento e da realidade do mercado.
É preciso criar normas enquanto o mundo não cria. Algumas que visem preservar a execução de um jornalismo qualificado, democrático e ético. Enfim, é preciso saber que as AI`s não substituem o pensamento de comunicação.
* Por Marina Valente, jornalista sindical e editora da Metamorfose Comunicação.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Camila Garcia