O mês de junho é conhecido internacionalmente como o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, instituído em alusão ao episódio que muitos historiadores consideram como o início da luta organizada pelos direitos da comunidade nos Estados Unidos e, paralelamente, em outros países ocidentais. Foi em 28 de junho de 1969 que os frequentadores do Stonewall Inn., bar gay no vilarejo de Greenwich, em Nova York, resolveram protestar contra a violência e perseguição policial aos seus membros e espaços de convivência, causando o "levante" ou "revolta" que daria origem ao movimento LGBT+ de hoje.
De lá para cá, o quê é possivel reconhecer como avanços e o quê precisa mudar em relação às políticas públicas para a garantia de direitos desta população? Qual a importância de celebrar as lutas e conquistas com as realizações das Paradas da Diversidade Sexual no Ceará? Para responder essas e outras perguntas, o Brasil de Fato Ceará conversou com Dary Bezerra, presidenta do Grupo de Resistência Asa Branca, o GRAB. Confira:
Quais as principais pautas de luta da população LGBTQIAPN+?
Nossas pautas de luta são muitas. Acredito que a primeira delas e a mais importante é o direito à vida, e quando eu falo do direito de viver, não diz respeito somente a vivência das orientações sexuais, às binaridades de gênero, mas quando a gente pauta o direito a vida é pensando que nós ainda vivemos no país que mais assassinam as populações LGBTQIAPN+. Nós vivemos em um estado onde a violência física, psicológica dentre outros tipos de violência ainda são bastante sentidas. Então nesse sentido o direito à vida que é inerente a todos os seres humanos é negado também para as nossas populações historicamente, e isso se reflete a partir do crescente número de assassinatos no Brasil, nos estados e nos municípios.
E a nossa luta pela garantia de direitos é desde a educação, mas também ao acesso ao mercado de trabalho, a saúde, por moradia digna. Então lutamos por um conjunto de direitos que nos façam sair dos riscos de vulnerabilidade social e pobreza extrema em que parte da população LGBTI+ ainda estão inseridas. Então essa pauta de luta ela atravessa diversas instâncias da vida humana, social e pública. Então, essas pautas de lutas são cotidianas e fazem parte de uma agenda histórica que nós enquanto movimento social no Brasil e no mundo, seguimos reivindicando.
E qual a importância de escolher candidatos que defendam essas pautas?
A importância no campo político de escolhermos candidatos, candidatas ou candidates que, ou sejam LGBTI+ ou que defendam as pautas e as reivindicações da população LGBTI+, se dá a partir também de um grande avanço do conservadorismo e fundamentalismo religioso que se integra hoje nas casas Legislativas, Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara Federal.
Então, nessas instâncias onde as leis são criadas, elas são aprovadas e de certa forma incentivadas a serem ativadas em todo o Brasil, mas em contrapartida, existe uma crescente frente conservadora que impede o avanço das políticas públicas para a população LGBTI+ e retrocede também nesses direitos com a criação de leis que porventura, vem a negar os direitos da população LGBTI+. Então, por exemplo, este ano, um levantamento da Folha de São Paulo aponta mais 77 leis contra os direitos das populações trans e travesti no Brasil, e essas leis elas vão de diversas formas, seja no esporte ou na educação. Outro dado desse levantamento revela que um terço dessas leis entraram em vigor no ano passado, sendo que em 2019, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decretou o ato de criminalização da LGBTfobia, equiparando ao crime de racismo. Mesmo assim, as casas legislativas continuam atacando a população LGBTI+ e nos privando dos direitos básicos.
Nesse sentido, nós incentivamos a pensar na nossa participação e na participação de candidatos e candidatas aliados as nossas pautas para que a gente possa avançar também na garantia de direitos, e pensar essas candidaturas é também pensar é uma proposição dos direitos humanos, por isso precisamos acessar esses espaços de poder, e isso só vai acontecer quando escolhermos candidaturas que estejam alinhadas com a nossa população, com candidaturas que pensem na coletividade, nos direitos humanos de todas as populações, não somente as LGBTI+, mas de outras populações também que nos atravessam, como as mulheres, populações negras, indígenas, quilombolas, pessoas que estão na linha da extrema pobreza, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiências.
Por isso é importante que para além da escolha do candidato, candidata ou candidate, possamos entender qual é a plataforma política que ela está vinculada. Há alguns anos o GRAB vem fazendo esse debate da importância na disputa política, e é nesse sentido que a gente aponta essa responsabilidade, para que consigamos construir minimamente uma política brasileira de inclusão e que ela seja para todos.
Sobre a representatividade na política, qual é a importância de ter representantes LGBTQIAPN+ nesses espaços políticos?
Existe uma frase que é dita e publicizada, principalmente nos movimentos de pessoas trans e travestis, que é “nada sobre nós sem nós”. Isso quer dizer que as pessoas que não são LGBTI+ não vão compreender a dinâmica das nossas vidas, que elas não vão compreender as dores que nos atravessam e a escassez de direitos. Por isso é tão importante que tenhamos representantes LGBTI+ ocupando esses espaços, para que sejam nossos porta-vozes. Hoje, por exemplo, temos grandes representações na Câmara Federal com a Érika Hilton e Duda Salabert, assim como temos também em diversas assembleias legislativas de todo o país.
Nós também temos o direito de estar nesses espaços construindo política, construindo um modelo de sociedade que nós queremos, que nos caiba, que seja um modelo de sociedade respeitoso para com todos. Então sim, a candidatura LGBTI+ é uma candidatura política, de resistência, que denota os avanços também da luta dos movimentos sociais, que aponta o quão responsáveis e qualificados somos para ocupar espaços políticos. E ocupar esses espaços de poder é a continuidade da luta daqueles que tombaram nesse caminho, é a vitória daqueles que se foram vítimas da violência que a gente ainda vive, mas é também preparar o caminho para aquelas e aqueles que virão, e que precisam e merecem chegar nesse mundo e encontrar um lugar melhor.
Em 2023, o Governo do Estado criou a Secretaria da Diversidade do Ceará (SeDiv), e o que mudou com a criação desse espaço em relação a garantias de direitos e o que ainda há para avançar?
Primeiro dizer que essa é uma secretaria nova, licenciada no ano passado, e foi também a primeira secretaria de diversidade do Brasil. Isso por si só já tem um peso, uma relevância muito grande, apesar de vivermos uma contradição, porque ao mesmo tempo em que apresentamos altos índices de violência e negação de direitos da população LGBTI+, também somos um estado bastante vanguardista no que se refere às construções de políticas, de dar linhas políticas. Então, ter uma secretaria de estado que pauta a defesa dos direitos das populações LGBTI+, é sobretudo uma grande resposta que o estado do Ceará dá para todo o Brasil, no que diz respeito a sinalizar para a população que o governo possui uma forma de aparato governamental para esses sujeitos.
E nós temos acompanhado o trabalho da SeDiv, que tem trabalhado na proposição de uma política que pense nas empreendedoras LGBTI+ e que inclua essa população no mercado de trabalho, sobretudo pessoas travestis e transexuais. Então, é lógico e óbvio que os resultados desse processo não possam ser visualizados a curto prazo, mas é a construção de uma política de fato. Além disso, é importante ressaltar que uma política pública só funciona com orçamento, e que para isso, o governo precisa também investir financeiramente nessa política para que as ações possam acontecer de fato e as realidades sejam transformadas.
E quais são as principais políticas de garantia de direitos?
Hoje, no Ceará, nós temos políticas públicas de centros de referência, como o Centro de Referência LGBT+ Thina Rodrigues, que é um equipamento de assistência social, responsável por receber a população LGBTI+ e oferecer serviços psicológicos, jurídicos e de assistência, atuando em Fortaleza e também de forma interiorizada, em outros municípios do estado. Em Fortaleza, nós temos a Coordenadoria da Diversidade Sexual, que também coordena o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, que é um outro equipamento ligado a política de direitos humanos e que atende da mesma forma as populações LGBTI+ de Fortaleza. Esses são serviços que os governos têm prestado atualmente e a partir desses núcleos tanto da SeDiv, quanto da Secretaria Municipal de Fortaleza, algumas políticas são criadas dentro das gestões, que vão garantir minimamente uma cidadania digna para população LGBTI+.
Apesar de pouco, é preciso dizer que a gente tem avançado na conquista de políticas públicas para a população LGBTI+ aqui no Ceará, e é preciso ter um pouco também do que a gente chama de ‘paciência histórica’, para poder perceber as mudanças, perceber que décadas de retrocessos não serão transformados da noite para o dia, mas que é possível seguirmos em um caminho de avanços onde as políticas LGBTI+ sejam respeitadas em Fortaleza e em outros municípios cearenses.
Agora vamos falar de festa! Este ano a Parada da Diversidade Sexual do Ceará chega a sua 23ª edição, e o que representa toda essa trajetória?
Para além da celebração, a parada é uma manifestação extremamente política, e que nem toda a sociedade reconhece ou tem conhecimento do que a parada vem a ser.
A parada é um processo que se inicia em uma pauta política onde a gente passa um ano inteiro trabalhando em cima daquela temática, em cima daquelas posições, e ela termina no ano que vem, e recomeça de novo com uma outra pauta política. Então ela é um processo que não acaba e segue uma continuidade. Além disso, a parada tem o objetivo de dar o tom de um projeto político todos os anos, a partir da conjuntura que vivemos nacionalmente. Então a parada tem um cunho político e a forma que a gente utiliza para as nossas manifestações e reivindicações é através da festa e da celebração, do colorido, da música, da arte porque nós temos uma outra forma de reivindicar direitos.
Então, esses 23 anos de parada no Ceará representam essa trajetória dos movimentos sociais, quando vamos para às ruas dizer que continuamos vivo e vivas, que continuamos resistindo e celebrando, que a gente merece sim viver e que a sociedade precisa também se integrar nesse processo, porque a parada movimenta a cidade, o estado, a economia, o comércio, a rede hoteleira, o turismo, e acaba gerando trabalho e renda. Então, o mês do orgulho e o 28 de junho são mais que uma data emblemática, é uma data legítima.
Neste ano, a 23ª Parada da Diversidade Sexual do Ceará tem como tema “Radicalizar para existir, votar para ocupar”. Explica para a gente a escolha desse tema?
O tema da parada da diversidade sexual do Ceará é escolhido juntamente com diversas organizações do movimento social que participam da constituição da parada. Esse ano foram mais de 40 organizações que estiveram reunidas para definir esse tema.
O tema “radicalizar para existir, votar para ocupar”, parte de uma discussão sobre as diversas vulnerabilidades em que a população LGBTI+ está inserida. Então, esse radicalizar pra existir é porque chegamos no consenso de que a nossa existência ainda é negada na sociedade por conta da negação de direitos humanos, e por isso é preciso radicalizar para que continuemos vivas. O ato de radicalizar vem no sentido de mostrar para a sociedade a realidade a qual a nossa população vive, no campo da extrema pobreza, da não garantia de direitos básicos para manutenção de uma vida digna, como acesso à educação, à saúde, ao atendimento hospitalar humanizado, e em diversos outros âmbitos.
Mas o tema diz respeito também à demarcação de que devemos ocupar espaços de poder e de tomadas de decisões políticas, que somos capazes de ocupar esses espaços e pensar que tipo de política queremos para o Brasil. As políticas públicas não resolvem todos os nossos problemas, e não vão resolver todas as nossas questões de vida, no entanto, nos dão grande suporte para repensarmos modelos de vida, modelos sociais, repensar a sociedade que nós queremos.
Quando falamos da Parada da Diversidade Sexual do Ceará, falamos desta ação que acontece em Fortaleza, mas a parada da diversidade saiu da capital cearense e conquistou outras cidades do Ceará. Qual é o sentimento de ver esse movimento ganhar outras cidades?
É um sentimento de legitimidade e de força que demonstra a nossa capacidade de aglutinar também pessoas para reivindicar direitos humanos. A parada do Ceará é considerada um dos maiores exemplos de massa, aqui do estado, em defesa dos direitos humanos. Então a interiorização das paradas e a construção de novas paradas nos interiores também é um movimento nacional, que se inicia com a ideia de que as paradas deveriam acontecer para além de São Paulo, e principalmente, além das capitais, pois compreende-se que a população LGBTI+ está em toda parte e em cada canto desse Brasil.
Então o crescente número de paradas denota uma expansão desse movimento, desse evento que busca a defesa dos direitos humanos e a massificação do movimento de luta em defesa da população LGBTI+. Nesse sentido, é legítimo também que se criem cada vez mais paradas municipais e de bairros, como uma forma de fortalecimento desse movimento que hoje é tanto nacional como internacional. Existe hoje um movimento internacional das paradas LGBTI+, existe inclusive o Encontro Nacional das Paradas e o Comitê Nacional das Paradas.
Você tem informações sobre as realizações das paradas da diversidade no estado do Ceará, onde já aconteceu, onde vai acontecer, ou tem algum espaço que a gente possa pegar essas informações?
Esse mapeamento está sendo construído, inclusive com a programação da Parada da Diversidade Sexual do Ceará deste ano. Anterior a parada estadual, nós teremos o Encontro Estadual de Paradas, uma preliminar para o encontro maior, mas é importante dizer que algumas paradas já aconteceram agora nos meses iniciais do ano, outras vão acontecer também daqui até o final do ano, mas que é um calendário que ainda está sendo construído também. Mas vale lembrar também que cada município possui suas possibilidades, a gente necessita de recursos para realização dessas paradas, tanto iniciativas governamentais, como privadas, e em muitas cidades a captação desses recursos não é fácil.
Dary, passa para gente mais informações da Parada da Diversidade Sexual do Ceará. Quando vai ser, onde vai acontecer, qual a programação?
As programações alusivas à parada iniciaram no dia 20 de junho, com o próprio lançamento da parada, onde realizamos um seminário-ato de lançamento, na Casa Amarela Eusébio Oliveira. Desde então, outras programações acontecem na cidade, desde a promoção de festas, festivais e encontros, puxados por outras organizações também.
Entre os dias 21 e 28 de junho, acontece o Festival Correio, novo festival de cinema e cultura da diversidade sexual e de gênero que acontece no Dragão do Mar. E a parada em si acontece no dia 30 de junho, a partir das 13h, com concentração em frente ao Hotel Beira Mar e à Barraca do Joca, na Avenida Beira-Mar. Após a concentração, nós iniciamos a parada às 15h com o momento das falas políticas das organizações e movimentos sociais que se somam na construção da parada, e seguimos em cortejo pelo contra fluxo da avenida até antes do aterro da Praia de Iracema.
Nós esperamos um público mais ou menos de 800 mil a um milhão de pessoas, e vai ser uma festa muito bonita, pautada na valorização das artistas locais. E para esse ano vamos adotar medidas de acessibilidade, para pessoas com deficiência que queiram participar da parada, então nos próximos dias a gente vai estar divulgando as ações que são conjuntas entre a organização da parada e as políticas públicas para acessibilidade para pessoas com deficiência de Fortaleza.
Dary, você é presidenta do Grupo de Resistência Asa Branca, o GRAB, que este ano completa 35 anos de existência. Fala para gente um pouco sobre o que é o GRAB e quais ações são desenvolvidas por vocês?
O Grupo de Resistência Asa Branca é uma ONG que existe há 35 anos aqui em Fortaleza, e desenvolve trabalhos juntamente com as populações LGBTI+, através da coordenação das paradas pela diversidade sexual, atuando na proposição de políticas públicas voltadas para a população, participando dos conselhos de direitos. Durante todos esses anos o GRAB desenvolveu projetos ligados à saúde sexual, à prevenção das ISTs, HIV e Aids, projetos voltados à qualificação profissional, à educação e direitos humanos, debates, formação política com movimentos sociais, entre outras ações de impacto direto na vida das pessoas LGBTI+.
Em geral, somos uma organização que atua na defesa dos direitos humanos, de forma mais incisiva, das populações LGBTI+. E é bem difícil manter uma organização ativa durante tanto tempo, estou há pouco mais de um ano na presidência, dando continuidade a um trabalho realizado com muito esforço e com muita qualidade por outras pessoas que me precederam, e que se doaram e construíram esse importante espaço no Ceará e no Brasil. E para mais informações sobre o GRAB, vocês podem acessar o nosso site, que é o www.grab.net.br , e lá você encontra a nossa trajetória, nossas ações e os projetos que temos construído cotidianamente.
Para além de uma organização, o GRAB é uma grande escola aglutinadora de pessoas que pensam os direitos humanos, que pensam a defesa dos direitos humanos para a população LGBTI+ no Ceará, no Brasil e no mundo.
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Edição: Camila Garcia