De acordo com informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, no Brasil, 11,4 milhões de pessoas com 15 anos ou mais não sabem ler e escrever. O quantitativo representa 7% da população nessa faixa etária. No Ceará, porém, esta porcentagem é o dobro. Segundo os dados, no Ceará, 14,1% da população com 15 anos ou mais, não sabem ler nem escrever. Esse dado coloca o estado na quinta maior taxa de analfabetismo do país. Mais quais os desafios para a erradicação do analfabetismo no estado do Ceará? Quais ações estão sendo desenvolvidas para mudar essa realidade? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Pedro Silva, professor da Universidade Estadual do Ceará, a UECE, e Integrante do Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Ceará. Confira.
Mesmo o Ceará avançando na taxa de alfabetização ainda temos resultados como esses da pesquisa divulgada pelo IBGE em relação ao analfabetismo. Por que isso acontece?
Bem, na verdade, é uma contradição interessante quando a gente pensa esses índices tão elevados de analfabetismo absoluto no estado do Ceará, uma vez que nós somos o estado que nos últimos 15 anos, pelo menos, tem sido vendida a ideia de que nós somos um modelo de educação a ser seguido, de sucesso. Não à toa, o atual ministro da educação do Brasil é o ex-governador e atual senador Camilo Santana.
Isso é uma contradição importante que eu acho que tem sido um pouco debatido e tem tido pouco espaço nas discussões nas universidades e no debate sobre as políticas públicas educacionais. Inclusive, a minha avaliação é que a Secretaria Estadual de Educação do Ceará tem sido muito omissa nesse tema do combate ao analfabetismo. Não é uma avaliação só minha, é uma avaliação do Fórum de Educação de Jovens e Adultos, inclusive, recentemente tivemos até uma reunião com o deputado Missias do MST, onde a gente apresentou um pouco das nossas pautas e das discussões que a gente tem feito no âmbito do Fórum de Educação de Jovens e Adultos, no sentido da gente marcar uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Ceará para dar mais visibilidade a essa questão.
Não é de agora que o Ceará ocupa esse lugar no ranking nacional de analfabetismo absoluto. No último censo do IBGE nós estávamos na quarta colocação. Nós melhoramos um pouco, mas como você mencionou no início, nós ainda temos o dobro de pessoas analfabetas de 15 anos ou mais.
Essa questão do analfabetismo absoluto, a gente pode também fazer alguns recortes como, por exemplo, recortes de raça. Entre as pessoas analfabetas absolutas no Brasil, por exemplo, 9,3% são brancos, pessoas autodeclaradas brancas e 23,3% são de pessoas autodeclaradas negras, pretos e pardos. Então há ainda também esse recorte de raça, que em todas as faixas etárias também se destaca a população negra com índices maiores de analfabetismo, seja absoluto ou mesmo funcional. Então, me parece que nós temos um problema que é histórico. O Brasil, infelizmente, em todo o seu processo de ampliação do acesso às políticas educacionais, a EJA sempre foi marginalizada. A Educação de Jovens e Adultos é subfinanciada, tem pouco espaço no debate do interior das políticas educacionais e também é pouco valorizada, inclusive, no interior das universidades, quando a gente pensa formação de professores.
Quais são as políticas públicas voltadas para a alfabetização de jovens e adultos no Ceará?
Quando a gente fala de educação de jovens e adultos, a gente fala desde pessoas que estão em situação de analfabetismo, como também pessoas que tiveram algum atraso no seu processo de escolarização formal, pessoas que estão geralmente fora daquela idade regular, que procuram turmas e projetos de EJA para poder dar continuidade aos seus estudos. Hoje, por exemplo, aqui no estado do Ceará, e que é um pouco também semelhante à realidade nacional, nós temos as prefeituras. As diversas prefeituras são responsáveis por ofertar matrículas para a educação de jovens e adultos, para alfabetização, para atingir esse público que está explicitado nessa pesquisa do IBGE. Aqui no Ceará são quase um milhão de pessoas, de 15 anos ou mais analfabetas, que não sabem ler nem escrever, quase um milhão de pessoas. Então há uma demanda muito grande. Ao mesmo tempo, essa demanda é muito invisibilizada, que é um outro problema também do público da EJA.
A EJA é uma modalidade educacional presente na Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira e que os municípios também são responsáveis em ofertar turmas de EJA nos municípios. É muito comum a gente encontrar municípios que não ofertam turmas de EJA, é impressionante. A gente não tem dados muito consolidados sobre isso, mas é muito comum a gente observar determinados anos que a educação de jovens e adultos não era ofertada pela prefeitura. Isso depende muito do grau de compromisso, de sensibilidade do poder público municipal, dos secretários de educação locais com o tema da EJA.
Então, nós temos os municípios que são responsáveis pelas políticas de EJA, no âmbito da alfabetização e ensino fundamental do primeiro e do segundo segmento, nós temos várias turmas de educação de jovens e adultos no âmbito da rede de escolas estaduais, que os responsáveis são a Seduc, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará, a partir das Credes, que são as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação, que são responsáveis de acompanhar a demanda e articular a abertura das turmas.
Nós temos também, além das turmas de EJA das prefeituras e as turmas de EJA que ocorrem a partir da responsabilidade da Seduc, nós temos aqui no estado do Ceará e também no Brasil como um todo, os Centros de Educação de Jovens e Adultos, que são instituições muito importantes, que cumprem o papel, nas últimas décadas, fundamental de combate ao analfabetismo, mas não só, e também a escolarização de pessoas jovens, adultas e idosas que tiveram, por algum motivo, que interromper os seus estudos, aqui são CEJAs, os Centros de Educação de Jovens e Adultos. Existem 32 CEJAs no Ceará, que são equipamentos cujo financiamento é da Seduc, mas que tem uma certa autonomia. São equipamentos públicos, com professores que são da rede estadual, mas que tem toda uma metodologia, uma dinâmica próprias.
Temos também mais duas ações importantes e que o estado do Ceará é uma referência nacional, que são ações direcionadas para o público adulto e idoso que está em situação de privação de liberdade, é a chamada Educação Prisional. Nós temos no Ceará, hoje, cerca de 3.000 matrículas de pessoas que estão presas no regime aberto e semiaberto em cerca de 50 unidades prisionais, em mais de 40 municípios do Ceará.
Nós também temos as ações direcionadas para a educação de jovens e adultos, que são organizadas e financiadas pelo Sesc. O Sesc tem algumas escolas em alguns municípios, não são muitos, são cinco ou seis municípios que também ofertam turmas de EJA, sobretudo direcionados para esse público comerciário.
Qual é a realidade em relação a investimentos do poder público para a erradicação do analfabetismo no estado do Ceará?
Basicamente não há. É impressionante, porque nós temos a demanda, nós somos o quinto estado da federação em número de analfabetismo, analfabetos absolutos, eu gosto de reforçar isso porque o analfabetismo é muito mais complexo do que se você só sabe ler e escrever, ou não. Então você não tem, na verdade, hoje uma ação específica coordenada em âmbito estadual de combate ao analfabetismo absoluto, inclusive, uma das provocações que a gente pretende fazer nessa audiência pública que a gente está tentando articular com o deputado Missias, é sensibilizar o governo do estado, e não só, as autoridades municipais, as universidades estaduais cearenses, para a gente pensar de forma conjunta como enfrentar esse problema dramático, vergonhoso, que a gente tem quase um milhão de cidadãos cearenses que não sabem ler e escrever o próprio nome.
Seria importante a Seduc, em parceria com as secretarias municipais de educação e outras instituições como universitárias, ou mesmo empresariais, pensar uma ação de médio, curto e longo prazo de combate ao analfabetismo, porque na prática, se a gente tivesse uma ação coordenada, nós poderíamos pensar, concretamente, na erradicação do analfabetismo em poucos anos.
Quais são os desafios para a erradicação do analfabetismo no estado do Ceará?
A gente poderia listar alguns. Um primeiro elemento é reconhecer o problema. Em todos os debates educacionais, na agenda educacional, seja na Seduc ou nos municípios, parece que é um problema que não existe. Esse quase um milhão de pessoas analfabetas do Ceará são invisibilizadas. Acho que em um âmbito institucional seria interessante que a Seduc coordenasse esse processo, porque você tem uma diversidade muito grande nas prefeituras, há um descompromisso estrutural por parte dos poderes executivos locais com o analfabetismo, muitos municípios também têm dificuldades orçamentárias, em geral, e na educação também, então acho que teria que ter uma ação coordenada no âmbito estadual e teria que ter, eu acho, como principal articulador, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará, e aí, talvez, a criação de uma coordenadoria própria no âmbito da Seduc, para dar visibilidade, inclusive, para mostrar que é uma prioridade.
Penso que é interessante nós construirmos uma campanha permanente de combate ao alfabetismo. Eu acho que coordenada pela Seduc, mas em parceria com as prefeituras, com o Fórum de Educação de Jovens e Adultos e também com outros parceiros, movimentos sociais e populares, associações comunitárias, universidades estaduais, sobretudo com os cursos de licenciatura, e essa campanha, inclusive inspirada em toda essa tradição da educação popular, mas com uma articulação com o poder público estadual e municipal a gente pensar mesmo nessa luta de curto e médio prazo de combate à erradicação do analfabetismo absoluto. Tornar, por exemplo, o estado um território livre do analfabetismo. Isso seria incrível. E aí, isso exigiria um processo de maior mapeamento dessas demandas, porque muito desse público que está em situação de analfabetismo absoluto, estão em territórios nos quais a gente teria que chegar lá.
E, por fim, ainda com relação a essa pergunta, acho dois elementos fundamentais: pensar, ainda no âmbito dessa articulação, um processo de formação de professores para EJA, tanto esses que vão atuar no combate ao analfabetismo absoluto como também das turmas de EJA de ensino fundamental e médio. É muito comum o professor que está lá, nessas turmas de EJA, não ter passado por nenhuma formação para atuar, levando em consideração essas especificidades, essas particularidades metodológicas, pedagógicas. E por fim, é urgente uma campanha e a gente do Fórum de Educação de Jovens e Adultos tem iniciado essa campanha, uma campanha de combate ao fechamento de turmas de EJA, seja de alfabetização ou mesmo de ensino fundamental e médio. Inclusive, em Fortaleza, no ano passado, várias turmas de EJA noturna foram fechadas com um discurso extremamente elitista, preconceituoso, por parte do poder público municipal. Mas não é só uma realidade de Fortaleza. É muito comum a gente receber denúncias e ter notícias de fechamento de turmas de EJA com um discurso falso de que não tem demanda. Os dados são reveladores, então também o combate ao fechamento de turmas de EJA é fundamental.
Pedro, você faz parte do Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Ceará. Explica o que é o Fórum e quais ações são desenvolvidas por vocês.
O Fórum de Educação de Jovens e Adultos é uma articulação nacional que existe no Brasil desde 1996, onde foi fundado o Fórum Nacional de Educação de Jovens e Adultos. A partir dessa articulação nacional começou a ocorrer, ainda em meados da década de 1990, articulações estaduais, os Fóruns Estaduais de Educação de Jovens e Adultos. Então, o Fórum EJA Ceará faz parte de todo esse momento histórico e também de articulação nacional.
O Fórum EJA, em caráter nacional, tenta pautar junto à Câmara de Deputados, junto ao governo federal a importância da EJA. Toda essa resistência, essa invisibilidade, essa marginalização que a EJA ocupa na agenda educacional brasileira. No âmbito nacional, o Fórum EJA também participa ativamente da definição dos planos nacionais de educação, faz o monitoramento e o acompanhamento do financiamento da EJA, inclusive existe um site nacional, que é o forumeja.org.br e que abriga links para os fóruns estaduais. Inclusive o Fórum EJA do Ceará.
Aqui no Ceará o que é que a gente faz? Primeiro, é um espaço de articulação política. Nós reunimos professores, estudantes, gestores da EJA, mas também pesquisadores, pesquisadores das universidades, representantes e dirigentes de movimentos sociais e populares. Então, é sobretudo um espaço de articulação política para que a gente paute, em âmbito estadual e nos municípios a EJA.
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Edição: Camila Garcia