O Ministério da Cultura (Minc) está trabalhando em um novo modelo para a Lei Rouanet e a região do Cariri, no Ceará foi o local escolhido para receber o piloto desse novo modelo. Mas o que realmente vai mudar na Lei Rouanet? Qual o impacto na cultura com esse novo modelo? Quais as verdades e mentiras sobre essa Lei que tanto a gente ouve falar. Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com o secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do Minc, Henilton Menezes.
O que é a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet é um mecanismo de financiamento da cultura brasileira que tem o objetivo de desenvolver um setor econômico do Brasil chamado cultura. Os governos, quando têm interesse de que um setor económico seja desenvolvido, eles oferecem incentivos fiscais para que esse setor possa se desenvolver a partir de uma diminuição de impostos, de uma diminuição do peso da carga tributária. Isso acontece na Zona Franca, acontece com a indústria automobilística, acontece com a indústria de eletrodomésticos, acontece até mesmo com a indústria armamentista, por exemplo. Acontece com uma série de setores económicos e um desses setores econômicos é o setor da cultura brasileira.
E quais são as maiores ou as principais fakes news sobre a Lei Rouanet que você já ouviu?
Olhe, são várias. As mais comuns são, por exemplo: “somente artista famoso tem Lei Rouanet”. Isso não é verdade, ao contrário, os artistas mais famosos, eles preferem não usar Lei Rouanet porque é um mecanismo complicado de usar. É um mecanismo que tem limite de cachê, muitas vezes o limite que é estipulado não atrai os grandes artistas, ele precisa fazer prestação de conta, ele precisa apresentar as notas fiscais. Então é um processo complexo. Hoje a gente tem entre três mil e quinhentos a quatro mil projetos por ano sendo realizados e, obviamente, que não existe três mil e quinhentas pessoas famosas utilizando esses incentivos fiscais.
O que acontece às vezes, e aí vem as notícias que são fakes News, é que, eventualmente, uma pessoa, um agente cultural, um produtor cultural, apresenta um projeto no Ministério da Cultura para levar um artista famoso para praça pública, por exemplo. Você quer fazer um espetáculo musical em praça pública de graça para a sociedade brasileira você utiliza esse mecanismo para pagar o cachê desse artista que vai se apresentar e poder oferecer isso de forma gratuita para a comunidade ou de forma mais popular, por preços muito simbólicos. Hoje, mais ou menos 80% a 85% de tudo que acontece na Lei Rouanet é oferecido para a sociedade de forma gratuita. Então, aí vem a segunda fake News: “que os ingressos que são da Lei Rouanet custam muito alto. Fulano de tal recebeu o incentivo fiscal e está cobrando ingresso de R$500, R$600”. Não é verdade. É outra mentira, porque para você ter acesso aos mecanismos, isso está no texto da Lei, você é obrigado a apresentar para o Ministério quais os benefícios em termos de redução de custo de precificação, de preço de ingresso, preço do livro, preço do vídeo, preço do que você está produzindo. Qual diferencial que você está dando para a sociedade para que você tenha direito a esses recursos? O incentivo fiscal só tem sentido ser oferecido se esse evento, se essa ação cultural, se esse espetáculo foram oferecidos para a sociedade de forma gratuita ou a preço simbólicos.
Terceira fake News: “que o governo brasileiro está dando dinheiro para artista”. É outra fake news porque o governo, o Ministério da Cultura não dá dinheiro para ninguém. O dinheiro não circula por dentro do Ministério. O mecanismo promove a possibilidade de alguém dar um valor limitado ao seu percentual, no caso pessoa física, 6%, no caso pessoa jurídica, 4% do seu imposto de renda e você destina esse recurso para o produtor cultural. Esse dinheiro não passa pelo Ministério. O que o Ministério faz é que para que isso aconteça, esse interessado em usar o incentivo fiscal precisa submeter o projeto ao Ministério da Cultura, aí sim para saber se está de acordo com a Lei e o Ministério dá uma autorização para que as pessoas possam ir buscar esse incentivo junto aos contribuintes do imposto de renda. Então, não existe dinheiro dado do Ministério da Cultura para o empreendimento cultural. O que existe é uma autorização prévia para que as pessoas possam ir em busca dos seus incentivos.
Outra coisa também que é fake News: “só consegue projeto aprovado quem é ligado ao partido do governo”, isso não é possível acontecer, porque isso é vetado por Lei. A própria Lei diz que não se pode fazer avaliações subjetivas. A gente é vetado a fazer isso. A gente não pode avaliar um projeto considerando o viés político daquele proponente, tanto é que muitos artistas ou produtores que apoiaram o governo do Bolsonaro estão tendo projeto aprovados aqui no governo do Lula, porque não é esse o critério para aprovar. O critério é técnico: projeto é cultural, ele cabe na Lei, ele dá contrapartida para a sociedade, ele fornece essas acessibilidades que são obrigatórias, os preços dos ingressos são gratuitos ou são a preços populares, aí ele consegue aprovação, independente se ele leva a coloração política A, B ou C.
Ainda é comum ver pessoas ou até personalidades públicas criticarem a Lei Rouanet?
É muito comum. Na verdade, é comum por uma característica muito importante da nossa Lei. A nossa Lei é transparente. Quando você vai a um projeto cultural que tem Lei, que tem o uso do incentivo fiscal é obrigatório que tenha na porta do teatro, ou no cartaz, ou no livro, dizendo assim: “este projeto utiliza incentivos fiscais da Lei Rouanet”, mas por exemplo, eu tenho certeza que você nunca comprou um automóvel que tenha na porta assim: “esse carro tem benefício fiscal do governo federal”, ou você nunca comprou uma geladeira que vem pregado um adesivo na geladeira dizendo que tem incentivo fiscal do governo. Então, esses incentivos são concedidos, mas eles são invisíveis. O nosso caso é muito visível e ele está atuando numa área, que é a área artística, que tem mais visibilidade ainda.
A lei de incentivo fiscal dos automóveis não tem nome, a lei de incentivo fiscal da linha branca de eletrodoméstico não tem nome, a lei que dá apoio a Zona Franca não tem nome, mas a nossa tem. Então, o conjunto de desinformação que às vezes é provocado de forma deliberada, faz com que as pessoas falem de um assunto que não entende e condenem uma coisa que não entende.
O Minc está trabalhando um novo modelo para a Lei Rouanet. O que é esse novo modelo e o que muda para o anterior?
Olhe, primeira coisa que a gente precisa corrigir é que o modelo anterior vai continuar, a gente não vai mudar, a gente vai criar uma nova porta, a gente vai criar um novo modelo que vai se agregar ao que funciona hoje.
A Lei Rouanet está desenhada, não no corpo da Lei, mas nos instrumentos infralegais, que são aqueles documentos que regulamentam a Lei, porque toda Lei é muito genérica, como de fato deve ser a lei. Abaixo da Lei você tem um decreto que regulamenta a Lei e embaixo do decreto, em termos de hierarquia legal, você tem as instruções normativas e as portarias que dizem como é que a coisa vai funcionar, quer dizer, as discussões normativas. Eu costumo dizer que é como se fosse o chão de fábrica da Lei. Como é que funciona esse mecanismo? O parlamento brasileiro cria um incentivo fiscal, mas lá no parlamento ele não diz, por exemplo, qual o valor do cachê, qual o prazo de entrega dos projetos, onde é que você se inscreve, isso tudo está no infralegal, que é exatamente como é que o mecanismo funciona.
Esse desenho desse funcionamento sempre foi muito centrado no que a gente chama de produto. Você está sempre produzindo um produto e entregando para a sociedade. Por exemplo, na Lei Rouanet você precisa apresentar um projeto para produzir um livro, isso é um produto, para produzir um CD, um disco já é outro produto, para fazer um espetáculo musical, é um produto, para fazer um festival de jazz, ou um festival de blues, ou um festival de teatro, é um produto, é isso que a gente chama de produto. Para recuperar o prédio histórico, também é um produto.
Então, a Lei foi desenhada com essa coisa muito aritmética, muito cartesiana, pode-se dizer assim, eu apresento o projeto para o Ministério para fazer um produto, eu pego esse produto e entrego para a sociedade brasileira de uma forma mais acessível. Eu faço o festival e os ingressos do festival vão ser gratuitos ou baratos. Eu recupero um prédio histórico, mas eu vou abrir este prédio histórico para uso público. O que a gente está redesenhando é que este produto que a gente sempre vislumbra ao apresentar o projeto da Lei Rouanet não seja mais um livro, não seja mais um disco, não seja mais um festival, mas seja o desenvolvimento de um território.
A gente vai estar desenhando um modelo novo onde você vai poder apresentar um projeto ao Ministério da Cultura e entrar com ações estruturantes dentro de um território que pode ser uma cidade, um bairro, duas cidades, três cidades, aldeia indígenas, um quilombo, pode ser um território qualquer onde você, nesse território, tem uma vocação cultural e você vai ali fazer um trabalho estruturante, dando ferramentas para essas pessoas poderem se desenvolver e, daqui a um determinado tempo, se desvincular da própria Lei Rouanet. Você dá ferramentas para essas pessoas e essas pessoas vão se desenvolver tecnicamente, naquilo que eles fazem, e daqui a um tempo essas pessoas vão ter um novo protagonismo, mas eu não vou ter um produto entregue para a sociedade, é a própria sociedade que vai se desenvolver. Então essa é a grande diferença.
E por que a região do Cariri foi a escolhida para receber esse piloto?
Porque quem primeiro nos procurou pensando nesse modelo da economia criativa foi a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Eles queriam parceria do Ministério para desenvolver algo que pudesse ser, de fato, estruturante.
A Secretaria de Cultura do Estado entendeu que no Ceará o Cariri tinha vocação suficiente, pela movimentação cultural bastante ativa dentro daquelas cidades, principalmente Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, mas vão ser seis municípios em torno do Cariri, porque o Cariri é uma região maior. Na verdade, o Cariri enquanto região instalada pega três estados, ele pega o estado de Pernambuco, estado da Paraíba, o estado do Ceará. É por isso que o projeto é Cariri Cearense, nós vamos atuar somente no Cariri. A Secretaria de Cultura entendeu que dado a estruturação que existe dentro do Cariri cearense estaria mais afeito a fazer esse primeiro projeto piloto que aí nós estamos levando para lá, com a anuência da Secretaria de Cultura.
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Edição: Camila Garcia