Maio é o mês de luta dos trabalhadores e também o mês das mães. E no De Vera dessa semana, o Brasil de Fato juntou esses dois temas para falar sobre as conquistas e as pautas de luta das mulheres no mercado de trabalho. O que já avançou em relação a valorização da trabalhadora e o que ainda há para avançar? Quais os desafios da mãe trabalhadora no estado do Ceará? Para responder essas e outras perguntas o BdF conversou com Cosma dos Santos Damasceno, militante do MST e educadora da Escola de Ensino Médio Francisco Araújo Barros.
Quais são os desafios da mulher no mercado de trabalho?
Neste mês de maio, a gente celebra o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora. Esta também é o mês das mães e é muito importante que a gente visibilize e olhe para a questão da mulher, da sua participação, das suas ações e das suas atividades, não só no mês de maio, mas durante todo o ano. Durante toda a nossa vida.
E falando um pouco sobre os desafios das mulheres no mercado de trabalho, nós precisamos, a cada dia mais, se emponderar e ocupar todos os espaços de trabalho, seja na dimensão social e humana, nas diversas formas, seja como liderança, ocupando os espaços políticos, os espaços de educação, de formação, mas também na área tecnológica, ocupando esses espaços que estão disponíveis na área técnico-científica. É muito importante que todas nós mulheres ocupemos todos esses espaços e que a gente também lute para a equiparação salarial, para que a gente seja reconhecida, seja valorizada. Nenhuma a menos e nenhum valor a menos. Precisamos estar cada dia mais unidas e estudando, se preparando para os desafios que a cada dia a gente enfrenta. Também precisamos estar organizadas em redes, no sentido de discutirmos as nossas situações, nos fortalecermos, darmos as mãos umas às outras e buscarmos os nossos direitos, as nossas conquistas e as nossas realizações frente ao machismo preponderante nessa sociedade atual.
Como a misoginia e o machismo no ambiente de trabalho afetam as trabalhadoras?
O machismo e a misoginia afetam as trabalhadoras no ambiente de trabalho quando há, em especial, a presença do preconceito, da desvalorização, da minimização da mulher, da companheira, e são formas de violência, uma violência silenciada, que acontece com as mulheres e que a gente não pode aceitar que isso aconteça. A gente precisa se revoltar. Quando uma mulher está sendo reprimida, quando uma mulher está sendo desvalorizada temos que ser milhões de mulheres para se somar com esta companheira e fazer com que esta companheira seja valorizada e reconhecida e, acima de tudo, devemos ser contra qualquer forma de violência, de minimização, de desvalorização dentro dessa lógica patriarcal, de repressão machista que a nossa sociedade vive na atualidade, e no mercado de trabalho isso se torna cada dia mais necessário, que a gente fortaleça ações desse tipo.
E em relação às mães, quais são os maiores desafios para elas em relação ao mercado de trabalho e ao trabalho doméstico?
Eu tenho dito em muitas situações que ser mãe e ser mulher é ser artista, porque ser mãe, ser mulher, ser trabalhadora, é uma tarefa que não é fácil. É prazerosa, é gostosa, mas também é difícil porque requer muita dedicação, muito empenho de nossa parte enquanto mulheres e para isso a gente precisa que a sociedade, os nossos familiares compreendam e se somem, em especial, no cuidado com os filhos, com as crianças para que não sobrem só para a mulher, para a mãe, essa tarefa do cuidado, de assumir as tarefas de casa, as tarefas domésticas e também para que nós mulheres passamos ter tempo para o trabalho, mas também ter tempo para a gente, porque em muitas situações a gente acaba o tempo da gente, o tempo do descanso, o tempo do cuidado pessoal, ficando, em muitas situações, reprimindo, que não é certo. A gente precisa olhar para esta mulher, esta mãe, esta trabalhadora, esta artista, como uma forma de saber que é um ser humano, que precisa que a gente dê a mão.
E esses desafios e desigualdades também atingem a mulher do campo?
Esses desafios e desigualdade atingem também as mulheres do campo. Eu olho para algumas situações, quando as mulheres do campo se separam, quando são mães sozinhas, se torna muito desafiador ter que dar conta da agricultura, e em muitas situações, nos coletivos, nas cooperativas, nas associações o machismo impede que as mulheres assumam determinadas funções. Há uma luta para que essa mulher seja valorizada, seja equiparada aos homens, que elas possam fazer as tarefas, cada um de acordo com o que pode fazer e, principalmente, quando se assume essa tarefa de assentado, de assentada.
Essa situação, dessa desigualdade, também acontece muitas vezes na hora da partilha da renda, ou mesmo na hora de fazer determinadas tarefas, “ai, porque a mulher não pode isso, não pode aquilo”, ou “a mulher vai junto com o companheiro para a roça”, no entanto, quando chega em casa, o companheiro vai descansar e a mulher vai fazer as atividades domésticas, vai preparar a alimentação, vai cuidar da limpeza da casa, vai ter todos os outros cuidados, vai se preocupar com o filho, vai arrumar filho para ir para a escola e aí a gente, muitas vezes, tem percebido que é uma forma de discriminação ou mesmo de exploração da mulher, ou falta de solidariedade e consciência do companheiro
Esse é um trabalho que precisa de conscientização, de formação e que a gente tem tentado fazer esse trabalho nos assentamentos, nos acampamentos. Muitas coisas têm melhorado, mas ainda há muito o que ser feito para que melhore ainda mais para ter uma igualdade na questão de gênero entre as famílias.
Quais são os mecanismos que a sociedade e o poder público podem utilizar para melhorar essa situação?
Percebo que um dos mecanismos que a sociedade e o poder público podem utilizar para melhorar essa situação é fazer um trabalho de formação e capacitação da família, não só do homem, não só da mulher e, principalmente, compreender a relação do gênero, o que é o gênero, quais as formas que a gente pode trabalhar com a família como um todo e também nos espaços educativos, como as escolas.
A gente tem focado nas escolas do ensino médio, do campo, trabalhar essa questão de gênero, essa questão do trabalho visível, do trabalho invisível, a questão da mulher, como que a gente conscientiza sobre essas temáticas, em especial trabalhando também as violências, as diversas formas de violências que existem, para que isso não venha acontecer. Então penso que o poder público poderia focar mais em políticas de informações, de capacitação e de valorização na temática do género.
Até aqui nós estamos falando muito dos desafios, mas agora quero falar das conquistas das mulheres no mercado de trabalho. O que já avançou em relação a isso?
Sobre a conquista das mulheres no mercado de trabalho, a gente percebe que a cada dia as mulheres têm se desafiado, ousado a ocupar muitas funções e tarefas que são ditas de homem. Eu tenho um exemplo. Ano passado, no curso técnico de agroecologia, nós tivemos uma educadora, atualmente ela é uma professora da UFC, mas ano passado ela trabalhava como monitora no Senar, e ela trabalhava o componente de máquinas e implementos agrícolas, e ela veio dar pra gente o curso de capacitação de tratorismo, e aí todos olhavam e diziam: “poxa, uma mulher tratorista”, e a mulher era uma excelente profissional, a companheira se garantiu na sua função, na sua tarefa, muito competente e ocupando esse espaço que achei maravilhoso, porque a gente tem que ocupar. Qual o problema de uma mulher ser tratorista? Operadora de máquina? Qual o problema de uma mulher assumir as diversas formas de tecnologia? Por que só podem ser homem?
Então, a cada dia as mulheres têm ocupado essas áreas também, principalmente nessa questão tecnológica, nessa questão técnico-científico e a gente precisa incentivar, motivar as mulheres a ocuparem esses diversos cargos e funções, que elas se apaixonem, que elas gostam, que elas tenham vontade.
Como está a luta das mulheres em defesa por melhorias no mercado de trabalho?
A cada dia mais, nós mulheres, precisamos lutar pelas melhorias no mercado de trabalho, e essa luta está inserida a partir do momento que nós mulheres nos empoderamos e ousamos a ocupar esses espaços. A gente precisa ocupar todos esses espaços.
Ainda tem sido muito desafiador, no caso do campo, que é a realidade que estou mais inserida. A gente tem dito que as mulheres têm que estar na frente da cooperativa, na frente da agroindústria, ocupando os diversos espaços, seja na capacitação de operação de máquinas, seja na preparação, no planejamento, na gestão das ações. Nós mulheres precisamos ocupar todos eles, seja na organização social e na organização política também.
Quais as grandes conquistas das mulheres em relação à valorização do trabalho e da própria trabalhadora?
Uma conquista de nós mães, na valorização do nosso trabalho, é quando se criam nos nossos espaços de trabalho um espaço para os nossos filhos, para as nossas crianças, e falo isso a partir da experiência do Movimento Sem Terra, que a gente, em todos os nossos espaços de formações, de capacitações, tem a ciranda infantil itinerante, que acolhe os nossos filhos e que nos motiva a participar e a nos valorizar.
Uma outra conquista também, da gente enquanto mãe, é quando a gente tem companheiros e companheiras conscientes e que nos ajudam e que nos apoiam, e também quando o nosso espaço de trabalho é flexível, que valoriza as mães, que apoiam, que se somam, porque em muitas situações, nós mães, precisamos sair correndo dos nossos trabalhos para ter que cuidar, atender um filho, atender a diversas situações. Então, quando há essa valorização, esse apoio no nosso ambiente de trabalho, a mulher está sendo valorizada e o trabalho também.
E você, como educadora, como você enxerga o futuro de suas alunas no mercado de trabalho?
Vejo o futuro de nossas alunas elas ocupando os espaços de estudo nas diversas áreas do conhecimento, ocupando os espaços de trabalho nas diversas áreas do conhecimento, mas, acima de tudo, com uma consciência de classe trabalhadora, de gênero e uma consciência de valorização e autovalorização enquanto sujeito, enquanto mulher, reconhecendo-nos como protagonistas, protagonistas e sujeitos à construção de sua própria.
Quais são as suas expectativas para o futuro?
Eu tenho como expectativa para o futuro que muito em breve a gente consiga ter uma sociedade mais consciente, com consciência de classe, com consciência de gênero, onde cada indivíduo, seja homem ou seja mulher, repreenda todas as formas de preconceito, de discriminação, de patriarcado, todas as formas de desigualdade, todas as formas de machismo e compreenda que a mulher, a mãe, a trabalhadora, ela é igual a todo e qualquer ser humano e que precisa de respeito e precisa de valorização. E uma sociedade assim, que supera esse preconceito, essa discriminação é uma sociedade que a gente acredita que é possível ser construída e que a gente tem defendido a cada dia na luta.
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Edição: Camila Garcia