O que fazer para melhorar a política habitacional voltada à população de baixa renda?
Fortaleza, como outras cidades, se destaca pelas desigualdades nas condições de moradia. A localização dos conjuntos habitacionais produzidos pelo poder público demonstra o acesso desigual às oportunidades que a vida urbana oferece ou deveria oferecer a toda população. Esse problema foi observado nos grandes conjuntos periféricos construídos pela Companhia de Habitação do Estado do Ceará durante as décadas de 1970 e 1980, influenciando na forma como Fortaleza se estruturou e promovendo o seu crescimento desordenado.
No caso da produção habitacional recente, o Programa Minha Casa Minha Vida, criado em 2009, revelou que as políticas urbana e habitacional não conversaram entre si, como atestam os grandes empreendimentos habitacionais periféricos, para onde foram deslocadas milhares de famílias. A localização distante e a concentração de muitas pessoas em um setor da cidade desprovido de infraestrutura e serviços urbanos revelou a volta da segregação involuntária em larga escala, amplamente criticada por pesquisadores e movimentos sociais.
A partir de 2023, diante de uma nova conjuntura político-econômica e a recriação do Ministério das Cidades, aponta-se para a retomada da produção habitacional. Diante desse cenário, a nova fase do Programa Minha Casa Minha Vida ganha enorme importância. Com isso, é fundamental observar o resultado das políticas habitacionais implementadas nos últimos anos para que erros não se repitam.
Segundo dados oficiais, o Programa Minha Casa Minha Vida entregou cerca de 7,7 milhões de unidades habitacionais em todo o Brasil. Deste total, foram construídas mais de 1,6 milhão de moradias para população incluída na chamada Faixa 1, aquela que contempla famílias de menor renda. Em Fortaleza foram contratadas 38.450 moradias por esse programa habitacional até 2018, das quais 28.136 atenderam famílias com renda inferior a 2.640,00 reais.
É importante lembrar que na primeira fase do Programa Minha Casa Minha Vida, os conjuntos habitacionais deveriam ser construídos com até 500 unidades. Por conta disso, nos primeiros anos do programa, Fortaleza se destacou pelo reduzido número de empreendimentos e moradias, apesar da elevada demanda existente em cadastro da prefeitura municipal, na época com mais de 120 mil famílias. Todavia, diante da concentração fundiária e do menor interesse do setor da construção civil em atuar nessas condições, poucos contratos foram firmados. Na segunda fase, iniciada em 2011, diante de pressões de diferentes sujeitos do setor imobiliário, os conjuntos habitacionais passaram a abrigar por vezes mais de cinco mil famílias. Atendia-se assim aos anseios dos grandes construtores: escala e celeridade, ou seja, era possível construir moradias muito e rápido, implicando em maior rentabilidade para o setor.
Diante dessas circunstâncias, ficaram garantidos maiores lucros para as construtoras, graças à contratação de grandes empreendimentos. Esta escolha gerou demanda por grandes terrenos que, em geral, estão disponíveis apenas na periferia das cidades. O resultado, como observado em Fortaleza, foi a concentração de grande contingente populacional residindo em um mesmo trecho da cidade e ocupando, por vezes, centenas de edifícios com quatro pavimentos, gerando uma altíssima densidade populacional e construtiva.
Da produção do Programa Minha Casa Minha Vida em Fortaleza, destacam-se cinco grandes conjuntos, todos concentrados em trecho ao sul da cidade, nas bordas da capital cearense. Esta área é considerada como zona de ocupação restrita pelo plano diretor em vigor, em função da ausência ou da insuficiência de infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos sociais. São eles: o Cidade Jardim 1, com 5.536 moradias; o Cidade Jardim 2, com 5.968 apartamentos: o José Euclides Ferreira Gomes com 2.994 habitações; o Alameda das Palmeiras com 4.992 moradias e o Luiz Gonzaga com 1.760 moradias, considerando apenas sua primeira etapa. Juntos totalizam 21.250 unidades habitacionais. Estes conjuntos habitacionais constituem-se como verdadeiros "depósitos de gente" e têm como marca a ausência do poder público. Estes empreendimentos habitacionais, além de atenderem às famílias que se cadastraram na Secretaria de Desenvolvimento Habitacional, órgão que trata do problema habitacional em Fortaleza, também atenderam às demandas de movimentos sociais organizados, de famílias removidas por conta de projetos de mobilidade urbana, de urbanização de favelas e de trechos próximos à orla da capital cearense.
Estudos realizados pelo Laboratório de Estudos da Habitação da UFC, integrante do Observatório das Metrópoles indicam que a implementação do Programa Minha Casa Minha Vida em Fortaleza e nos demais municípios da Região Metropolitana resultou em problemas relacionados à infraestrutura e aos serviços urbanos necessários para que a população beneficiada possa ter condições adequadas de moradia. Apesar de dotados de infraestrutura e de serviços urbanos, observa-se que as condições de acesso são precárias. Da mesma forma, os equipamentos sociais são, via-de-regra, insuficientes, senão ausentes, sobrecarregando aqueles ofertados por bairros adjacentes, já que a população dos novos grandes conjuntos passa a usar serviços e equipamentos situados nas proximidades.
A condição periférica ganha maior gravidade quando associada à presença de outras formas de moradia precária, como favelas, loteamentos irregulares e antigos conjuntos desprovidos de infraestrutura, serviços, mobilidade urbana e equipamentos sociais. Disto resulta um território distante das oportunidades que a cidade oferece, fragmentado, incompleto e com fortes marcas de fragilidade ambiental.
A situação de vulnerabilidade social ganha contornos ainda mais graves em função da negligência como se deu o Plano de Trabalho Técnico Social nestes conjuntos. Com isso, problemas associados à falta de oportunidades para pessoas de diferentes faixas etárias, ao desemprego, ao distanciamento da cultura e do lazer, tornam-se ainda mais graves, especialmente na ausência dos governos estadual e municipal, que tardam em apresentar propostas que proporcionem melhores condições de vida para os moradores. A ausência do poder público resulta na presença de poder paralelo através de facções, impondo uma nova ordem, com a qual os moradores passam a conviver, ou mesmo situações de disputas territoriais entre grupos opostos, ampliando ainda mais a insegurança nestes territórios. Diante disso, há moradores que abandonam os apartamentos adquiridos através do programa e passam a morar sob condições mais precárias, com aluguel que consome grande parte da renda familiar ou mesmo em ocupações.
Por outro lado, é importante valorizar iniciativas realizadas pelos moradores que buscam transformar a realidade existente, através de ações como as cozinhas solidárias, os saraus, os espaços de formação, dentre outros.
Diante dessa realidade, cabe questionar: o que fazer para melhorar a política habitacional voltada à população de baixa renda?
Inicialmente, faz-se necessário a reparação de danos às famílias deslocadas para grandes conjuntos periféricos, buscando garantir melhores condições de vida através da implementação de programas sociais, urbanização dos espaços degradados e recuperação da infraestrutura e dos serviços urbanos.
Considerando os novos projetos, é fundamental que se promova uma política habitacional universal, para diferentes demandas, atendendo aos diversos problemas, com transparência e participação da sociedade.
Ao invés de grandes conjuntos nas periferias, devem ser construídos empreendimentos de pequeno e médio portes em terrenos vazios dotados de infraestrutura e serviços urbanos. Para isso, é fundamental a associação entre as políticas urbana e habitacional, de modo a garantir a democratização do acesso à terra urbanizada e melhores condições de mobilidade e acesso às infraestruturas de saneamento.
A construção de conjuntos habitacionais de menor dimensão e voltados à população de baixa renda pode ser viabilizada por meio do uso de zonas especiais de interesse social do tipo vazios, da utilização do fundo de terras municipais e da aplicação de instrumentos urbanísticos como os consórcios imobiliários, sempre visando a conexão entre demandas prioritárias do plano de habitação e terrenos vazios nas proximidades.
É preciso que as instâncias de controle social como os Conselho Municipais de Habitação e de Desenvolvimento Urbano sejam fortalecidas e que a regulação da terra urbana ocorra através da observância do Plano Diretor e legislação urbanística. Por fim, deve-se aprender com os erros do passado para não repeti-los no futuro. Por isso, argumenta-se que construir grandes conjuntos habitacionais periféricos não resolve o problema da moradia em Fortaleza.
*Rérisson Máximo, Professor do IFCE e pesquisador do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles e do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará.
**Renato Pequeno, Professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFC, pesquisador do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles e coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa