De 13 e 20 de abril aconteceu em Limoeiro do Norte a 13ª Semana Zé Maria do Tomé. O evento é realizado em parceria com diversas outras organizações, como a Cáritas Diocesana, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Comissão Pastoral da Terra, a Fundação Oswaldo Cruz e a Universidade Estadual do Ceará e tem como um dos objetivos manter viva a memória e a luta de Zé Maria do Tomé por terra e contra o uso de agrotóxicos na região da Chapada do Apodi. E para falar mais sobre essa luta, conquistas e desafios o Brasil de Fato conversou com Aline Maia, coordenação da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte. Confira.
Quem foi Zé Maria do Tomé?
Zé Maria do Tomé foi uma liderança comunitária, da comunidade Tomé, no município de Quixeré, aqui na Chapada do Apodi. Um camponês que começou a perceber os problemas dos agrotóxicos, o problema do agronegócio a partir do adoecimento de sua filha e de algumas crianças da comunidade. Zé Maria foi um homem muito importante para toda a luta que se desenvolve na Chapada do Apodi, antes mesmo do seu martírio, do seu assassinato, porque é ele quem articula universidades, é ele quem articula a igreja, é ele quem provoca a sociedade civil a refletir e a perceber os problemas que estava acontecendo na Chapada do Apodi naquela época. Então foi um homem muito importante e continua sendo importante, apesar de ter morrido, ter tombado na luta, continua a ser muito importante, porque foi um homem que deixou um legado para nós, a semente plantada, e daí brota o Movimento 21 de Abril, essa importante articulação que continua a sua luta.
Qual a importância do legado deixado por Zé Maria do Tomé na luta pela Terra e contra os agrotóxicos?
Zé Maria deixa um legado muito importante para nós aqui no Vale do Jaguaribe. Zé Maria deixa uma semente plantada, que é a semente da resistência, e Zé Maria tombou, mas muitos “Zés” e muitas “Marias” surgiram pelo caminho e estão organizados, estão articulados, sejam nas comunidades, seja a partir de movimentos, seja a partir das instituições, todos nós nos unimos para refletir e para lutar, para que a gente tenha um Vale do Jaguaribe livre de agrotóxicos, livre desse modelo perverso que é o agronegócio.
Zé Maria deixa essa semente plantada e nós irrigamos, estamos cuidando dela e os frutos têm vindo aos poucos, a passos lentos ainda, não é o que nós gostaríamos, mas nós temos várias resistências, por exemplo, uma delas é o próprio Acampamento Zé Maria do Tomé. Acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que leva o nome de Zé Maria. Então hoje, o nome de Zé Maria está no Acampamento, está no Ceresta, que é o Centro de Referência Estadual de Saúde dos Trabalhadores, Trabalhadoras e do Ambiente. O nome da Escola Família Agrícola Jaguaribana é Zé Maria do Tomé, a lei que proíbe a pulverização aérea no nosso estado também leva o número do Zé Maria do Tomé e tantos outros espaços, movimentos que têm carregado esse nome. Então, Zé Maria deixou a semente plantada, ela está sendo irrigada, cuidada e os frutos, mesmo que a passos lentos, mesmo que não no tempo que nós gostaríamos, vão surgindo.
Como está a luta por Terra e contra os agrotóxicos na região da Chapada do Apodi?
Nós temos uma região, no Vale do Jaguaribe, que é uma região de muitos conflitos, que é Chapada do Apodi. A Chapada do Apodi é uma região que por ter solos férteis, por ter água, os Aquíferos de Jandaíra, ela passou a ser alvo da expansão da territorialização do agronegócio na região do Vale do Jaguaribe desde a implantação do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi. Então a partir do perímetro, o agronegócio se territorializa, se materializa em nossa região e outros empreendimentos vão chegando. Anteriormente, nós tínhamos a região de Limoeiro e Quixeré com mais conflitos, com mais problemas, mas hoje não é só esses dois municípios, hoje o agronegócio avança e se expande para o território de Tabuleiro do Norte, para outras comunidades camponesas que estão na Chapada.
Então nós temos hoje uma situação de conflitos mais intensos, porque agora não se trata mais de um modelo de fruticultura irrigada, mais de um modelo ainda mais perverso, que é o modelo do “grão negócio”, que é esse mesmo modelo que a gente encontra em outros lugares do Brasil, no cerrado brasileiro, por exemplo, que é a produção da soja, do milho, do algodão, sendo eles transgênicos. Então é esse modelo que se instaura mais recentemente, em 2020, aqui na região, na Chapada do Apodi.
A Chapada é essa região de muitas comunidades camponesas, comunidades que muitas vezes não têm acesso à água do Aquífero, por exemplo, na região de Tabuleiro do Norte, que tem comunidades que são abastecidas por carro pipa. Nós temos territórios na Chapada do Apodi, territórios que são ocupados tradicionalmente por estas famílias que têm o direito negado a água e a outras tantas políticas públicas, mas, ao mesmo tempo, o agronegócio, com todo o seu capital, consegue avançar e consegue se fixar nessas regiões e vai cercando as nossas comunidades, vai cercando as comunidades camponesas aqui da Chapada do Apodi.
Nós temos uma Chapada com muitos conflitos. Por um lado, em Limoeiro do Norte, nós temos o Acampamento Zé Maria do Tomé, que é tão conhecido e que este ano celebra 10 anos de resistência na terra, mas que ainda não foi solucionado. As famílias ainda não têm o direito legal da terra. Ainda está na luta para conseguir o repasse dessa terra e para conseguir viver sem medo de ser expulso a qualquer momento. Por outro lado, a gente vai ter comunidades no Tabuleiro do Norte que estão lutando para permanecer em seus territórios. Comunidades essas que historicamente ocuparam essa região e que estão resistindo, produzindo de forma agroecológica, um território em que a atividade da apicultura se destaca, atividade da caprinocultura. Então são pequenos núcleos que nós temos de resistência.
Nós temos o Acampamento Zé Maria do Tomé e nós temos o território do Tabuleiro do Norte hoje como essas expressões mais fortes de resistência camponesa aqui na Chapada.
Como a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte vem contribuindo com essa luta na região?
A Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte tem o papel de contribuir na organização das comunidades camponesas, de contribuir para que elas percebam as suas potencialidades e os desafios, para que elas consigam apontar os problemas que existem em seus territórios e suas comunidades e que elas consigam, conosco, construir caminhos para superar esses problemas e esses desafios.
A Cáritas tem feito esse trabalho de formação de educação popular, por exemplo, na região de Tabuleiro do Norte, a Cáritas tem uma atuação já desde 2016, fortalecendo a agricultura familiar camponesa, por meio das tecnologias sociais, por meio do processo formativo pautado na educação popular, uma educação libertadora, uma educação que transforma a vida das pessoas. E aí, junto com as comunidades, a Cáritas tem conseguido articular outros parceiros para as lutas, tem conseguido propor caminhos para a comercialização da produção a partir da organização das feiras, tem conseguido contribuir com a experiência da Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), que é uma experiência de resistência camponesa.
A Cáritas tem esse papel de contribuir nessa organização das famílias, de pensar estratégias para melhorar a produção e pensar estratégias para melhorar ou garantir, ou propiciar espaços de comercialização. A Cáritas tem feito esses movimentos junto com os agricultores. É importante deixar claro que a Cáritas não assume o protagonismo perante as famílias, mas a Cáritas constrói junto com elas. O intuito e o papel da Cáritas é de formar, de contribuir na formação dessas famílias para que elas tenham autonomia, para que elas, independente da atuação da Cáritas em suas comunidades, elas consigam fazer esse movimento sozinhas, de luta, de resistência.
Quais os avanços na luta contra os agrotóxicos iniciada por Zé Maria do Tomé?
Como avanços na luta contra os agrotóxicos a gente pode pontuar a própria Lei Estadual Zé Maria do Tomé que proíbe a pulverização aérea no estado do Ceará. Esse é um importante avanço, uma importante conquista que nós temos em nosso estado, porque se nós não tivéssemos, as comunidades da Chapada do Apodi estavam sendo banhadas por veneno. Então a Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea é essencial para as comunidades da Chapada do Apodi e para todos nós que estamos aqui embaixo também, porque a gente sabe que o veneno é trazido pela deriva. Eu queria trazer essa dimensão da Lei, eu acho que essa é uma importante conquista para nós.
Um outro avanço muito importante para nós foi a conquista do Ceresta, que é o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, da Trabalhadora e da Saúde Ambiental. O Ceresta é muito importante porque é um equipamento público, é um equipamento público do SUS que tem esse objetivo de estar próximo aos trabalhadores e trabalhadoras, inclusive apontar essa relação do adoecimento das pessoas com os empreendimentos, com o modelo, com o uso dos agrotóxicos, por exemplo, e outros mais.
O Ceresta é um equipamento público muito importante para nós e que foi uma conquista fruto das articulações, da organização das entidades, dos movimentos populares aqui da região que compõem o M21. Foi uma luta muito grande para conseguir esse equipamento para a cá, para Limoeiro do Norte e, inclusive, para que ele tivesse em sua sigla o “ambiental”, porque o Ceresta, em sua dimensão, ele traz o cuidado com o trabalhador e com a saúde ambiental, e hoje a gente tem a Márcia na direção do Ceresta, Márcia que é filha de Zé Maria do Tomé.
Um outro avanço são as próprias pesquisas que nós temos hoje, que são basilares para o nosso diálogo com a sociedade, para o nosso diálogo com o governo, seja ele no âmbito municipal, estadual ou federal, para pautar nas incidências políticas esse cuidado, de fato, com as comunidades e com todos nós que estamos expostos ao uso dos venenos pelos grandes empreendimentos. Essas pesquisas trazem esse alerta para nós, da contaminação das pessoas, do adoecimento, do aumento da morte por câncer, do aumento de malformações congênitas, puberdade precoce e tantos outros problemas, problemas muitas vezes que são subnotificados, que não são reconhecidos como problemas de exposição aos agrotóxicos. Então ter essas pesquisas, a partir das universidades como, por exemplo, o Núcleo Tramas e tantas outras que tem pesquisado a região são muito importantes porque mostram e comprovam, a partir da ciência o que as comunidades percebem, o que os movimentos percebem, o que as organizações percebem, que o nosso povo está sendo contaminado, que o nosso povo está sendo envenenado, que o nosso povo está morrendo, que os animais estão morrendo, que as abelhas estão morrendo, sendo contaminadas por veneno.
O que ainda há para avançar nessa pauta?
Apesar dos diversos avanços que nós temos, nós continuamos com muitos problemas na região, porque os problemas que a gente já tinha se ampliaram. Houve essas conquistas que são extremamente importantes, mas, apesar dessas conquistas, e de outras que eu nem citei, o agronegócio tem muita força e ele tem as mãos do estado também. Enquanto a gente se organiza, enquanto a gente luta, enquanto as comunidades lutam, os movimentos lutam, as universidades que estão junto com as comunidades, igreja, enquanto a gente vai construindo perspectivas outros empreendimentos chegam, intensificam ainda mais os problemas, então a gente ainda precisa avançar muitas questões nesse sentido, mas é muito desafiante. Como é que você avança nessa pauta quando o estado abre as portas para novos empreendimentos, empreendimentos gigantescos que vão chegando cada vez mais na nossa região?
Quais são os maiores desafios dessa luta na região?
Um dos grandes desafios aqui na região, nessa luta contra os agrotóxicos, é a quantidade de agrotóxico que é utilizada, os tipos de agrotóxicos que são utilizados, que a gente nem consegue ter conhecimento, saber de fato quais são os danos à saúde humana e ao ambiente. Nós temos uma quantidade gigantesca de agrotóxicos sendo depositados no solo, não se tem uma análise da qualidade da água, por exemplo, e em 2010, a própria COGERH já constatava vários princípios ativos dentro de poços no Aquífero Jandaíra, aqui na Chapada do Apodi, em Quixeré. Então é uma carga de agrotóxico gigantesca sendo depositada na Chapada, que contamina a água, que contamina o solo, que contamina o ar, que contamina os trabalhadores, as trabalhadoras, que contamina as comunidades, que têm matado abelha, que contamina a abelha e os outros animais. Então nós temos essa grande questão aqui na Chapada do Apodi, que é essa quantidade de agrotóxicos sendo utilizadas diariamente.
Além disso, há também uma dificuldade em notificar os casos de adoecimento das pessoas, relacionando com o uso dos venenos. O próprio Ceresta Zé Maria do Tomé tem apontado essa dificuldade do Sistema Único de Saúde, a partir dos postos de saúde, dos hospitais correlacionarem algumas doenças com a exposição, ao uso de agrotóxicos. Então há uma subnotificação dessas informações que são extremamente relevantes para essa luta contra os agrotóxicos. Nós sabemos, nós já temos dados de que em nossa região há um índice de morte por câncer 38% a mais do que em outras regiões em que a gente não tem esse modelo, mas nós não conseguimos atualizar mais esses dados, a gente não tem um novo dado e há essa dificuldade nessas informações, porque há uma dificuldade desses dados chegarem ao Sistema Único de Saúde.
Um novo desafio agora posto para nós é a solicitação dos agropecuaristas em defesa da flexibilização da Lei Zé Maria Tomé para que seja utilizado drone, justificando que o drone não se enquadra em uma pulverização aérea. Então esse é um desafio que nós iniciamos agora, acabamos de vencer praticamente a aprovação da Lei, para garantir que não haja pulverização aérea no Ceará. Foi uma luta gigantesca para conseguir garantir isso e agora se apresenta para nós esse outro desafio, que querem burlar a Lei para dizer que o drone tem uma precisão e que, portanto, não há tantos riscos, não há riscos como na pulverização por aeronaves. É uma preocupação gigantesca para nós. Nós não temos informações dessa segurança, mas também nós não concordamos com a utilização dos agrotóxicos, seja ele por aeronave, por drone, por trator, seja de que forma for, nós queremos é a agroecologia, nós não queremos veneno na mesa, nós não queremos veneno na nossa alimentação, nós não queremos veneno no ar, nós não queremos veneno na água.
Este ano, a Semana Zé Maria do Tomé chegou à sua 13ª edição. Quais são os objetivos dessa ação e qual a importância da sua realização?
A Semana Zé Maria do Tomé é uma semana intensa de muitas ações. Este ano começamos com a feira e finalizamos com a Romaria da Chapada e é uma semana de intensas ações, que tem o objetivo de dialogar com a sociedade, de continuar reafirmando a denúncia que Zé Maria fazia, de continuar mostrando a nossa preocupação e as lutas contra esse modelo de desenvolvimento que nós temos na região. Então, é um momento de denúncia, mas também é um momento de anúncio. É um momento de mostrar para a sociedade aquilo que nós temos construído, aquilo que nós temos feito, então é um momento de também de reafirmar o projeto de sociedade que nós queremos.
A Semana Zé Maria do Tomé também é um espaço de trocas de saberes, de partilhas entre universidade, entre comunidades, entre pesquisadores, então é um momento também de fortalecer a nossa luta que muitas vezes a gente se sente isolado nos nossos coletivos, organizações e esses momentos também propiciam esse encontro entre essa diversidade tão grande que nós temos de lutas aqui no Vale do Jaguaribe.
Uma das grandes atividades da Semana Zé Maria do Tomé é a Romaria da Chapada do Apodi. Explica para nós que é essa Romaria.
Uma das ações da Semana Zé Maria do Tomé é a Romaria da Chapada, que anualmente é realizada no dia 21 de abril, com exceção de alguns anos, como é o caso desse ano, que foi realizada no dia 20 de abril. A Romaria nasce a partir do assassinato de Zé Maria e ela nasce com esse intuito de continuar dando visibilidade às lutas que nós temos na região. Ela nasce com o intuito de fazer ecoar as pautas, as bandeiras de luta, continuar cobrando pela justiça, contra o crime cometido contra o Zé Maria e toda sua família. A Romaria tem esse caráter de trazer as denúncias, de cobrar a justiça pelo crime cometido contra Zé Maria, mas também ela tem um caráter celebrativo. Ela tem um caráter de também dar visibilidade aos anúncios, às lutas, às ações, às resistências camponesa, de dar espaço para também a gente ver aquilo que há de bom, que é fruto de um trabalho tão grande das comunidades, das organizações e movimentos.
A Romaria é esse momento de encontro, é o momento do afeto, é o momento de fortalecer nossa espiritualidade, fortalecer as nossas lutas, é o momento de olhar no olho do nosso companheiro, da nossa companheira, de abraçar, de rir, de cantar, mas sem perder também o caráter profético de trazer a denúncia das injustiças que nós temos aqui no Vale do Jaguaribe.
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Edição: Camila Garcia