Nas últimas semanas acompanhamos a queda de braço entre o multibilionário sul-africano radicado nos Estados Unidos Elon Musk e o Ministro Alexandre de Moraes em torno do cumprimento de suspensão judicial de perfis de pessoas envolvidas em inquéritos onde se apuram a ameaça à ordem democrática e a abolição violenta do Estado democrático de Direito. Em postura afrontosa, o empresário afirmou que não se submeteria às ordens judiciais do STF. Se esta fosse uma declaração de um representante político de um país, inauguraria desde logo, uma crise diplomática grave, pois houve um desrespeito à Soberania do Brasil devido ao não acatamento às normas e às decisões de poderes constituídos.
Este conflito Musk x Moraes nos evidencia a nova lógica organizativa da geopolítica do Mercado. Se no período da ascensão burguesa ao poder constituído, e momento de criação dos Estados Nacionais, se guerreou para estabelecer fronteiras e territórios, demarcando a sangue e ferro cada pedaço da terra, hoje as grandes corporações, para atenderem às leis de mercado e às suas ambições de crescimento e de lucro, quebram a ordem instituída, patrocinam golpes de Estado, e pressionam economicamente países para desrespeitarem as suas normas e com isso rompem os limites dos territórios. Na Era Contemporânea o Capital se desenraiza de forma mais aguda, e se constitui como um poder paralelo aos Estados e com leis próprias.
Esta nova configuração econômica, gera um gigantesco desafio para o Direito Internacional e em especial para o Direito Internacional Humanitário, pois as grandes corporações conseguem ter força econômica e política igual ou maior do que um Estado, e por isso conseguem peitar e disputar internamente com força e potência típica de um sujeito internacional. Isso resulta no enfraquecimento de instituições legítimas e que, mesmo com suas debilidades e limitações, são fundamentais para um arcabouço institucional e organizativo de um povo e de uma sociedade. O que se mascara neste tipo de disputa, é a violência contra a Soberania de um Estado e a fragilização da segurança interna de um povo e da independência nacional. Se antes a Soberania era um instrumento útil à burguesia, hoje ela se mostra um empecilho ao mercado e uma ferramenta importante para a defesa de um povo. Mas por que a Soberania é importante para um Estado periférico como o Brasil?
A Soberania é um dos três elementos constitutivos do Estado Nacional Moderno burguês, além do Território e da Nação. A sua importância se dá por que ela é a autoridade política e jurídica do Estado. Um país soberano é um país que tem poder para escrever, mudar, interpretar e aplicar as suas leis em todo o seu território. E por mais que existam cada vez mais normas internacionais, estas só são aceitas com força de legislação nacional, se forem ratificadas pelo parlamento daquele país. Portanto, está vinculada à condição de Estado soberano, o respeito e atendimento às normas legais criadas ou aprovadas pelo poder legislativo interno.
Mesmo que saibamos que ao longo de sua história o judiciário brasileiro já tenha protagonizado várias intervenções antidemocráticas, ou mesmo tenha se mostrado permissivo ou omisso diante de arbitrariedades ditatoriais e de violações de direitos, o que vemos agora, é diferente. As ações do multibilionário Musk promovem um acintoso ataque ao país e até à segurança de seu povo. Para além do conteúdo do conflito, que é a liberação de perfis antidemocráticos e golpistas, a própria forma como tem procedido o bilionário, revela bem a lógica autoritária do Capital. Se igualando a um Estado, o empresário pretende obrigar que as suas empresas sigam apenas o seu comando e as suas regras, em completo desrespeito as leis pátrias.
Se compreendemos que a luta de classes é internacional, temos nestes últimos episódios, a prova cabal e atualizada de que a nossa missão histórica é de caráter internacionalista e que precisamos unir toda a classe trabalhadora contra o fascismo.
*Advogada, pertence à Executiva Nacional da ABDJ - Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Camila Garcia