O que ainda há para avançar no que diz respeito aos direitos das mulheres? Como o poder público vem garantindo os direitos e a segurança das mulheres? Qual o papel da Defensoria Pública do Estado do Ceará para essa garantia de direitos? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Jeritza Lopes, Defensora Pública supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Confira.
Qual o papel da Defensoria Pública do Estado do Ceará na defesa dos direitos das mulheres?
Primeiramente a Defensoria Pública é uma instituição democrática, que visa garantir o acesso a direitos de pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. A própria Constituição determina que cabe à Defensoria a expressão como instrumento do regime democrático, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial. A Lei Maria da Penha também deu à Defensoria Pública um protagonismo muito grande na medida em que cita a Defensoria Pública em vários artigos da Lei, orientando a criação de núcleos especializados, tanto é que foi criado aqui o Nudem, que é o nosso Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
A Lei Maria da Penha traça um plano de prevenção da violência doméstica. Então ela orienta a realização de rodas de conversa, educação e direitos, divulgação de material informativo, cartilhas, folders, então esse é um grande objetivo, a gente conversar com as pessoas, com homens, com mulheres, para a gente desconstruir essa cultura machista, esse patriarcado. A gente tem esses papéis bem estereotipados hoje em dia e isso faz com que aumente a desigualdade. A gente sabe que o machismo é uma ideologia de dominação, que subjuga as mulheres, coloca as mulheres em uma situação de vulnerabilidade e os homens se sentem à vontade para cometer as mais variadas formas de violência. Então, o grande papel da Defensoria Pública é esse, defender os direitos humanos, atender as mulheres, as mulheres que se encontram em uma situação de vulnerabilidade, para que elas saibam os direitos que elas têm e a partir desse conhecimento elas possam exercer.
Quais ações a Defensoria Pública do Estado do Ceará vem realizando para garantir os direitos das mulheres no estado?
Além desse atendimento e a orientação jurídica e extrajudicial que a gente faz, sempre buscando o atendimento humanizado, sempre buscando validar, a fala dessa mulher porque a gente sabe que muitas vezes as mulheres deixam de procurar seus direitos porque elas acham que elas não vão ser acreditadas, que ninguém vai acreditar. A violência ela pode ser de várias formas, não só a violência física, mas tem a violência física, tem a violência psicológica, tem a violência moral, tem a sexual e tem a patrimonial, e muitas vezes essas violências acontecem no ambiente doméstico, dentro de casa, então a mulher pensa: “mas como é que eu vou na delegacia denunciar se ninguém viu?”, ou que não tem testemunha, “ninguém vai acreditar em mim”, muitas vezes a própria família não quer que ela busque ajuda, porque tem aquele outro lado: “Ah, mas ele sustenta a casa”, “ele é provedor”, “ele é um bom pai”. É um problema tão sério, porque essas mulheres viveram uma vida inteira, muitas vezes presenciando a mãe sofrer essa violência, então a mulher acaba naturalizando essa situação.
É muito importante a gente ter esse trabalho de educação em direitos para que ela consiga entender que não é nada disso, que a Defensoria está ali para ela, que ela vai ser ouvida, que ela vai ser acreditada, que a palavra dela tem poder. É importante registrar isso. A palavra da vítima de violência doméstica tem um peso muito grande porque o legislador sabe que essa mulher foi vítima de violência e não tem testemunha, e não tem provas. A palavra dela é suficiente para ela registrar um boletim de ocorrência, pedir uma medida protetiva, e para ela ir à Defensoria Pública não é necessário ter nenhum desses instrumentos, nem boletim de ocorrência, nem medida protetiva, basta ela comparecer, basta ela vir que ela vai ser ouvida, que ela vai ser atendida.
A Defensoria Pública interpõe todas as ações que ela necessita para combater, para romper essa violência doméstica, já que a gente tem um leque grande de educações, ações de divórcio, partilhas de bens, as ações de alimentos tanto para a própria mulher, quando ela não tem condições de ingressar no mercado de trabalho, ou porque ela nunca trabalhou, porque às vezes ele nunca deixou, ela sempre foi deixada para cuidar do lar, da casa, dos filhos, do marido. Então a gente pode, inclusive, entrar com ação de alimentos em favor dessa mulher, ações de alimentos para os filhos, o reconhecimento de união estável com partilha de bens, porque muitas relações são apenas de união estável então é preciso também formalizar esse término para que ela consiga ter os seus direitos.
A gente entra com a ação também de reparação de danos moral, dano material, regulamentação da questão da guarda. Existe até uma Lei agora, de 2023, que determina que a mulher que é vítima de violência doméstica, preferencialmente a guarda tem que ser unilateral, que é difícil você ter uma guarda compartilhada com um pai onde essa mulher foi vítima de violência doméstica, onde eles não conseguem manter um relacionamento. Como é que você vai resolver a vida dessa criança, dos filhos, como é que você vai dialogar, conversar? E muitas vezes tem até uma medida protetiva, o próprio poder público determina que esse agressor se mantenha distante dela. Então agora a gente entra com ação pedindo a guarda unilateral para essa mãe e regulamenta a questão das visitas.
A gente também sai dos nossos gabinetes, a gente realiza rodas de conversa, como eu falei anteriormente na divulgação de material educativo, a gente vai para as comunidades, vai nas escolas públicas, vai em órgão, o objetivo realmente é divulgar a Lei Maria da Penha, explicar, falar, conversar com as pessoas para que elas entendam os tipos de violência, o que é dependência, quais são as dependências que se manifestam nessas mulheres, porque elas se mantém presas em uma relação abusiva, em um relacionamento tóxico, um relação violento. Não é porque essa mulher gosta é porque ela está com dificuldade de realmente sair dessa relação. A gente vai esclarecer quais são as formas de dependência, como a gente consegue ajudá-la.
Então assim, é um leque grande de atuação que o Nudem faz.
Em quais situações a mulher pode acionar ou procurar a Defensoria Pública?
A mulher pode acionar a Defensoria Pública em todas as situações. Se ela tiver em situação de vulnerabilidade, ela pode procurar a Defensoria Pública. A gente está falando aqui do Nudem, que é o núcleo que eu atuo, mas a Defensoria Pública, de uma forma bem geral, só para explicar, tem vários núcleos temáticos. A gente tem o Núcleo do Consumidor; se tem uma demanda de saúde... “eu preciso fazer uma cirurgia que está demorando, não consigo vaga”, ou então “eu preciso tomar uma medicação e essa medicação é cara e não tenho condição de comprar”, acione o Núcleo da Saúde da Defensoria Pública; “ah, eu tenho um plano de saúde, mudou o valor, não tenho condições de pagar”, acione o Núcleo do Consumidor. A gente tem o Núcleo da Infância também, tem Núcleo de Moradia, Tem Núcleo de Direitos Humanos, Núcleo da Criança, da Mulher, Núcleo do Idoso, é um leque grande de núcleos temáticos que a Defensoria Pública tem, basta entrar em contato com o número 129, que você vai ser informada do telefone de contato para fazer o agendamento, do endereço, do endereço de e-mail também. Então a Defensoria Pública está de portas abertas para atender todas as mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Quais são os municípios onde o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública atua e está presente?
A gente tem alguns núcleos temáticos, como aqui em Fortaleza que a gente tem o Nudem, que é o Núcleo de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher, a gente também tem em Caucaia, em Maracanaú e tem no Crato, e além desses núcleos temáticos, o governo estadual também criou as Casas das Mulheres Cearenses e tem a Casa da Mulher Brasileira aqui de Fortaleza. É importante registrar o grande avanço quando a gente fala em termos de políticas públicas desses equipamentos. São equipamentos que reúnem todos os órgãos que atuam no enfrentamento à violência contra a mulher.
Em seu site, a Defensoria Pública do Estado do Ceará informou que registrou, no ano passado, um total de 11.0408 atuações em casos de violência contra a mulher. Como é que está essa realidade atualmente?
A gente teve um aumento de atuações de 58% em relação a 2022 e aí a grande pergunta que a gente faz é: “A violência aumentou ou as mulheres passaram a tomar mais conhecimento dos seus direitos?”, então a gente acredita que realmente é justamente essa segunda resposta. As mulheres estão sim mais atentas, as mulheres estão sim sabendo o que é a violência. Antigamente você perguntava quem sabia o que era a Lei Maria da Penha e um número bem pequeno de mulheres respondiam que sim, hoje a gente tem respostas diferentes, com números muito maiores. Estou nessa temática a bastante tempo e eu nunca vi um esforço tão grande da sociedade, do poder público nessa temática, é notório o esforço do estado, como eu falei, com a construção das Casas da Mulher Cearense. Realmente essa temática ganhou uma visibilidade muito grande, e é notório o empenho.
A mulher que está passando por alguma situação de retirada de direitos pode acionar a Defensoria Pública de que forma? Quais os canais de comunicação?
Se ela morar em Fortaleza, a gente está aqui na Casa da Mulher Brasileira, e ela pode vir até aqui, o atendimento é presencial, das 8h até às 17h, de segunda à sexta-feira. Se ela morar no interior do estado, ela pode procurar também a Defensoria Pública, porque mesmo que não tenha núcleo temático, os defensores que estão em atuação no interior têm também capacidade de atender essa mulher que é vítima de violência. E se ela morar nos municípios onde têm núcleo especializado ela deve procurar a Defensoria Pública. É importante que ela procure. Não é necessário que ainda esteja ocorrendo a violência, nos primeiros sinais ela pode procurar só para ser orientada.
A gente precisa que a sociedade realmente acorde. As mulheres precisam, a sociedade, todo mundo precisa ajudar as mulheres. Se você ver uma mulher gritando, pedindo socorro e você não faz nada, você está sendo omisso. O mínimo que você poderia fazer era ajudar, ligar para a polícia, ligar para o 190. A gente precisa acordar para essa situação.
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Edição: Camila Garcia