Temos que fortalecer o trabalho de base e reencantar os corações e mentes do povo brasileiro.
Essa semana na fisioterapia, pelo Sistema Único de Saúde, o nosso SUS é importante que se diga, vivi uma situação interessante, mas bem difícil. Primeiro dizer que estou fazendo esse tratamento no pé esquerdo para umas dores que sinto e tenho aproveitado o momento, na medida do possível, para um momento integral de cura (parecendo um bicho grilo falando né? hahaha), então aproveito para ler poesia, contos, para pensar um pouco na vida que não envolve o trabalho, para relaxar, de fato, no processo, mesmo que as condições do local onde faço esse tratamento não sejam as ideais, pois é um local privado que presta serviço ao SUS e que na ânsia do lucro cada vez maior (não consigo pensar outra explicação) funciona em um prédio em condições no mínimo fora do ideal com suas goteiras, paredes sujas, pedaços do forro faltando, sem janelas, cadeiras velhas, onde os pacientes tem que levar o gel para massagem e uma fisioterapeuta, dona do local, que quase nunca se vê. Todavia, sua equipe (ao menos a parte que tenho contato) trabalha muito bem e de forma atenciosa.
Passada essa contextualização do cenário entremos no assunto em questão. Como começava dizendo, estava essa semana na fisioterapia e numa cadeira entre e minha maca e a maca vizinha senta uma senhora branca de aproximadamente uns 40 anos, com um padrão de vestimenta que marcava uma certa diferença para a maior parte das outras pessoas, indicando que ela provavelmente era mais próxima da classe média. Ela não parou de falar quase minuto nenhum enquanto estava ali, falou de banalidades a barbaridades. E eu tentando ler o meu livro de contos.
A primeira coisa que ela falou era como estava toda se tremendo, pois quando vinha em seu carro para a clínica uma senhora se atravessou em sua frente quando o sinal estava verde para ela, mas seu tremor não era por quase ter atropelado a idosa desatenta e sim porque essa idosa lhe olhou nos olhos e sorriu, possivelmente porque não aconteceu nada, mas para a que dirigia lhe pareceu ofensivo. Nisso começou uma conversa sobre manter os mais velhos em casa ou só permitir sua saída sob supervisão de terceiro, lhes cerceando a autonomia. Penso sempre que é papel do Estado educar toda a sociedade para lidar com as diferenças e pensar as cidades de forma que todas as pessoas, independente de condição física, etária, psíquica ou qual seja possa usufruir da cidade. Mas as cidades no geral são pensadas para os carros e para o capital, nunca para as pessoas.
Depois disso entrou-se noutro assunto ainda mais polêmico, jovens menores de idades que ao fazer “coisa errada” nas ruas se envolviam em acidentes que, porventura, levaram a morte de idosos e com eles não acontecia nada, nenhum tipo de penalização. A discussão da maioridade penal, da penalização de crimes e do encarceramento em massa é séria e precisa ser socializada com toda a população, poucas pessoas entendem os meandros que envolvem esse debate e a imprensa comercial ou não fala sobre isso ou fala para defender a penalização de sujeitos, que muitas vezes não tiveram acessos múltiplos, como família, educação, acompanhamento psicossocial…
Mas a cereja do bolo da discussão entre essa senhora, uma outra que estava na maca atrás de mim e algumas das fisioterapeutas que atendiam na sala onde eu estava era sobre a vacina da covid. Não lembro ao certo como entraram nesse assunto, mas a senhora branca de seus 40 anos, e nessa hora descobri cristã, possivelmente evangélica, em um tom mais alto falou que tinha tomado as primeiras vacinas, mas que não ia tomar a bivalente, que já estava bom, que agora o povo que estava tomando a vacina estava morrendo, aí ela citou o caso de um cantor gospel que, segundo a informação que ela tinha, havia morrido por causa da vacina. Uma das atendentes tentou dissuadi-la dessa visão defendendo as vacinas e a importância de tomar, mas ela retrucou de uma forma que parecia o Bolsonaro falando: “essas vacinas não prestam, foram feitas pela China e nada feito pela China presta”. A paciente que estava na maca de trás e mantendo a conversa com a senhora questionou: “mas não foram feitas no Brasil essas vacinas?”, ao que a senhora branca cheia de convicção taxou que não importava, pois havia sido criada pelos chineses e que por isso não prestava e a paciente meio desconcertada aceitou.
O conservadorismo de base fascista bolsonarista está cada vez mais forte e presente em nosso dia a dia e eles não tem medo de falar as barbaridades que acreditam, de verbalizar seus preconceitos e violências. Inclusive, eles têm chegado com força junto a classe trabalhadora e tem imposto sua forma de pensar em nosso meio. Precisamos pensar caminhos de combater esse avanço, temos que ampliar e qualificar a disputa ideológica, fortalecer o trabalho de base e reencantar os corações e mentes do povo brasileiro para a revolução e isso precisa acontecer a todo momento e em qualquer local, precisa ser nossa obsessão.
*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa