Marília Ferreira, comerciante, 45 anos, afirma que apesar das chuvas, Fortaleza nunca esteve tão quente. “É um abafado sufocante. Até o vento do ventilador é quente. Antes eu fugia para caminhar no Parque Rio Branco, limpar a vista, mas tá fechado para reforma há quase um ano,” desabafa a moradora do Bairro Joaquim Távora. “Sempre tivemos medo da segurança, mas com o Parque fechado é pior porque não dá para ver o que acontece lá dentro”. Essa é outra opinião da comerciante ao se referir a uma das poucas áreas verdes que resistem em Fortaleza.
Sobre o calor, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) informou que o Ceará registrou, no final de 2023, temperaturas até três graus mais altas do que o esperado. Em Fortaleza, as médias são inferiores, mas também seguem esquentando.
Segundo especialistas, o calor pode ser relacionado ao fenômeno das mudanças climáticas, mas é preciso considerar os impactos que a urbanização acelerada causam na qualidade de vida na capital. Verticalização com o barramento da circulação do vento, adensamento excessivo em diversos bairros, a ampliação das áreas impermeabilizadas, inclusive com a adoção de pavimentação asfáltica, são algumas intervenções que impactam diretamente a sensação térmica na cidade.
Frente a essa realidade, o arquiteto e o professor da Universidade Federal do Ceará, Renato Pequeno destaca a importância do incentivo e preservação das áreas verdes de Fortaleza. Ele afirma que além do clima, esses espaços favorecem o convívio social e trazem segurança para o espaço urbano, portanto deviam ser prioridade.
“Uma cidade dotada de áreas verdes, especialmente em seus espaços públicos, favorece o convívio social, atrai os moradores ao seu entorno. Como resultado, tem-se uma sociedade menos apartada, mais tolerante, inclusive, podendo ser utilizada por grupos de diferentes faixas etárias. Especialmente nas proximidades de favelas e comunidades urbanas, onde os espaços das moradias são reduzidos, a presença destes espaços livres urbanizados e dotados de cobertura vegetal, poderiam garantir maior qualidade de vida para seus moradores”, detalha Pequeno.
Para tanto, o professor avalia ser necessário vontade política dos gestores públicos, que no caso de Fortaleza, sofrem muita pressão do mercado da construção civil. “Há setores, como aqueles vinculados ao mercado imobiliário, que apresentam uma visão bastante contraditória. Mostram-se favoráveis à redução de áreas verdes, promovendo pressões para que a nossa legislação seja alterada para a construção de novos empreendimentos. Entretanto, se apropriam da natureza como instrumento de valorização imobiliária para promover a verticalização nas bordas de lagoas e parques, como o Cocó, o Raquel de Queiroz e outros.”
O resultado dessa disputa é que as áreas verdes ficam restritas a quem pode pagar. Infelizmente, apesar de provocarem o debate sobre meio ambiente, movimentos e sociedade civil ainda influenciam muito pouco no planejamento urbano. Renato Pequeno explica que “apesar dos esforços de movimentos populares, de ambientalistas e outros atores progressistas, os processos de planejamento e as instâncias de controle social têm sido amplamente dominados pelos grupos hegemônicos, que veem nos elementos da natureza um impedimento para garantir a manutenção de sua margem de lucro”.
Desde de 2020 a Prefeitura Municipal de Fortaleza possui um Plano de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. Ele segue recomendações de convenções internacionais para mitigar impactos. Mas, o professor Renato afirma que as medidas mitigadoras e/ou adaptativas, não saíram do papel.
O BdF procurou a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, mas até o fechamento da matéria não houve retorno. Em seu site, a Prefeitura de Fortaleza informa algumas das ações que vem sendo tomadas para a preservação de áreas verdes na capital como, por exemplo, a ampliação de cobertura vegetal da cidade, cumprindo as metas do Plano Municipal de Arborização. Em 2023, mais de 80 mil mudas foram plantadas e distribuídas na Capital. No somatório da gestão, entre 2021 e 2023, o número ultrapassa 230 mil mudas.
A Prefeitura de Fortaleza também vem construindo os Microparques Urbanos, que fazem parte de uma política de valorização dos espaços verdes. A ideia é que até o final deste ano sejam entregues um total de 30 Microparques Urbanos à população. Desses, até o momento, foram entregues seis. Sobre o Parque Rio Branco, em matéria da PMF, de dezembro, o prefeito Sarto afirmou que a reforma do Parque estava com 35% dos serviços finalizados, com previsão para conclusão em abril de 2024. As obras começaram em junho de 2023.
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Edição: Camila Garcia