Entra fevereiro é sempre do mesmo jeito, o todo mundo só pensa em glitter, fantasia e na programação dos blocos e shows que tomam conta das ruas. Assim que passa, vem um luto repentino e a saudade invade a alma dos foliões. A única alternativa é esperar ansiosamente pelo ano seguinte, quando a maior festa popular do país certamente vai voltar.
Apesar desses intensos sentimentos, poucas pessoas sabem a origem da festa popular. Em Fortaleza, os festejos carnavalescos tiveram início no século XX, com influência da cultura francesa ao Ceará. Um tempo conhecido como “Belle Époque”, quando a capital passou a experimentar pequenas celebrações entre familiares e amigos que percorreu um longo caminho até se massificar.
Em 1910, Fortaleza viveu um crescimento urbano significativo, a chegada da luz elétrica, do telefone e a construção de edificações que mudaram vida na cidade, bem como, atraíram famílias vindas de outras terras, interessadas nos progressos locais. Assim se formaram tradições como corsos, carros alegóricos e expressões artísticas que faziam críticas políticas. Em 1930, a capital passou a realizar de forma oficial festejos de carnaval nas ruas da cidade, dando um caráter popular da festa antes restrita aos “petits comitês”. De acordo com a doutora e socióloga, Vanda Lúcia Borges, até a década de 1930, os eventos eram de iniciativas elitizadas que foram ganhando contornos populares, quando a participação do passou a dividir o palco com as classes dominantes.
Vanda Lúcia revela que o Carnaval de Fortaleza foi pensado a partir do conjunto de influências vidas das maiores cidades do Brasil. “Aqui era uma extensão da festividade que foi se consolidando como uma expressão de caráter nacional e de participação popular, que fundou essa noção de integração e nacionalidade”, aponta. A socióloga ressalta também que o surgimento do maracatu em 1936 trouxe uma nova maneira de se produzir as festas carnavalescas, com o incremento de fantasias e vestimentas, dança e música, marcadas pela extravagância em cada detalhe. “No começo, o incremento dessas manifestações não eram tão bem aceitas pelas classes dominantes, mas foram ganhando seu espaço na imprensa e nas tradições fortalezenses”. Mesmo com o passar do tempo e das formas de brincar carnaval, que tornaram a festividade gigantesca, independente de investimentos públicos os grupos de maracatu seguiram resistindo até hoje.
O primeiro bloco a desfilar pelas ruas de Fortaleza foi o Prova de Fogo. Entre os maracatus, o pioneiro foi o Az de Ouro. Segundo seu atual coordenador, Marcos Gomes, tudo começou a partir de uma viagem por Raimundo Feitosa para a cidade de Recife, em Pernambuco. A experiência proporcionou ao fundador do maracatu fortalezense o contato direto com diversas manifestações culturais. “Então, o Maracatu, ele tem essa história. Tive a oportunidade de conhecer o fundador, que infelizmente faleceu em 1994, e também o mestre Juca do Balaio, falecido em 2006. Me encontrei no maracatu ainda criança e cresci dentro dele”, afirmou.
Maracatu cearense
O maracatu é a mais tradicional dança dramática de origem afrodescendente presente na cultura do povo cearense. Um cortejo formado por baliza, porta-estandarte, indígenas, africanos, baianas, calunga, negra do incenso, balaieiro, casal de pretos velhos, pajens, tiradores de loas e batuqueiros, em reverência a uma rainha negra e sua corte real. O ritmo que embala os desfiles é apresentado por um grupo de percussão que lhes confere um timbre característico e uma sonoridade marcada pela batida do ferro.
Apesar da popularidade, somente em 2015, ao Maracatu se tornou patrimônio imaterial de Fortaleza, consagrando uma manifestação popular de resistência. Nos bastidores, Marcos Gomes revela que o trabalho é constante e começa com o encerramento do ciclo carnavalesco do ano anterior. “A gente organiza reuniões para definição do tema do ano seguinte, definir a loa, datas de encontros para ensaios, periodicidade e a parte estrutural do próprio Maracatu”.
Maracatu Az de Ouro
Em 2024, o grupo levou para as avenidas mais de 250 brincantes, com o tema – Na batida do tambor, nosso canto de fé para Exu. “Nossa ideia foi tirar essa impressão de que Exu é coisa ruim. É não, Exu é coisa boa, é paz, tranquilidade, abertura de caminhos para a felicidade, para o amor, para toda uma forma de vida por bem”, encerrou. Vice-campeão no carnaval do ano passado, o Maracatu Az de Ouro ficou em sexto lugar em 2024. Marcos revelou que “foi linda demais a festa, a tristeza por perder dura pouco porque 2025 é logo ali.”
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Edição: Camila Garcia