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Entrevista | "Temos caminhado para o reconhecimento cada vez maior da cidadania das pessoas autistas"

Alexandre Mapurunga conversou com o BdF sobre o Estatuto da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista do Ceará

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Alexandre Mapurunga, diretor técnico da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas, a Abraça. - Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

O governador do Ceará, Elmano de Freiras sancionou a Lei nº 18.642 que institui o Estatuto da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista do Ceará em todo o estado. O estatuto que reúne e estabelece direitos, normas e critérios básicos para ampliar a inclusão social e cidadania participativa plena e efetiva da pessoa com Transtorno do Espectro Autista. E para falar sobre essa iniciativa o Brasil de Fato conversou com Alexandre Mapurunga, diretor técnico da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas, a Abraça. Confira.

O que é o autismo?

Bem, o autismo é considerado uma diferença neurológica, uma neurodivergência, a partir do paradigma da neurodiversidade que acontece com pessoas em que, em função das características que essas pessoas têm, elas apresentam, vamos dizer, elas sentem o mundo, aprendem, se desenvolvem de uma maneira diferente, é como hoje está se chamando de um desenvolvimento atípico.

O autismo é considerado também uma deficiência, não por conta dessas características, mas por conta das barreiras e dos preconceitos que são impostos às pessoas que são neurodivergentes, que são as pessoas autistas. Então, nesse sentido, o autismo tem algumas características comuns, né? Algumas pessoas têm essas características, a gente pode dizer assim, o apego a rotina, a questão sensorial, essas questões que por conta que a nossa sociedade foi construída privilegiando determinado tipo de cérebro e de mentalidade essas pessoas acabam sendo excluídas de diversos contextos, passando por uma série de privações, inclusive, em um contexto escolar, falta de apoio, de atendimento multidisciplinar e por aí vai.


O mês de abril é marcado como o mês de conscientização do autismo, com dia D no 2 de abril / Marcelo Camargo/Agencia Brasil

Você falou de preconceitos. Gostaria que você falasse sobre esses preconceitos e tabus sobre o autismo.

Ainda existem muitos tabus relacionados ao autismo, a ser uma pessoa com deficiência. Eu, por exemplo, tenho diagnóstico tardio como pessoa autista e esses tabus envolvem, por exemplo, você imaginar, inclusive, é muito dito isso, que pessoas autistas são anjinhos, tem até aquela expressão “anjo azul”. Isso implica que a pessoa não desenvolve sua autonomia, sua sexualidade, às vezes não tem capacidade de trabalhar, de ter uma vida com autonomia e isso está implicado a partir de um preconceito que a gente denomina de capacitismo, e tem a ver com essa imposição de uma normalidade que a nossa sociedade tem. 

Então, como a pessoa é diferente, ela acaba sendo prejudicada sem os apoios que a gente de fato necessita, entendeu? Hoje em dia as pessoas autistas passam por essa esses tipos de situações, quer dizer, há uma visão, né? A própria visão que se tem do autismo, apesar de estar melhorando, ainda é uma visão muito estigmatizada e, por conta dessa visão estigmatizada, você tem dificuldade de se recorrer aos apoios no ambiente de trabalho, na escola, e da sociedade oferecer, vamos dizer assim, um acolhimento que nós precisamos.

Também tem uma outra situação que é decorrente disso, que as pessoas autistas não são só autistas. Ninguém é só uma coisa na vida. Você é uma pessoa autista, você também é mulher, você também é preto. Você também tem uma orientação sexual e aí essas condições, se elas se interseccionam, ou seja, se você é uma pessoa autista e você tem uma condição de ser trans isso vai ter uma intersecção que, além da transfobia você vai sofrer o capacitismo e isso vai afetar a sua vida de uma maneira muito mais potente, vai ampliar o preconceito que você sofre.

E quais são os caminhos que a sociedade pode tomar para reverter essas situações?

Olha, eu acho que a nossa sociedade tem dispositivos como a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão, a luta pelo protagonismo das próprias pessoas autistas. A gente tem caminhado para este reconhecimento cada vez maior da cidadania das pessoas autistas e do direito de viver e ser incluindo na comunidade, por exemplo, hoje em dia não se questiona mais se uma pessoa autista deve ou não estar na escola, mas há um tempo atrás você podia simplesmente não aceitar aquela pessoa na escola porque ela era autista. Hoje em dia todo mundo sabe que isso é uma situação horrível, apesar da escola não dar os apoios que a pessoa precisa lá dentro hoje não se pode excluir simplesmente porque ela é uma pessoa autista. Então a gente ainda tem muito o que fazer, muito o que avançar, mas a gente já avançou bastante. 

Você citou um exemplo das escolas, que há algum tempo não aceitavam esses alunos. Quando você falou “um tempo atrás”, é muito tempo atrás ou é algo recente?

Veja, há algum tempo atrás, vamos dizer assim, até 2015, a gente não tinha uma lei que punia muito claramente as escolas que negavam a matrícula. Em 2015 a gente teve LBI, a Lei Brasileira de Inclusão. Já era proibido. Desde 1989 já tinha uma lei que dizia que era proibido, mas não acontecia nada, com a Convenção Sobre o Direito da Pessoa com Deficiência, em 2007, a Política Nacional de Educação Inclusiva, de 2008, e a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015 isso ficou claro que a escola nem pode negar e nem pode cobrar valor extra para quem é a pessoa com deficiência, e ela tem que oferecer os apoios, todos os apoios, porque não adianta só aceitar que a pessoa entre, a escola tem que garantir todo o apoio para ele. Se a pessoa precisa de um acompanhante de sala ou se precisa fazer uma adaptação isso não é obrigação da família dar, é obrigação da escola garantir que ela vai dar aula para todos os alunos. 

O que é o Estatuto da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista?

Olha, a gente tinha uma Lei nacional, que é de 2012, que é a Lei 12.764 e que traz uma série de direitos, e o principal dele é o reconhecimento da pessoa autista enquanto pessoa com deficiência. Então isso é um, vamos dizer assim, um estatuto, um diploma jurídico nacional, que foi muito importante, e eu me lembro que nós, enquanto Abraça, participamos dessa discussão para fazer essa lei efetiva e depois para o reconhecimento dela, vamos dizer, a reafirmação dela na Lei Brasileira de Inclusão. 

Vários estados, quando o autismo foi se tornando cada vez mais conhecido, fizeram também estatutos estaduais e é o caso do Ceará, agora, por exemplo, com a Lei 18.642 de 2023. A Legislação não traz muitas inovações, ela não traz muitas inovações que já não estavam na Lei 12.764 Nacional ou na LBI, a Lei Brasileira de Inclusão. É uma questão, uma Legislação bastante importante, porque ela vem reafirmar direitos. Reafirma que pessoa autista é pessoa com deficiência para todos os fins legais, reafirma que é uma pauta importante, que esse grupo merece visibilidade e precisa, por exemplo, de campanhas de conscientização. Ainda no ano passado tiveram dois vereadores, dois casos de vereadores, um inclusive foi cassado, em Baturité, que agrediu uma criança autista e outro disse que autista poderia ser curado com “pisa”, com “peia”. Então traz esse compromisso do Governo do Estado de fazer campanhas de conscientização, que é uma questão muito importante.


Passeata de abertura do Abril Azul no município de Monsenhor Tabosa, no Ceará. / Foto: ASCOM/PMMT

Como está o debate da pessoa com Transtorno do Espectro Autista nos municípios do Ceará?

Olha, eu trabalho na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, então a gente tem recebido muita demanda do Ceará inteiro, tanto para participar de audiências públicas para debater essa situação, as demandas das pessoas autistas e suas famílias, como também receber denúncias de violações de direitos que acontecem. Então, desde Crateús, Quixadá, Baturité, muitos municípios reportam a dificuldade no atendimento multiprofissional para as pessoas autistas, ou seja, que às vezes você tem um atendimento, mas esse atendimento acontece uma vez por mês, ou duas vezes por mês, ele não é suficiente para aquela necessidade que as famílias apresentam. 

A mesma coisa acontece também em relação às escolas, as escolas atendem as pessoas, mas muitas vezes têm dificuldade porque falta o apoiador, as escolas ficam mandando os alunos de volta, então precisa de um processo de formação continuado, ou precisa garantir, vamos dizer, uma resposta que garanta uma inclusão mais plena para as pessoas autistas desse processo. A gente tem tido muita demanda do interior, da capital também, mas também do interior para debater essas questões. 

E quem quiser mais informações ou tirar dúvidas sobre o autismo pode se informar onde?

Olha, eu vou passar aqui o site da Abraça, que é abraca.net.br. Esse site é o da nossa organização, e eu vou passar também o Whatsapp da Cidadania, que a gente, que é da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa tem um telefone que a gente só recebe mensagens, mas que a gente pode também prover alguma orientação por whatsApp e receber denúncias de violação de direitos. O telefone é o (85) 99952-4700.

Alexandre, você faz parte da Associação Brasileira para Ação por Direito das Pessoas Autistas. Eu queria que você falasse um pouco sobre essa associação e também falar sobre os trabalhos que são realizados por lá. 

A Abraça é a Organização Nacional de Direitos das Pessoas Autistas, uma OPD, Organização de Pessoas com Deficiência, formada por pessoas com deficiência, ou seja, a Abraça é liderada e formada majoritariamente por pessoas autistas do Brasil inteiro. Aqui no Ceará a gente tem um núcleo, um núcleo estadual, a gente tem também em Brasília, São Paulo, Minas Gerais, em vários estados a gente tem núcleos e que a gente atua pelos direitos humanos das pessoas autistas, com base na Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. A gente tem incidência no Conselho Nacional de Direitos Humanos, junto ao Ministério dos Direitos Humanos, junto ao Ministério da Educação, junto ao Ministério da Saúde para tentar, numa perspectiva inclusiva, fazer com que esses direitos das pessoas autistas, numa perspectiva da neurodiversidade sejam reconhecidos.

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Edição: Camila Garcia