No mês da visibilidade trans, a primeira mulher transgênero professora do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Êmy Virgínia Oliveira da Costa, denuncia ser vítima de transfobia durante o Processo Administrativo Disciplinar que resultou em sua demissão da Instituição. O processo teve início em 2019 quando Êmy foi aprovada para um curso de doutorado no Uruguai. Nesse período, ela lecionava no campus de Tianguá e precisava se ausentar do IFCE para assistir as aulas no doutorado que aconteciam de forma concentrada e presencial durante 25 dias por semestre.
O caso ganhou grande repercussão na impressa e nas redes sociais. Em um perfil criado para apoiar à professora no Instagram (@professoraemyfica), Êmy Virgínia detalha o que fez para não prejudicar seus alunos durante o afastamento para o do Doutorado: “realizei a antecipação das aulas para meus alunos, com intuito de frequentar as aulas do meu curso de Doutorado em Linguística, na Universidad de la República – Uruguai; solicitei autorização para adequar, provisoriamente, minhas atividades de trabalho e de estudos, pedido que foi deferido pelo Colegiado do curso, bem como comuniquei – e foi autorizado – pela CPPD e pela coordenação do curso; enviei novo pedido de autorização à gestão para antecipar minhas aulas e para me ausentar do país. Todavia, o processo não foi respondido (nem autorizado e nem negado) pela Instituição a tempo da data da viagem, o que criou em mim a justa expectativa de que eu poderia dar continuidade aos meus estudos, desde que eu cumprisse meu compromisso como servidora, antecipando as aulas – o que vinha fazendo prontamente. Registrei Diários no Sistema de Informação do IFCE, todas as aulas ministradas e mantive, cotidianamente, contato com demais docentes do curso e estudantes – que, por sinal, tiveram contabilizadas as respectivas cargas horárias e foram promovidos em suas disciplinas”.
IFCE
Em nota, a Reitoria do IFCE informou que “é dever da Administração Pública apurar denúncias que sejam protocoladas formalmente e que, somente diante de indícios de autoria e materialidade, instaura-se Processo Administrativo Disciplinar. Este, por sua vez, segue todo o rito previsto na legislação em vigor, observados os princípios da legalidade e impessoalidade, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa, os quais foram amplamente garantidos à docente em questão, no processo que apurou sua conduta no IFCE”.
De acordo com a nota, “a docente se ausentou, injustificadamente, de suas atividades laborais por mais de 60 (sessenta) dias intercalados no período de 12 (doze) meses, sem amparo legal, razão pela qual sua conduta foi enquadrada como inassiduidade habitual, em observância ao previsto na Lei nº 8.112/90, a qual não faz distinção de pessoas no tocante ao cumprimento dos deveres nela previstos”.
E continua. “Saliente-se, ainda, que o IFCE conta com uma política de capacitação que possibilita aos servidores se afastarem para cursar pós-graduação. Para isso, existem instrumentos institucionais, com base na legislação vigente, instituídos pela Resolução do Conselho Superior nº 3/2018 (atualizada pela Resolução nº 37/2021). Atualmente, existem cerca de 100 (cem) servidores afastados para pós-graduação, e todos se submeteram às normas em vigor para concessão desse tipo de afastamento”.
Êmy explica que estava impedida pelo IFCE de participar dos editais de afastamento integral para cursar Mestrado ou Doutorado. De acordo com ela, estava impedida porque a dita Resolução mencionada na nota (Resolução 3/2018, atualizada pela resolução 37/2021), no Art. 56°, dizia que “os servidores classificados em edital de remoção só poderão solicitar afastamento após a portaria de remoção e no campus de destino”, e ela estava “classificada em edital de remoção” desde fevereiro de 2019.
“O que significa isso? Eu estava transferida/removida de Tianguá para Baturité e deveria esperar chegar um professor substituto no campus Tianguá para que, depois disso, eu fosse autorizada a ir para Baturité (campus de destino), a chegada desse professor substituto não aconteceu durante quatro anos. Durante quatro anos eu fiquei como ‘classificada em edital de remoção’ e impedida de participar do edital de afastamento para Mestrado e Doutorado. Eu não tinha culpa nenhuma se eles não contratavam, ou faziam concurso para um professor ficar no meu lugar, para que eu pudesse ir para meu campus de destino (Baturité) e participar do edital de afastamento de lá. E veja que eu saí de Tianguá em 2022 porque entrei na Justiça (e ganhei), alegando que eu estava ‘classificada em edital de remoção’ desde 2019 e que há três anos eu aguardava que eles providenciassem um professor para ficar no meu lugar”, explica a professora.
Questionada sobre como está o caso atualmente, a professora Êmy Virgínia explica que no âmbito do IFCE, os reitores substitutos, Marcel Ribeiro e Ana Uchôa já emitiram despacho pela sua demissão e pela publicação da portaria de demissão no Diário Oficial, que é o ato final de tudo isso. “Isso não tem sido suficiente para barrar a mobilização dos estudantes, colegas e do Sindicato, pois a luta está para além de mim. Meu caso se junta ao da professora negra Jacyara Paiva da Universidade Federal do Espírito Santo. Meu caso e o dela revelam que, quando se trata de professores pertencentes a grupos sociais marginalizados, ela é uma pessoa negra e eu uma pessoa trans, a lei é sempre aplicada com a maior letalidade e desproporcionalidade possíveis. A interpretação legal é sempre a que condene à morte, afinal, excluir-nos da instituição é uma forma simbólica de morte”, afirma.
O Sindicato dos Servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (SINDSIFCE) informou em seu site que o Escritório Leitão, Espíndola e Freitas, responsável pela defesa da Professora Êmy Virgínia, divulgou, na última sexta, 12/01, Nota Técnica em que detalha todas as irregularidades da demissão da docente. De acordo com a notícia, dentre os diversos pontos ilegais, o que mais chama atenção trata, justamente, da contabilização de sábados, domingos e feriados às faltas de ausência da professora, que culminaram na abertura do PAD.
Campanha de apoio nas redes sociais
O Centro Acadêmico de Letras (C.A) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Campus Baturité também divulgou nota em apoio à professora nas suas redes sociais. “Neste momento crítico, exigimos toda transparência e uma análise minuciosa do Processo Administrativo Disciplinar, garantindo que o devido processo legal seja seguido integralmente. Manifestamos nossa solidariedade à professora Êmy Virgínia Oliveira da Costa e que esse processo seja resolvido de forma justa diante dessa situação lamentável”.
O núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas do IFCE – Campus Baturité “Reforçamos nosso compromisso em combater todas as formas de segregação, seja racial, de gênero ou identidade. O NEABI Baturité repudia qualquer ato discriminatório e se posiciona ao lado da professora Êmy Virgínia, uma mulher trans, corajosa que merece respeito e justiça”.
Em suas redes sociais, o deputado estadual Missias Bezerra (PT) afirmou que “Sou mais um na luta para o retorno da professora Êmy ao IFCE, demitida após um PAD cheio de incoerências, como aponta assessoria jurídica do Sindsifce. Em um país que assassina pessoas trans e muitas vezes nega-lhes o direito a educação e ao trabalho, não podemos deixar passar o caso de Êmy. O IFCE alega que ela faltou às aulas, mas no sistema constam aulas, conteúdos e notas postados. Seguimos em defesa da primeira mulher trans profa do IFCE, Dra Êmy Virgínia Oliveira da Costa”.
A Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce) também mostrou seu apoio à professora. “A falta de isonomia na análise do caso é uma das várias violências sofridas pela população de trans e travestis no Brasil. Somamos nossa voz e nossa luta ao movimento que pede a anulação dessa decisão por considerarmos tal demissão um verdadeiro ataque à equidade no serviço público”.
Larissa Gaspar, deputada estadual do PT em suas redes sociais disse: “O Brasil é o país que mais assassina pessoas trans e elas dificilmente têm acesso à educação e a trabalho digno. O IFCE age de maneira não isonômica ao retirar uma mulher trans do espaço da docência. Reforçamos o movimento para que a primeira mulher trans docente do IFCE ocupe o seu devido lugar. Queremos ‘Dra. Êmy Virgínia Oliveira da Costa professora do IFCE!”
Para acompanhar com mais detalhes o caso confira o perfil @professoraemyfica, lá você também poderá participar do abaixo assinado em apoio à professora.
Ato
Está sendo mobilizado um ato em apoio à professora Êmy Virgínia nesta sexta-feira, dia 19 de janeiro, às 15 horas, na Praça da Gentilândia, no Benfica, em Fortaleza.
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Edição: Camila Garcia