De acordo com informações divulgadas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, a Funceme, o estado do Ceará registrou 16 picos de temperatura igual ou superior a 40ºC durante o mês de novembro. Mas o que ocasiona esses picos de temperatura? Quais cuidados devemos ter? Quais as previsões para os próximos meses? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com o meteorologista, Lucas Fumagalli.
Por que está fazendo tanto calor no Ceará?
Bem, o primeiro motivo de tanto calor no Ceará é esta época do ano. Entre os meses de setembro e dezembro, é comum a gente ter pouca ou nenhuma chuva no estado e isso faz com que a incidência de radiação solar, devido a ausência de nuvens esquente bastante a superfície que, por consequência, esquenta o ar. Então nessa época do ano, entre setembro e dezembro, a gente tem temperaturas realmente muito elevadas, agora, existem outros fatores que estão também por trás desses recordes, pode-se dizer assim, de temperaturas. Para você ter uma ideia, em 2022 foram três registros de temperatura maior ou igual a 40 graus no estado e em 2023, como você falou, só em outubro foram 16 registros e agora com os dados parciais de novembro já são 28 registros. Então o ano de 2023 realmente está mais quente do que foi o ano de 2022 e possivelmente tem apresentado as maiores temperaturas.
Mas quem está por trás disso? Primeiramente é o evento El Niño, que é o aquecimento das águas do oceano Pacífico Equatorial. Esse oceano é o maior de todos e ele está mais aquecido do que o normal, isso faz com que os sistemas meteorológicos tenham a sua posição alterada e para nós, aqui do Ceará, isso significa menos chuva e temperaturas mais altas. O que seria diferente do ano passado, por exemplo, em 2022 nós estávamos sobre influência da La Niña, que é o oposto. O oceano Pacífico Equatorial estava frio e isso favorecia a precipitação aqui no estado e diminuía a incidência de radiação solar. Então, de forma geral, esse é o maior motivo que explica esse calorão todo observado em 2023.
É importante a gente acompanhar e pegar mais informações sobre todos esses eventos para entender a situação climática no Ceará?
É muito importante acompanhar, monitorar e prever o comportamento dos oceanos porque são eles que dizem para nós aonde os sistemas meteorológicos potencialmente estarão localizados em determinados períodos e esses oceanos podem influenciar a quantidade de precipitação aqui no estado do Ceará. E não é só o oceano Pacífico não, o Atlântico também tem grande importância na distribuição de chuvas no Ceará. Por exemplo, numa questão em que o Atlântico Norte, mais próximo ali dos Estados Unidos e da Europa esteja mais aquecido que o Atlântico Sul, que está mais próximo de nós, é uma situação que desfavorece a precipitação no estado e faz a temperatura subir. É justamente isso que nós observamos.
Então além do Pacífico, o Atlântico também está contribuindo nesse momento para esses eventos quentes e essas chuvas um pouco abaixo do normal que nós estamos observando até agora. Monitorar os oceanos é muito importante para fazer uma previsão futura e é dessa forma que a gente trabalha muitas vezes, claro, usando modelos numéricos computacionais bastante sofisticados, mas em geral, observar a natureza é de grande importância. Sempre melhor observar as coisas que estão acontecendo do que não ter acesso às informações porque aí prejudicaria, inclusive, uma previsão futura.
E essas informações estão detalhadas para a população em geral? A população pode pegar no site da Funceme?
No site da Funceme você tem todas as informações geradas aqui, incluindo dados de estações meteorológicas, dados de radar, imagens de satélite, monitoramento da atmosfera e monitoramento dos oceanos, além da previsão do tempo para três dias que são feitas duas vezes por dia na Funceme. Também tem outros produtos mais complexos como, por exemplo, o resultado de modelos numéricos para 44 dias ou até para 3 meses, mas, é claro, esses resultados são um pouco complexos, mas estão disponíveis para todos acessarem, basta acessar: funceme.br
Para além da natureza, a ação do homem também influencia no aumento desse calor?
Com certeza. Nós temos que pensar que toda atividade que nós desenvolvemos no planeta terra vai ter uma implicação também para a atmosfera, e nessa questão, hoje em dia, o que nós fazemos é emitir bastante CO2. As nossas atividades estão muito atreladas a emissão de gás carbônico e isso é bastante prejudicial porque esse gás, essas partículas presentes na atmosfera em grande quantidade são potencialmente os motivos causadores das temperaturas maiores do que o normal, mas aí, não na escala do Ceará, mas em uma escala global, então é uma outra escala, é uma outra dimensão, muito maior.
E por que isso acontece? Pense no diâmetro do planeta. É mais ou menos 12.000 km aproximadamente de diâmetro. A atmosfera e os sistemas meteorológicos que estão incluídos na atmosfera ocorrem numa fina camada de, no máximo, 10 a 15 km de altura, então qualquer modificação que a gente faça na superfície da terra, seja retirar todo um ecossistema e substituir por plantações obviamente isso causa uma mudança nos fluxos de calor e isso altera os padrões de temperatura. Não dá para a gente acreditar que se nós temos um ambiente natural e um ambiente totalmente modificado, seja urbana ou seja rural, os padrões de temperatura sejam os mesmos. Obviamente a natureza é muito importante para regular a temperatura e quando o ser humano substitui a natureza por qualquer outra coisa o padrão que nós tínhamos antes não vai mais ser replicado nesse novo ambiente. É muito importante que todos nós tenhamos consciência de que as nossas atividades aqui na superfície da terra têm uma implicação e nós estamos observando isso, seja pelo aumento da quantidade de gás do efeito estufa da atmosfera, seja pelo calor recorde que tem sido observado não só no Ceará, mas em grande parte do Brasil que, somado com outros eventos como o El Niño, por exemplo, acaba potencializando esses eventos extremos, e olha, nada disso é novidade. Já faz algumas décadas que os cientistas têm alertado para essa situação e o que nós observamos hoje é realmente uma situação que vai de encontro com as previsões feitas no passado.
As queimadas também influenciam para o aumento desse calor? E esse calor que está acontecendo, pode ocasionar queimadas?
As queimadas, na ausência da precipitação, geralmente são induzidas pela atividade antrópica. Eventualmente você pode ter alguma outra queimada que não seja, mas que às vezes está associada a algum tipo de resíduo que é dispensado na natureza de maneira irregular, então tem que tomar cuidado porque até mesmo isso acaba sendo devido à ação antrópica, mesmo que de forma indireta. Agora, as queimadas potencializam toda a cadeia do aquecimento global e quando você queima a natureza, você queima biomassa ela acaba virando essa grande quantidade de fumaça, e nós observamos isso nas imagens do satélite.
Geralmente, nessa época do ano, a quantidade de focos de calor aqui no estado do Ceará aumenta, mas não só no estado do Ceará, mas no Brasil em geral, porque na metade do ano nós passamos por um período seco que não é só aqui no Ceará ou no Nordeste, mas que envolve muitos estados, e é justamente nessa época do período seco que acontece o maior número de queimadas. Então, na verdade, isso tudo potencializa. Inclusive, um dos principais fatores de emissão de poluição no Brasil está associadas às queimadas, grandes queimadas que acontecem principalmente na Amazônia, no Cerrado e, em menor escala, aqui nas regiões de Caatinga e interior da região Nordeste.
Existem dois termos para falar sobre esse calor. Um é “o pico de temperatura” e o outro é “onda de calor”. Qual a diferença desses termos e o que é que nós estamos passando no Ceará?
O Ceará naturalmente já é um estado que tem temperaturas mais elevadas devido à sua localização geográfica muito próxima da linha do Equador. Os picos de calor geralmente acontecem associados a algum tipo de sistema meteorológico de curta duração, por isso a gente tem observado alguns picos de calor, alguns dias que são mais quentes do que os outros, mas que estão associados a algum sistema meteorológico que passa pelo estado do Ceará e que momentaneamente diminui a umidade e acaba favorecendo o aumento da temperatura.
A onda de calor já é um processo mais estacionário, que demora alguns dias, que se mantém por alguns dias. Geralmente não acontece em pontos isolados, acontece em grandes áreas, é proporcional, tanto na escala do tempo como na escala espacial. Ondas de calor geralmente pegam grandes regiões e demora alguns dias para terminar. Eventualmente pode, inclusive, passar de semanas. São geralmente situações em que a atmosfera apresenta uma mesma condição meteorológica durante um período persistente.
Em muitas localidades do estado nós observamos picos de temperatura, mas em geral, as temperaturas estão acima do normal, praticamente durante todo o período, desde agosto, setembro, outubro, novembro, a gente tem observado vários desses picos e que não eram observados, pelo menos com tanta frequência assim no decorrer do ano de 2022. Bem, nós sabemos que parte desses picos de calor estão associados a eventos naturais como o El Niño e La Niña, mas há parte também significativas que estão associadas às atividades humanas.
Jaguaribe bateu recorde de temperatura em novembro, com 41, 9º. Gostaria que você comentasse sobre esse dado.
Nós temos uma rede de estações meteorológicas que tem dados consistentes há mais ou menos uma década. Dentro dessa uma década esses 41.9º foram observados pela rede de estações e depois confirmado pelos meteorologistas. Foi feita uma análise dos dados onde se verificou que realmente trata-se do maior valor observado na estação de Jaguaribe e também dentre outras estações meteorológicas. Agora, também foi observado que a frequência desses valores de 40º aumentou bastante, principalmente nos últimos cinco anos. Quando a gente pega antes de 2020 são muito poucos os registros de temperatura maior ou igual a 40º, mas depois de 2020 e, principalmente, em 2023 esses eventos acabaram se tornando mais frequentes.
Esse valor de 41,9º realmente é um valor extremamente elevado, não é um valor próximo da climatologia. A temperatura média máxima da climatologia é entorno 35º, 36º nas cidades mais quentes. Jaguaribe é naturalmente uma das regiões mais quentes porque está localizado numa região de vale, uma região baixa, em torno do Rio Jaguaribe, uma região bem interior, longe do oceano, então sofre um pouco mais com temperaturas elevadas, além de outras características geográficas locais como, por exemplo, presença de serras locais que ajudam a fazer com que a temperatura suba mais em pontos isolados como, por exemplo, nessa região.
Em geral, as temperaturas máximas no estado do Ceará têm sido observadas nessa faixa entre Jaguaribe e Barro, que fica entre Jaguaribana e o Cariri, e também na região de Crateús que, pela primeira vez, dos últimos anos, acabou registrando 40º Graus também em 2023.
De acordo com a Funceme, o número de dias com temperatura maior ou igual a 40°C, entre agosto e outubro deste ano, está maior do que o observado no mesmo período do ano passado. Em 2022, por exemplo, foram dois dias, e em 2023, até o dia 31 de outubro, foram 13. É uma tendencia termos esse aumento a cada ano ou é algo específico deste ano?
É coisa dessa época do ano, desse período de setembro até dezembro que tem a temperatura mais elevada. Somado a isso também temos o evento El Niño que favorece a diminuição de precipitação, da umidade e do aumento da temperatura, e também as questões oceânicas a nível global. Hoje, os oceanos estão, em geral, bastante aquecidos. Vários deles, vários lugares do planeta apresentam temperaturas elevadas. Muitas regiões continentais, ao mesmo tempo, também apresentam ondas de calor, e isso não é um sinal local, isso é um sinal global de que a atmosfera está respondendo a esse excesso de energia que está sendo gerada, principalmente pelas atividades humanas. É necessário pôr fim às emissões, substituir as tecnologias que ainda usam algum tipo de combustão por tecnologias renováveis que não gerem poluição. A poluição é grave para todos nós. É muito importante que a gente substitua as matrizes energéticas que ainda dependem da queima de combustível.
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Edição: Camila Garcia