As eleições para prefeitura são só próximo ano, mas a movimentação política já começou. Mas qual o objetivo dessa antecipação? Já dá para ter uma ideia de como vão se configurar as eleições do próximo ano? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Paula Vieira, socióloga e cientista política. Professora da Unichristus e pesquisadora no Laboratório de Estudos Sobre Política, Eleições e Midia da UFC. Confira
Por que a movimentação para as eleições para prefeitura, já começaram sendo que as eleições só acontecem no próximo ano?
A gente tem uma ideia de que as eleições só acontecem no ano eleitoral, mas na verdade são muitos fatores que influenciam para esse ano eleitoral. Eu costumo dizer que a gente não pode olhar as coisas diretamente na hora do acontecido. É como se fosse uma onda, ela vai se formando até quebrar. Então no caso, internamente aos partidos, é normal que esse processo comece antes, mais ou menos um ano antes das eleições, é o momento em que os partidos estão discutindo isso internamente, estão fazendo pesquisas internas, estão se movimentando para saber quem vai ser o melhor nome para ser colocado.
Então, habitualmente dentro dos partidos, essa discussão acontece realmente de maneira antecipada. O que está acontecendo aqui em Fortaleza é que isso se tornou público, esses conflitos internos se tornaram públicos e nós estamos tomando conhecimento de como essa discussão acontece. Ela está mais publicizada, dentro da minha compreensão, e nós temos alguns alinhamentos que ficam poucos mais claros para a gente entender os movimentos.
Quando a gente pensa em termos de polarização, desta competição maior, mais geral que foi tomada pelo país nesses últimos anos, dessa polarização direita e esquerda, e eu não estou nem falando de polarização política, porque isso aí sempre existiu, mas enfim, esse embate maior de direita e esquerda, então isso acaba realmente dando um fôlego a mais para essa discussão. Em Fortaleza, nós tivemos muitos conflitos internos nos partidos, mais especificamente no partido da situação, que é o PDT, se estava ali alinhado com o grupo dos Ferreira Gomes, com um grande alinhamento com o grupo dos Ferreira Gomes e, da eleição passada para cá, a gente viu esse grupo dos Ferreira Gomes quebrar.
A gente viu que ele se fragilizou por conta do cenário das eleições nacionais de 2022, isso fez com que outros processos desencadeassem internamente no partido. Nós estamos vendo uma disputa de um partido que é situação, mas que foi colocada como dúvida se o prefeito seria candidato à reeleição ou se seria um outro nome mais viável, e um procedimento padrão é que, se tem possibilidade de se candidatar à reeleição, então, já está dado o nome da situação, e não é muito bem o que a gente está vendo nesse cenário aqui em Fortaleza, exatamente por conta dessas movimentações intrapartidárias de grupos específicos dentro dos partidos, e aqui eu quero enfatizar que um partido não é único, ele não é uma coisa só. Todas as diversidades que nós temos na sociedade vão se repetir em disputas internas dentro dos partidos.
Você falou que essa antecipação já acontecia antes. Hoje a gente está vendo ser mais publicizada, mas toda essa atenção, toda essa publicização dessas movimentações acontecem pelo fortalecimento das redes sociais, ou são os veículos de comunicação que estão voltando mais a atenção para toda essa movimentação?
Olha, vou lhe dizer o que eu acho. Acho que são as redes sociais e que daí vai chegar nas mídias maiores. Por que que eu estou dizendo das redes sociais? Porque se existe um conflito interno no partido de não saber qual é o nome mais adequado, como é que essa disputa vai acontecer? Vendo o potencial eleitoral. Então precisa extravasar de alguma forma, precisa sair do âmbito partidário para chegar nos eleitores. Levar essas disputas, que está em uma disputa interna, o que é que vai vencer? A disputa pela opinião pública, por potenciais eleitores. E aí, qual é a melhor forma de fazer isso? Pelas redes.
Existe o trabalho de base, existe a conversa de base, existe as obras que começam a aparecer mais quando se é situação, mas esse extravasar, essa disputa interna, o extravasar, o debate vai chegar nas redes, e aí se torna uma estratégia política desses potenciais candidatos, desses pré-candidatos. “Vamos disputar sim, ver quem é que consegue chegar mais nos eleitores”, porque isso vai dar uma pressão interna no partido, vai dar aquela sensação de que o melhor nome, o maior nome, o que chega mais para o eleitorado é um e não o outro.
Então esse extravasar vem com uma estratégia dessa disputa interna e, ao mesmo tempo, por conta dos nossos canais de informações e das mídias hegemônicas que acabam até entrando nesse debate, porque ele já está acontecendo e já há uma movimentação. Então não vejo só a publicização pelas mídias mais tradicionais, mais hegemônicas, mas, também, pelas redes sociais de conseguir se comunicar mais rapidamente, de conseguir pegar o quente da discussão.
E quais são os objetivos dessas movimentações políticas acontecerem tão cedo?
Conseguir formar base, formar estratégia eleitoral. Na verdade, começa por uma avaliação, é como se fosse uma avaliação partidária. Tem que construir base, não existe ser eleito sem uma base eleitoral. Não estou falando nem de uma base social, com projeto político consolidado. A gente já viu muito recentemente pessoas serem eleitas sem projeto político nenhum. Aliás, se tinha um projeto político não disse, precisava de uma observação mais atenta para perceber que se tratava de um projeto político, e não apenas uma grande aventura.
E o que é que os eleitores precisam ficar atentos com toda essa antecipação?
Eu vou falar o que é que precisa ficar atento, porque realmente é algo que me preocupa em termos de educação política. Eu sou a favor da democracia, então eu acho que tem uma direita que é possível conviver disputando projetos políticos. A gente precisa da pluralidade. A sociedade é plural. Mas o que é que é preciso? Observar o projeto político do candidato. Esses candidatos que antecipam eleições, esse candidato que está agindo, esse pré-candidato que está se colocando como nome, qual é o projeto político que ele defende?
A política é feita de conflitos, não de violência, mas existem os conflitos, os conflitos são saudáveis, parte de todas as relações sociais que nós vivemos, isso é saudável, agora, o que é que esse cara ou essa mulher está defendendo? Qual o projeto? Em termos maior? E aí eu acho que cabe até falar em termos de projeto. Como identificar um projeto político? Pegar as falas mais constantes e ver o que é que isso tem de construtivo para a vida social. O que é que isso constrói na vida social? Quais são as consequências das promessas? Não só pensar na promessa em si, como se fosse resolver um problema imediato.
Aqui em Fortaleza a gente vê uma cidade cheia de obras, constantemente vias cheias obras, creches, mas creches sem uma base, sem uma estrutura e isto equivale para as coisas materiais, como saneamento e vale para as questões mais sociais, que é ver como é que a vida na periferia está acontecendo. Essas demandas, essas obras, quais são as consequências dessas obras? Como é que vai ser a manutenção dessas obras? O que é que essa obra, essas coisas materiais dizem sobre um projeto político em termos de benefícios? Se vai ser a longo prazo? Que vai ficar a longo prazo, que não vai ser destruído de um dia para o outro? A gente tem que observar qual é o projeto político que está sendo anunciado e como isso muda a vida, não só a minha, mas da população.
Então o meu recado para os eleitores é: escutem e vejam se tem uma conexão entre essas falas. Qual é essa conexão? Qual é essa coisa comum? Qual é esse projeto que tem para as políticas públicas, para benefício coletivo? Para além do meu meio individual, pensar coletivamente, na convivência de diversidade, na convivência de não anulação do outro, mas que tenha um projeto que seja maior do que a anulação do outro. Mantendo aqui já o discurso da democracia e da pluralidade.
Nas últimas eleições para a presidência, nós vimos uma polarização muito forte entre esquerda e direita que você já trouxe que já é algo rotineiro. Que essa polarização já existe aí há algum tempo. E para as eleições do próximo ano, como você enxerga essa polarização que já veio muito forte já nas eleições para a presidência do ano passado?
Eu realmente acredito que vai se manter. Vai se manter porque nós estamos com questões muito delicadas quando discutidas, então, essa coisa do conservadorismo e progressismo vai se manter. E assim, estou falando nesses termos, conservador e progressista para a gente entender quais são os movimentos e os valores de direita e esquerda que são defendidos, tanto do ponto de vista da economia como da vida social, das outras instâncias da vida social.
Então eu acho que vai se manter, sim. Vai se manter porque existem grupos que são da direita e são bem-organizados, assim como tem da esquerda. Falei da direita e não falei da esquerda porque da esquerda a gente já vê mais esses movimentos. A gente vê o MST como um grande movimento, articulador, vê o movimento das mulheres, vê o movimento das pessoas negras, LGBTQIAP+, a gente vê esses movimentos. No projeto conservador isso vem de uma outra maneira. Vem o discurso, vem a pauta moral, mas existe uma série de outras questões que vão ser discutidas para além da pauta moral, que são questões econômicas, mas aí, nesse nessa diferença, eu acho que nós ainda vamos ter esse embate.
Aqui em Fortaleza nós temos pré-candidatos da direita que já estão anunciados, tem o Eduardo Girão pelo NOVO, tem o Carmelo Neto e o André Fernandes pelo PL. A impressão que eu tenho é que o Bolsonaro não está querendo se meter muito não, sabe? Com essa visita dele eu achei que ele estava assim “ok, vamos cumprir o protocolo”, diferente da Michelle Bolsonaro, que estava muito mais militante, muito mais ativa, sendo a primeira dama que fala, se aproximando das outras mulheres conservadoras daqui do estado, então nós vamos ter esse cenário, dessa disputa de direita e esquerda bem voltada para o conservador e progressista, para esses dois perfis. Eu acho que ela se mantém não só no Ceará.
Você acredita que a vinda de Bolsonaro e Michelle recentemente a Fortaleza já faz parte dessa movimentação política? Qual o impacto dessas visitas para as eleições?
Essa visita deles aqui foi formação de base, não só eleitoral, mas base social. O que é que eu chamo de base social? Todo o percurso, todo o discurso dele foi voltado para o discurso religioso, que é a base que eles se aproximaram mais. Foi ainda no período das eleições e Conselho Tutelar, em que essas disputas estavam muito quentes, locais. A direita muito forte, no estreitamento muito pesado, já nessa de construir, então aí eles vieram para fortalecerem uma base. Uma base que é mais do que o eleitoral, porque a base eleitoral pode ser pontual, pode ser uma aventura como já foi em outros momentos, mas a base social significa que ele tem permeabilidade. Eles conseguem chegar até as pessoas e esse discurso tem ressonância.
Eles vieram, de fato, para formar, independente de quem for o candidato. Dizendo que vão apoiar alguém, mas já dizendo o quê? Que vai ter um candidato. “Nós vamos continuar na disputa. Nós nos mantemos nessa disputa”. É uma direita que está querendo dizer que “continuamos existindo”, e eu vejo grupos de jovens de direita que gostam de falar de direita, do mesmo orgulho que nós temos de jovens de esquerda, tem jovens de direita que têm orgulho de ser de direita. Então esse conflito permanece e Bolsonaro veio fortalecer essa base, que pode até estar um pouquinho mais calada, mas ela existe, e ela está trabalhando.
E Lula, Elmano e Camilo? Eles terão algum tipo de influência nas próximas eleições?
Com toda certeza. A gente viu nas eleições estaduais que o Camilo foi o grande puxador de votos do Elmano, grande puxador de votos do Lula também. Eu acho que ele teve um papel muito importante se mantendo com o Lula, claro, que o Lula, por si só não precisa de ninguém, mas assim, o apoio do Camilo fortaleceu esse movimento, essa unidade do Partido dos Trabalhadores. Então eles vão entrar nessa disputa, vão ponderar, acredito que já esteja acontecendo dentro do PT que nós temos Luizianne Lins, Guilherme Sampaio, Larissa, são todos candidatos à prefeitura, nomes à prefeitura que estão dentro e tem o Evandro Leitão ali que a gente ainda não sabe se vai correr por fora, se vai pelo PT, mas existe um apoio e uma simpatia pelo nome dele, pela possibilidade da competitividade eleitoral.
Então, o posicionamento do Lula, do Camilo e do Elmano vai ser muito importante para a escolha desse nome, e para o apoio desse nome. Vou enfatizar aqui que o Elmano tem algumas críticas das pessoas de esquerda, tem algumas coisas que não estão saindo exatamente como um projeto político mais esperado pelos próprios eleitores do Elmano, algumas coisas que estão saindo um pouco e faz parte do governo, faz parte da política as negociações etc., mas por isso eu acredito que os nomes que pesam mais é Lula e Camilo.
As pessoas tendem a dizer que as eleições têm temáticas centrais como por exemplo, educação, saúde... você já tem em mente do que pode ser a grande temática das próximas eleições?
Eu tendo a acreditar, que para além dessa construção do debate moral que nós vamos ter nessa construção de base, o que nós vamos ver nos discursos e nos debates vai ser sobre a forma que Fortaleza está crescendo. Questão de urbanismo, questão de saneamento, questão de infraestrutura, excesso de obra, diálogo com a população, taxa do lixo, que foi colocada bem recente. Eu acho que isso vai ser um contraponto da oposição, de falar para o atual prefeito, e isso já é um debate que acontece que é sobre o que é que está sendo feito com essa taxa do lixo, se não tem um outro projeto ou ação. Essa oposição já está sendo feita, em contraposição a prefeitura está falando da necessidade da taxa etc., nós vamos ver o esquema de desenvolvimento da cidade.
Eu acho que o debate vai se centrar nisso, porque a prefeitura está e foi muito voltada para o desenvolvimento económico, reformas, tentativa de ampliação da orla, de acessos. Então eu acho que essa infraestrutura de desenvolvimento económico e turismo vai ser bem forte nos debates.
Isso vai refletir de alguma forma nos outros municípios do Ceará? Ou nos outros municípios cearenses vão abranger outros temas?
Acho que vão abranger outros temas. Não vai ser só essa parte do desenvolvimento econômico e infraestrutura da cidade, não. Em cidades que estão crescendo ou que sejam a cidade principal das Regiões Metropolitanas, porque agora nós temos várias Regiões Metropolitanas no estado, essas cidades devem falar mais desse desenvolvimento econômico, mas os pequenos municípios vai ser debate para o local, mais localizado.
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Edição: Camila Garcia