Ceará

Coluna

O problema mineral cearense

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Serra do Besouro em Quiterianópolis, em 2008 - Foto: Erivan Silva
Comunidades tradicionais estão ameaçadas de perderem seus territórios para a indústria da mineração.

O problema da mineração no Ceará é a encarnação histórica da indústria mineral na América latina e no Brasil que há mais de 300 anos age como ave de rapina saqueando os bens minerais para servir aos países do norte global, deixando para traz crateras e feridas territoriais impossíveis de serem cicatrizadas. A única diferença é que quanto mais o tempo passou (do Brasil colônia a república democrática) a mineração ficou mais violenta e mortífera. Aliás, a violência é desde sempre eixo fundante da mineração que se caracteriza atualmente pela sua voracidade de moer territórios, mesmo que estejam em risco as pessoas e os bens comuns.  

Pensando dessa forma, e sem exageros, seguiremos enjaulados no Brasil Colônia. Ora, o Estado brasileiro, que poderia impor uma lógica soberana para pensar e decidir sobre a geologia que o pertence, tem agido como fiel escudeiro do capital frente a rapinagem da indústria mineral sobre os nossos territórios. Portanto, quanto mais se espalha a narrativa de essencialidade do tal extrativismo mineral pela lógica da modernidade, mais seremos dominados pelo consumo e ostentação que representam a pobreza extrema e a fome inédita como castigo em nossas comunidades.  

Partindo dessa premissa introdutória para chegar no Ceará que não tem historicamente a mineração como principal estrutura econômica, mas que a partir do início deste século a indústria mineral tem avançado sobre os territórios tradicionais (Comunidades Camponesas, Assentamentos da Reforma Agrária, Comunidades Indígenas, Comunidades Quilombolas, Pescadores Artesanais, entres outras) de forma avassaladora. O Nordeste e, particularmente o Ceará, tem sido, nos últimos 22 anos, um oásis geológico em disputa por diversas mineradoras em busca de minérios com o intuído de engordar suas contas em paraísos fiscais. 

Segundo o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), entre o ano 2000 e 2021 a indústria mineral no Ceará cresceu 24 vezes. Enquanto no ano 2000 tínhamos 240 Processos Minerários Ativos (PMA)  chegamos em 2021 com 6.208. Estes PMAs também significam dizer que até 2021 a mineração já demandava e controlava uma área de mais de 4 milhões de hectares de terras, o que gira entorno de 1/3 do território cearense. Traduzindo, o território Cearense está em disputa e a fazenda moderna já é, e infelizmente será ainda mais o latifúndio do saque mineral. As comunidades tradicionais desde o campo até as cidades (sertões, serras e litoral), que produzem seus modos de vida ao longo do tempo, intricadamente irmanados com a natureza estão ameaçadas de perderem seus territórios para a indústria da mineração. É esse modelo de mineração que saqueia nossos territórios que queremos para o Ceará?

A água, um bem comum estrutural e essencial para a vida do povo que vive no Semiárido cearense, virou um “recurso” em disputa pela indústria mineral que precisa de muita, mas muita água para saquear e beneficiar minérios. Para se ter uma ideia, segundo o Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), uma pessoa que vive no Ceará consome em média, diariamente, 137,35 litros de água. Já o projeto de mineração de urânico e fosfato em Santa Quitéria, no Ceará prever no estudo ambiental em curso necessitar de 855 mil litros de água por hora, que soma mais de 20 milhões de litros diariamente. 

Portanto, só o projeto de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria poderá consumir um volume de água por dia que daria para abastecer em média mais de 145 mil pessoas/dia ou toda a população do município de Itapipoca. Segundo o MAM, dos dez maiores consumidores de água do estado, sete deles estão ligados à cadeia minero-metal-siderúrgica, localizada nos municípios de Caucaia e São Gonçalo do Amarante. Este setor, portanto, concentra um consumo que poderia abastecer mais de 1 milhão de pessoas ou metade da população de Fortaleza. Imaginemos: E, quando a indústria mineral que ocupa 30% do território cearense requerer do estado água para o seu pleno funcionamento? Será que vai sobrar água para o povo que historicamente enfrenta problemas de escassez? Para quem a torneira fechará primeiro?


Serra do Besouro em Quiterianópolis, em 2018 / Foto: Erivan Silva

Para além dos problemas estruturais da disputa por território e água, a mineração também disputará corações e mentes com sua narrativa de progresso, desenvolvimento e criação de empregos. Assim, a indústria mineral poderá castrar as economias locais, a exemplo da mineração de ferro no município de Quiterianópolis que fez a produção de pelo menos três comunidades camponesas decrescer entorno de 50% depois que as áreas produtivas foram cobertas de poeira e contaminadas com rejeitos mineração.

Para além disso, os rios e fontes de água também sofreram com contaminações de metais pesados e com escassez porque a mineradora consumia entorno de 300 mil litros de água por dia e rebaixou os aluviões das margens do Rio Poti. Mais do que isso, as comunidades sofrem com doenças de pele e respiratórias desde quando a mineração começou a funcionar, em 2010.  Segundo relatos dos camponeses, a mineração de ferro em Quiterianópolis destruiu 80 hectares de Caatinga, contaminou a água, a terra, matou culturas frutíferas, matou animais, adoeceu as pessoas, produziu conflitos, decresceu a economia local – gerou pobreza, doenças e mortes. 

De certo, não queremos esse modelo de mineração destrutivo para nosso território cearense. A saída está no nosso poder de construir conhecimento coletivo, organizarmos enquanto povo e lutarmos para que a terra, a água e mais o que tiver no solo e no subsolo seja regulado pelo e em favor do povo que habita as comunidades e jamais pelo estado, que faz conluio com empresas mineradoras e promovem um extrativismo desterritorializante servindo ao capital. E, em vez do projeto mineral que nos poderá trazer adoecimentos e mortes dos nossos corpos, continuaremos construindo um Semiárido que naturalmente é seco pela metade, mas feliz como todo. Xô mineração!

*Erivan Silva, Cientista Social, Mestre em Geografia, educador/poeta popular e militante do Movimento pela Soberania Popular na mineração – MAM.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Francisco Barbosa