Ceará

Lixão não!

Ação popular pede intervenção urgente em lixão de Cratéus

População convive há anos com problemas oriundos do depósito de resíduos sólidos em terreno utilizado pelo município.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Danos à qualidade do ar, à integridade dos recursos naturais como aquíferos e à saúde da população são constantes. - Foto: Naiane Araújo

O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA) e comunidades de Crateús entraram com ação popular no dia 25 de setembro na Vara Cível da Comarca de Crateús contra a Prefeitura do município com foco na situação do lixão que impacta a vida e a saúde de diversas famílias, assim como vem causando danos ao meio ambiente. A ação popular envolve o Consórcio Público de Manejo de Resíduos Sólidos do Sertão de Crateús, o prefeito, procurador geral do município, atuais secretários de Meio Ambiente e de Infraestrutura e os titulares das referidas secretarias nos anos de 2019 e 2020. 

Adilson José Paulo Barbosa, advogado do EFTA que acompanha o caso explica que ao receber a Ação Popular, o Juiz da 2ª Vara Cível de Crateús, Dr. Jaison Stangherlin, notificou o MP a respeito da celebração de um possível TAC – Termo de Ajuste de Conduta com o Município, ou melhor, com seus Gestores, instrumento que valeria com título executivo, e que, em caso de descumprimento pelas autoridades, permitiria uma condenação mais célere e eficaz. De acordo com Adilson, o MP ainda não se manifestou acerca do caso.

De acordo com informações repassadas pelo EFTA, a população do entorno da área do lixão de Crateús convive há anos com problemas oriundos do depósito de resíduos sólidos em terreno utilizado pelo município sem medidas de mitigação ou mesmo de segurança. Danos à qualidade do ar, à integridade dos recursos naturais como aquíferos e à saúde da população são constantes. 

Adilson afirma que “a denúncia que chegou ao MPCE aponta e descreve o dano ambiental causado no local e à população, em razão do descarte inadequado dos resíduos sólidos, as condições de trabalho precárias dos catadores, os incêndios diários de resíduos, a ausência de tomada de medidas por parte da prefeitura, mesmo diante de multas da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado, a disposição de lixo hospitalar e geração de chorume no local, a aparente irregularidade do Consórcio de Resíduos Sólidos e a falta de licenciamento ambiental adequada para a gestão do lixo”.


Entre os diversos problemas elencados pela ação estão a situação de mais de 70 famílias que trabalham no lixão em condições degradantes e sem equipamento de proteção individual. / Foto: Naiane Araújo

Ação Popular

Texto da ação indica que “o depósito e o descarte inadequado de resíduos sólidos pelo Município de Crateús, que há mais de 10 anos contamina o solo, a água e o ar, já foi e tem sido objeto de inúmeras denúncias, ações judiciais, multas e pedidos de providências por parte dos atingidos e por parte de diversos especialistas, comunidade, entidades, autoridades e órgãos públicos, como o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado do Ceará, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semace) e este EFTA, dentre outros”.
 
Entre os diversos problemas elencados pela ação estão a situação de mais de 70 famílias que trabalham no lixão em condições degradantes e sem equipamento de proteção individual, a contaminação do solo pelo chorume gerado pelos resíduos, a poluição contínua do ar, inclusive, com ocorrência frequentes de incêndios, que ficam ainda mais frequentes no segundo semestre do ano e afetam diretamente a saúde e qualidade de vida da população do entorno. 

Também são apontados os riscos inerentes ao descarte irregular e criminoso de lixo hospitalar no lixão, assim como o descarte de resíduos da construção civil, a falta de licenciamento ambiental e a deficiência da coleta seletiva.

Naiane Araújo, professora e ambientalista é de Crateús e conhece essa realidade de perto desde 2019, quando começou a acompanhar as comunidades atingidas pelos impactos do lixão. Ela afirma que atualmente está sendo realizada uma pesquisa para dar respaldo científico as reivinvicações contra o lixão. Ela explica que os impactos socioambientais são diversos. “Estamos lidando com algo estarrecedor. No que diz respeito ao meio ambiente, por exemplo, o lixão está localizado em um terreno com relevo considerável. Em todo o entorno existem grotas, pequenos açudes e ao lado passa o Riacho dos Cavalos, este que encontra com o Rio Poti mais à frente. O lençol freático da área, consequentemente, é raso, logo, o chorume do lixo, que entranha no solo, encontra com maior facilidade esse lençol freático, provocando assim a poluição dos principais corpos hídricos que abastecem todas as Comunidades ao entorno. No período da quadra seca, que abrange os meses de setembro a dezembro, a situação piora. O lixão pega fogo, e provoca um cinturão de fumaça tóxica terrível de respirar”.

Naiane explica que “a decisão de denunciar a situação partiu por questões ambientais, que têm impactado diretamente as comunidades em torno do lixão, que têm tido toda essa dinâmica infeliz que tem ocasionado todas essas problemáticas, mas também tem outro motivo muito importante que agora vale destacar, é pela falta de compromisso da gestão municipal de Crateús, no que tange a adequação, digamos assim, relacionado ao lixão, porque a gestão, juntamente com as secretarias, tanto de meio ambiente quanto de infraestrutura tem a responsabilidade de estar acompanhando a questão dos resíduos sólidos do município, que aí resulta no que nós temos hoje do lixão a céu aberto”.

“A gestão não tem feito nada disso, não recebe as comunidades para ouvir, fica postergando receber as comunidades para ouvi-las, tem todo um processo de não aceitar reuniões com os movimentos que acompanham essas comunidades, não respeitam os órgãos públicos frente às tomadas de decisões como o Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal, o próprio escritório Frei Tito de Alencar, que tiveram algumas reuniões que estivemos presentes e a gestão recebe com total desdenho em relação a isso. Então, mediante a isso, mediante a todas essas dinâmicos foi que as comunidades, juntamente com os movimentos decidiram tomar essa decisão de denunciar ao Escritório Frei Tito de Alencar, da Assembleia Legislativa”, afirma Naiane.


A decisão de denunciar a situação partiu por questões ambientais, que tem impactado diretamente as comunidades em torno do lixão. / Foto: Naiane Araújo

Requerimentos

A ação popular apresentada elenca pedidos urgentes como a cessão de toda e qualquer incineração ou queima de resíduos sólidos na localidade, o embargo do lixão atual, a permanente vigilância do lixão para impedir o acesso de pessoas não autorizadas, a instalação de cerca de isolamento, controle de entrada de resíduos e instalação de tubulação para captação de gases gerados pelos resíduos. 

Também foi requerida a execução de um plano social para as famílias dos catadores que trabalham no lixão e de um programa de inserção desses trabalhadores, assim como a transformação do lixão em um aterro controlado até a efetivação de projeto para o aterro sanitário, que deve ser implantado em área adequada para esse fim. 

Buscando um trabalho integrado, a ação popular propõe ainda a criação pelo município de Crateús de uma comissão de trabalho composta pelas comunidades atingidas, movimentos sociais envolvidos na questão e a comunidade científica especializada para acompanhar a execução das medidas referentes ao lixão atual e ao posterior aterro sanitário, contemplando assim o exercício do controle social na administração pública. 

Adilson diz que “a expectativa é que consigamos, inicialmente, firmar um acordo com o a Prefeitura e autoridades do Município (sob a fiscalização, também, do MP e da SEMACE) para que o atual lixão se transforme em aterro de uso controlado, até que, em prazo razoável (180 dias) seja concluído o aterro sanitário e implementada a coleta seletiva e medidas de proteção aos catadores e, sobretudo, ações concretas que restabeleçam a qualidade de vida e a saúde dos moradores e das famílias residentes nas comunidade atingidas. Esperamos, também, a responsabilização do município e dos gestores que, durante anos, demonstraram omissão e descaso criminoso com os moradores do município e com o meio ambiente, principais afetados”.

E conclui. “Independente da ação do MPCE no sentido de cobrar das autoridades municipais a elaboração do Termo de Ajuste de Conduta e, o mais importante, fiscalizar a sua execução, esperamos que todas as autoridades responsáveis sejam condenadas pelos danos causados ao meio ambiente e à saúde das comunidades, além, é claro, da resolução definitiva do problema, com a construção do aterro sanitário e implantação qualificada da coletiva seletiva”, diz Adilson.

Entramos em contato com a Prefeitura de Crateús, mas até o fechamento da matéria não tivemos respostas sobre o caso.

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Edição: Camila Garcia