Ceará

Conselho tutelar

Entrevista | “Escolher conselheiros comprometidos com o ECA é decisivo”

Fernanda Naiara conversou com o BdF sobre as eleições para conselheiros tutelares que acontece neste domingo (1º).

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Eleição do Conselho Tutelar acontece no dia 1º de outubro. - Toninho Tavares/Agência Brasília

No dia 1º de outubro acontece as eleições para definir conselheiros tutelares. Mas qual a importância de um conselho tutelar? O que faz um conselheiro tutelar? É importante a população participar dessas eleições? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Fernanda Naiara, socióloga, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da UFC e membro na coordenação colegiada do Fórum DCA Ceará.

Qual a função de um conselheiro tutelar?

O Conselho Tutelar surge com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a partir da Constituição também de 1988, com a compreensão de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito. Então ele é criado a partir de uma mudança de perspectiva do que é ser criança e adolescente na sociedade brasileira. Foi realmente uma mudança de paradigma, uma forma de compreender diferente que se transformou com a Constituição de 1988 e o ECA que vai fundar a doutrina da proteção integral, olhando para as crianças e adolescestes como pessoas em desenvolvimento.

Muito diferente de uma legislação, que era o antigo Código de Menor, que colocava as crianças e adolescentes como secundários, em uma lógica que criminalizava a infância, com a criação de uma situação irregular, então era como se tivesse algo para ser reparado a partir de práticas higienistas, de punição, discriminação e não de assistência. Então os Conselhos são extremamente importantes nessa política de atendimento, porque eles vão atuar no eixo de defesa, dentro desse sistema de garantia de direito que as crianças e adolescentes fazem parte, e os profissionais que atuam no Conselho Tutelar, os conselheiros, são basicamente responsáveis por garantir e fiscalizar as políticas voltas para as crianças e adolescentes.

Então assim, de forma prática, as principais atribuições do Conselho Tutelar vão dar conta de atender crianças e adolescentes quando ameaçadas e violados seus direitos, solicitando e articulando políticas de assistência como saúde, educação, cultura, assim também como aplicar medidas que venham a proteger o sujeito.

Você acha que a população enxerga a importância do conselheiro tutelar, ou você acredita que ainda possa ter alguma rejeição em relação aos conselheiros?

É complexo, porque existe o que de fato é para o Conselho Tutelar ser, que é uma peça fundamental na nossa democracia, nos nossos espaços democráticos, na Constituição do ECA e tudo mais, mas existe também um certo estigma que foi criado com o Conselho Tutelar como, por exemplo, o Conselho Tutelar ser a “polícia das crianças”, o Conselho Tutelar tomar a criança das mães, que eu analiso que vem de duas perspectivas, tanto essa perspectiva que a gente chama de uma perspectiva menorista, que é desse Código do Menor, que ainda é aquela ideia de crianças que não são sujeitos de direitos, são totalmente uma extensão dos pais, não têm direitos garantidos, mas também uma perspectiva de conselheiros tutelares e Conselhos que não estão tão alinhados com os princípios do ECA e acabam reproduzindo práticas que vão totalmente ao contrário do que é a proteção às crianças e adolescentes e aí reproduzem essa lógica de que o Conselho Tutelar não é bom, de que o Conselho Tutelar é muito distante, não fortalece, não ajuda a família.

Então assim, para a gente ser realista existem conselheiros que, de fato, estão alinhados e existem conselheiros que não estão, e aí acabam causando também esse distanciamento e impactando nessa interpretação, nessa lógica, no pensamento das pessoas sobre o que é o Conselho, como solicitar o Conselho Tutelar, o que fazer com o Conselho Tutelar, e para isso é muito importante que um dos papéis do Conselho Tutelar também seja educativo, seja de se apresentar, seja de estar nos espaços em que tem as famílias, as crianças e os adolescentes, porque o Conselho Tutelar faz parte dessa vivência comunitária.

Como faz contato com o seu conselheiro tutelar ou com o Conselho Tutelar do seu município?

Tem o dique 100, que ele funciona em território nacional, para acolhimento de denúncias. Também tem as sedes dos Conselhos Tutelares, que precisa ser procurado em cada cidade. As pessoas podem se dirigir ao equipamento. E tem também os números de cada atendimento. É possível encontrar o Conselho Tutelar assim.

Quem pode votar nessas eleições para conselheiros tutelares que acontece no dia 1º de outubro?

Nas eleições podem votar pessoas nascidas no Brasil, maiores de 16 anos e que tem título de eleitor. Basicamente isso. Este ano alguns municípios estão tendo apoio do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), com o uso de urnas eletrônicas que em outros anos não aconteceu. Uma diferença também das eleições municipais, estaduais é a questão do voto ser facultativo. Não é um voto obrigatório, é um voto facultativo, também por isso que é muito importante esse momento de conversa e de debate sobre o que é, e de engajamento da população nessa votação.

Quem não votou nas eleições anteriores para conselheiros tutelares pode votar a primeira vez este ano?

Pode votar sim. Pode consultar o seu local de votação. É possível consultar no site do TRE e se dirigir ao seu local no dia 1º de outubro. A votação começa às 8h da manhã e termina às 5h da tarde. 

Qual é a importância da participação da população nessas eleições?

É importante a gente refletir que esse trabalho do conselheiro é um trabalho intenso, de desnaturalização dessas práticas violadoras de direitos que colocam as crianças nesse lugar de desvalorização, que muitas vezes são naturalizados pelas pessoas, por nós, em sociedade e o conselheiro tutelar vai ser esse funcionário que vai ter esse olhar mais crítico, por isso que a participação da população nessa escolha é muito relevante, porque é um momento em que a gente reafirma que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, que são prioritários na sociedade democrática.

Escolher esses conselheiros, principalmente comprometidos com a pauta da proteção é decisivo para o funcionamento do sistema de garantia, porque eles vão ficar nesse cargo durante quatro anos. 


O voto não é obrigatório, mas a participação popular é muito importante. / Foto: Prefeitura de Parnamirim

E qual é a importância de escolher conselheiros tutelares que sejam comprometidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Como é que alguém, que não é comprometido com o Estatuto da Criança e do Adolescente pode agir diante de uma denúncia? Porque se existe uma interpretação de que a situação não é uma situação de ameaça ou de violação de direitos então pode ser que nada seja feito, então pode ser que as redes não sejam articuladas. 

A gente vem falando há alguns anos como as ideias e os interesses conservadores vem disputando esse poder dentro dos Conselhos Tutelares, e que não é coerente, justamente porque é um órgão que foi criado para zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes e não para interesse individuais, interesses conservadores, então acaba que esses Conselhos e os conselheiros que não são comprometidos com o ECA vão reproduzir essas práticas que vão estereotipar e que vão afastar o Conselho Tutelar de uma vivência comunitária, da proteção.

O conselheiro precisa ser essa pessoa que tem essa compreensão das violências, das violações das crianças e adolescentes que estão vulneráveis e que sofrem cotidianamente com o machismo, com racismo, com a discriminação, com a homofobia, que são problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes e também pelas famílias que o Conselho tem essa responsabilidade de acolher e intervir.

Então é preciso, além de ter um Conselho que seja reativo, que vai responder essas demandas, mas também um Conselho propositivo, um Conselho que se envolve, que propõe, que tem condições para isso. Não é possível a gente aceitar um Conselho que seja omisso a essas violações, por isso que a gente também fortalece muito a ideia de que os conselheiros tutelares normalmente precisam ser pessoas com trajetórias, com seus territórios, nas suas cidades, como lideranças comunitárias, porque são pessoas articuladas e antenadas com as demandas sociais. 

É realmente importante ter profissionais comprometidos com ECA porque são conselheiros, profissionais capazes de ter esse olhar mais crítico, mais dinâmico, de tensionar, porque também é um lugar de fiscalização.

Você acredita que existe esse viés conservador dentro do Conselho Tutelar?

A gente vem aí de quatro anos de um governo mais conservador, de um governo que aprofundou uma disputa cultural, muitas vezes com Fake News, com argumentos infundados, que ocupou o espaço na política e que abriu espaço para que outros espaços políticos e democráticos também fossem disputados, espaços que sempre foram, mas a gente passou por esses quatro anos e os Conselhos Tutelares também não estão fora disso.

Esses grupos deles também cresceram, se fortaleceram nesses quatro anos e também disputam o Conselho Tutelar a partir dessas ideias, porque a gente também acompanha muito que a pauta da criança e do adolescente sempre é muito utilizada para falar sobre propostas, para falar sobre o que é certo, o que é errado, e a gente vê sim que no Conselho Tutelar existe essa disputa, existe a presença também, mas existem muitos profissionais comprometidos, existem muitos conselheiros tutelares de luta, engajados, que trabalham há vários anos, outros são mais recentes, pensando essa perspectiva da proteção.

E qual é o risco da presença do conservadorismo dentro do Conselho Tutelar?

De forma mais prática o Conselho Tutelar, o conselheiro tutelar, vai ser essa pessoa, e esse equipamento que vai estar ali mais perto para as pessoas que estão mais vulneráveis, porque se você procura Conselho Tutelar quer dizer que algum direito seu está sendo violado, então você já está vulnerabilizada, então, o conservadorismo presente nesse espaço, presente nessa prática profissional pode ter consequências ruins para essa pessoa que tem um direito violado, que precisa de um acolhimento, que precisa acessar um serviço e que vai ter que passar por uma experiência que não vai ser acolhedora

Se o ECA, a Constituição de 88 e o Conselho Tutelar vem com essa ideia de dignidade da Criança e do Adolescente, de proteção, o conservadorismo vai vir com uma ideia de repressão, com a ideia que não é de garantia a dignidade, ou é de garantia a dignidade a partir de uma perspectiva que não está dentro dos pactos democráticos. 

A gente acompanhou durante esses quatro anos um ataque ao serviço público, um desmonte, um sucateamento, então o Conselho Tutelar é muito importante por isso também, porque ele vai acolher essas denúncias, mas ele também vai fiscalizar esse poder público e o conservadorismo pode vir até mesmo a ameaçar a existência do Conselho Tutelar, deslegitimar esse lugar do Conselho Tutelar como instituição, um órgão democrático que está em rede com esse sistema de garantia de direitos.

Este ano, as eleições para conselheiros tutelares vão contar com a plataforma “A Eleição do Ano”. Você pode explicar o que é essa plataforma?

A plataforma “A Eleição do Ano” é uma iniciativa muito interessante do NOSSAS, que é um coletivo, uma organização da sociedade civil que pauta a justiça social e que está contribuindo na divulgação e informação sobre o papel do Conselho Tutelar.

Acessando essa plataforma você consegue encontrar candidatos de diferentes estados, acho que tem todos os estados do Brasil lá que se cadastraram na plataforma. Para se cadastrar nessa plataforma o candidato precisa responder algumas perguntinhas sobre se estar alinhado com os ideais democráticos e a defesa do ECA para se registrar, então é uma plataforma muito interessante porque ela é acessível e ela também é bem informativa, educativa.


O objetivo da plataforma é estimular a participação da população nas eleições e garantir que os órgãos sejam ocupados por pessoas realmente comprometidas com o ECA. / Foto: Prefeitura Municipal de Iúna

E como é que as pessoas que vão votar podem acessar a plataforma?

É um site: aeleicaodoano.org. Você acessa o site e lá você consegue entrar tanto como eleitor, e aí você pode consultar o seu local de votação e os candidatos do seu estado e do seu município, como acessa também como candidato, que aí você vai fazer esse cadastro. 

É uma plataforma feita para toda e qualquer pessoa que queira saber sobre o Conselho Tutelar, mais especialmente para os candidatos e eleitores, e ela é muito importante porque ela cria esse acesso. A gente ainda tem uma dificuldade em ter esse debate sobre o Conselho Tutelar em muitos espaços, então essa plataforma vem como mais um outro lugar que coloca esse acesso, que coloca isso em pauta. É uma plataforma intuitiva para o público que tem acesso à internet.

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Edição: Camila Garcia