Por onde passa, a mineração deixa ruína e fissura territorial, e o minério que há debaixo de nossos pés e deveria ser um patrimônio popular se tornou maldição para o povo brasileiro que margeia as minas e o corredor de escoamento do minério. Sob a tríade perversamente institucionalizada da mineração, enquanto utilidade pública e de interesse nacional, como atividade essencial e a chamada rigidez locacional, se tem a reprodução na história do caráter deste modelo. O Estado brasileiro nunca decidiu o quê, onde e o quanto minerar, o que faz da mineração um problema criado de fora para dentro em que o país se comporta como gestor dos interesses do capital mineral, fazendo de nós um país minerado.
Este modelo sai caro para o país e para povo brasileiro já que onera estados e municípios minerados e depende de vultuosos benefícios fiscais e tributários do Estado, como a Lei Kandir, que desvincula a obrigatoriedade de pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para minerais exportados. Assim também funciona a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), cuja maior alíquota compensatória por mineral explorado chega a apenas 3,5%. Em 2020, ano em que o setor faturou R$209 bilhões, apenas R$6,1 bilhões foram pagos em CFEM: menos de 3% do faturamento total repassados ao país, estados e municípios!
Nossas maiores e melhores reservas minerais historicamente foram e continuam a ser saqueadas. A Vale, expoente da captura subjetiva e forjadora do ideário do que supostamente é esta mineração no e para o país, saqueia 400 milhões de toneladas de ferro por ano em Minas Gerais e no Pará. E qual é o preço da tonelada métrica de ferro? Cerca de R$670,00, em junho de 2023, é o valor da tonelada métrica de ferro vendida ao mercado internacional pela maior mineradora de ferro do mundo, privatizada em 1997.
Se somos um país generosamente dotado de riquezas minerais em nosso subsolo, de natureza e água em abundância, por que somos um país de PIB rico e povo pobre?
Esse modelo demanda grades porções de latifúndio do subsolo que se traduzem em cercamentos do acesso à terra na superfície, aprofundam a escassez hídrica, seja pelo enorme consumo ou pela contaminação dos corpos hídricos, e dependem de trabalho precarizado, já que este é o setor que mata três vezes mais do que qualquer outro no país e apresenta 80% de taxa de terceirização.
Ora, quem deve então impor limites, empates e derrotas ao modelo mineral no Brasil?
Há um elemento que para nós, nestes 11 anos de nacionalização do MAM, se traduz em prática pedagógica e método de luta até aqui: é preciso romper a chegada do silêncio para não permitir que ele se deite sobre a riqueza das palavras e ideias do povo que se põe a insurgir contra este modelo de mineração. Onde houver insatisfação popular sobre falaciosas narrativas e promessas de projetos minerários que dizem ofertar emprego, renda e PIB, há margem para territórios livres de mineração. É preciso debater para disputar e controlar a mineração no Brasil!
A luta por Soberania Popular na Mineração passa por debater aquilo que se quer ou não em seu território, bairro e município. Ter o poder de incidir e decidir, fazendo disto um instrumento de poder institucionalmente reconhecido na lei e na luta, pois os centros decisórios nunca passaram pelos municípios e estados, muito menos pelos territórios. O primeiro passo é debater para romper o silêncio, organizar para reorganizar. Seja onde a mineração quer minerar ou de onde ela já minera. Então, onde houver um município minerado e dependente desta economia que mata outras economias, é preciso instituir mecanismos de controle social da CFEM.
A mineração é um problema que perdura 300 anos em que nosso ouro saqueado funde a acumulação primitiva do capital, o mercantilismo e a empresa colonial no Brasil. O MAM, em seus 11 anos de existência, produziu importantes desconfortos ao até então confortável modelo de mineração. No Ceará há muito a se fazer, já que o estado e o Nordeste ocupam lugares estratégicos de expansão da fronteira do setor que quer saltar de uma tímida contribuição de 2% média do PIB para 10%. Não à toa, o setor tem interesse em quatro milhões de hectares no estado cearense, o equivalente a 1/3 do seu território mapeado. E se não é o estado quem irá frear a fome e a sede da mineração, temos então a tarefa histórica de fazê-lo!
*Geógrafo e Educador Popular, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa