Conheci Anderson Sandes no dia 01 de outubro de 2004. Ele prestes a completar 50 anos, e eu, 20. Anderson foi meu primeiro chefe, quando iniciei o estágio no Caderno 3, no Diário do Nordeste. E que sorte a minha! Com ele, aprendi muito. A generosidade de Anderson sempre foi imensa, e não só comigo. Ele era uma fábrica de carinho, mesmo quando brigávamos, afinal “jornalismo é conflito”, ele me ensinou.
A história dos últimos 40 anos do jornalismo cearense passou por Anderson Sandes. Fundador do Diário do Nordeste em 1981, testemunha ocular das transformações do jornalismo impresso, ele nunca se esquivava de começar uma frase com “Antigamente...”, e os olhos se enchiam de brilho para relatar as grandes coberturas de tempos passados.
Ele era, antes de tudo, um contador de histórias. “Não é?”. Ao transpirar paixão pelo jornalismo, lamentava e também combatia a burocratização e a precarização das redações contemporâneas. Esta foi a sua principal pauta. Nos últimos anos, seu envolvimento com o Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) estava cada vez mais intenso. Defendia um jornalismo humanizado, com entrevistas presenciais, “cara, é olho no olho, testa a testa”, dizia.
Trabalhei pouco mais de dois anos com Anderson no Caderno 3. Ele era um jornalista-professor. A história do jornalismo cultural no Ceará passou por ele. Era um querido entre artistas e jornalistas. Transformou o batente diário da redação em uma escola, muitos com ele aprenderam. Repito, era um jornalista-professor.
Quando lia meus textos, sentava ao meu lado e ia me mostrando as alterações que fazia. “Evite verbo de ligação”, aprendi com ele. Nunca esqueço ele me explicando o que era “fauvismo”, escola de pintura do início do século XX. Com ele, aprendi sobre Capistrano de Abreu, Iberê Camargo, Nélida Piñon, Socorro Acioli, Violeta Arraes, Pedro Nava. Foi Anderson quem primeiro me falou de “memória” como uma categoria de análise nas ciências humanas. Cada pauta, para mim, era uma aula de jornalismo e de outros tantos saberes.
Há uma lição, no entanto, que demorei a compreender. Entre os vários jargões dele, um, em especial, me dava muita raiva: “editar é cortar”. Isso porque ninguém gosta de ter seu texto alterado, muito menos cortado. Hoje, repito esse ensinamento em sala de aula. Uma simples frase apresenta um dos maiores desafios para quem almeja ser jornalista: selecionar e sintetizar as informações. O bom jornalista é aquele que, em poucas linhas, consegue dar o recado com o máximo de detalhes possíveis. Esta é a arte do jornalismo.
O professor-jornalista
O destino nos fez colegas de trabalho novamente em 2010. Anderson, depois de 28 anos de redação, surpreendeu a todes. Aposentou-se no Diário do Nordeste e partiu de Fortaleza para ser professor de Jornalismo, em Juazeiro do Norte, no então Campus Avançado da Universidade Federal do Ceará, hoje Universidade Federal do Cariri (UFCA). Se antes ele era um jornalista-professor, agora, Anderson assumia o papel de professor-jornalista.
Sentar na cantina com ele e tomar um café era um momento de alegria. Ele sempre estava lendo um livro e curioso para saber o que você estava lendo. Anderson era, de longe, o que tinha mais tempo de redação no colegiado do curso da UFCA, e, como professor, nunca deixou de ser jornalista. Se antes ele transformou a redação em sala de aula, na universidade, Anderson transformou a sala de aula em uma redação, com rotina diária, diga-se de passagem. Esteve à frente de inúmeras publicações no curso. Inúmeras mesmo, não conseguiria citar todas. Era um grande editor e acolhia, sempre com carinho, os projetos das(os) estudantes. Anderson era um apaixonado pelo trabalho. Sua paixão contagiava as(os) estudantes, ou melhor, as(os) “jornalistas”, como ele mesmo dizia.
Aprendi muito com Anderson, mas hoje, quase 20 anos depois de nosso primeiro encontro, percebo que o maior ensinamento dele foi de que jornalismo se faz com paixão, com dedicação, com ralação e apuração. Sem tesão, não há bom jornalismo. Ele fará falta, mas não tenho dúvida, que ele permanecerá nas memórias alegres de todas e todos que conviveram e aprenderam com ele.
*Tiago Coutinho é professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Camila Garcia