Estamos há décadas entre os 10 países mais analfabetos do mundo.
O Ceará ostenta a vergonhosa quinta colocação em número de jovens e adultos analfabetos entre os estados da Federação, 12% da população, mais que o dobro da média nacional que é de 5,6%, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, realizada em 2022.
Tal posição expressa uma contradição importante que, na minha avaliação, deveria ser objeto de análises, debates e soluções por parte do poder público e da sociedade civil. Como o estado que se gaba de possuir a melhor educação básica do país consegue conviver com esse índice revelado pela PNAD?
Não é de agora que o Ceará ocupa o topo dos estados com maior percentual de pessoas analfabetas acima de 15 anos. Segundo a pesquisa anterior, feita em 2017, o estado era o quarto nesse ranking, com 14,2% de cidadãos nessa situação.
Vale ressaltar que estamos tratando aqui de analfabetismo absoluto, ou seja, de pessoas que não sabem ler e escrever o próprio nome. Os dados nacionais são ainda mais alarmantes quando destacamos os índices de analfabetismo funcional, isto é, indivíduos que até possuem algumas habilidades de escrita e leitura, mas que não possuem o domínio das mesmas. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), cerca de 29% dos brasileiros se enquadram nesse perfil.
O último PNAD desvela também a dimensão de raça que atravessa esse fenômeno social, já que entre negros com 15 anos ou mais de idade, 7,4% são analfabetos, mais que o dobro da taxa encontrada entre brancos, que é de 3,4%. No grupo etário de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo dos brancos foi de 9,3%, enquanto entre pretos ou pardos chega a 23,3%.
Historicamente o problema do analfabetismo de jovens e adultos no Brasil ocupa uma posição marginal na agenda educacional. Não à toa estamos há décadas entre os 10 países mais analfabetos do mundo. Aqui as políticas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) são marcadas pelo subfinanciamento, pela descontinuidade e pela ausência de planejamento nas esferas Federal, estaduais e municipais.
Segundo o Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Ceará, até agora, o Ministério da Educação, Camilo Santana, não disse a que veio para o enfrentamento do analfabetismo. Entidades, pesquisadores e movimentos populares que lutam em defesa dessa modalidade educacional ainda não conseguiram sequer uma audiência com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), do MEC, para apresentarem suas pautas e reivindicações, já encaminhadas à equipe de transição do governo Lula em novembro de 2022.
É obvio que a meta 9 do atual Plano Nacional de Educação (PNE 2015 - 2024), que aponta para a erradicação do analfabetismo absoluto e a redução em 50% do analfabetismo funcional até o final do próximo ano não será atingida, sobretudo, devido ao desmonte e desvalorização das políticas de EJA nos últimos anos. Por isso a necessidade e urgência da elaboração de uma estratégia nacional de enfretamento ao analfabetismo, em diálogo com estados e municípios, com a participação ativa dos Fóruns de EJA e demais organizações que militam em defesa da Educação de Jovens e Adultos.
Enquanto uma ação mais ampla em âmbito federal não é encaminhada é fundamental a revogação imediata da Resolução CNE/CEB nº 01/2021, que determina as atuais Diretrizes Operacionais da EJA e que tem sido duramente criticada por especialistas e educadores, uma vez que afasta a modalidade de seu caráter emancipatório e suas especificidades teórico-metodológicas, abre possibilidades para a oferta de salas multisseriadas e incentiva a educação à distância, além de ser omissa com relação ao financiamento, planejamento e formação de educadores.
No plano estadual é urgente a interdição do fechamento irresponsável de turmas de Educação de Jovens e Adultos, uma prática contínua de vários governos municipais. Em Fortaleza, por exemplo, só esse ano já foram fechadas 19 turmas em 12 escolas da capital, segundo denúncia do Fórum EJA. Outra iniciativa fundamental seria a elaboração de um plano de formação de educadores, desde a graduação nas licenciaturas até a formação continuada de quem já atua na área, a partir de parcerias entre as Universidades Estaduais, SEDUC e secretarias municipais de educação. Por fim, a destinação de vagas específicas para professores de EJA nos concursos públicos também é determinante para a valorização desses profissionais e da própria modalidade.
Temos no Brasil, a trancos e barrancos, um acúmulo de experiências práticas e teóricas que nos possibilitariam erradicar o analfabetismo em poucos anos. A garantia do direito civilizatório à alfabetização e a superação dessa situação dramática em que milhões de brasileiros se encontram, esbarram na mentalidade tacanha de parte considerável das classes dominantes e governantes do país, cujo projeto de poder é essencialmente elitista e excludente.
*Pedro Silva é professor da UECE e militante do Movimento Brasil Popular.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa