Ceará

Acesso à comunicação

Audiência debate a regulação das mídias e o direito à comunicação

Atrasado no tema, o Brasil começou o debate em 2010, mas o país esbarra na impressão equivocada de que haverá censura

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Audiência publica na Alece sobre regulação e direito à comunicação - Amanda Sobreira

Jornalistas, radialistas e comunicadores da imprensa independente do Ceará debateram, na última sexta-feira (7), a importância da regulação da mídia no país e os desafios enfrentados pelas rádios comunitárias estaduais na missão de informar. O debate aconteceu durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) para discutir políticas públicas estaduais de efetivação do Direito Humano à Comunicação. Um requerimento dos deputados Renato Roseno (Psol) e Missias Dias (PT).

Em debate desde 2010, a regulação das mídias, ou dos meios de comunicação, esbarra em uma impressão equivocada de que haverá censura no país. Em outras nações democráticas, órgãos reguladores existem há mais de cem anos. Entre os pontos discutidos no Brasil estão a proibição de que políticos com mandato tenham concessões de rádio e TV; a proibição de monopólios e oligopólios na mídia e a obrigatoriedade de um percentual mínimo de programas regionais em rádios e televisões.

No mundo todo pesquisas nacionais e internacionais apontam que a pluralidade e diversidade são o melhor caminho para combater a desinformação. A jornalista e pesquisadora Helena Martins, professora da Universidade Federal do Ceará, alertou para a falta de políticas públicas para combater a precariedade e a desigualdade na comunicação. “Hoje a gente não tem tradição de ter políticas públicas de letramento midiático, de educação para mídia, garantia de acesso, de diversidade, de apoio à radiodifusão comunitária. Toda essa ausência acabou forjando um terreno muito fértil para problemas com a desinformação”.

A pesquisadora também fez um alerta para o cenário do acesso à internet no país. Apesar de levantamentos recentes apontarem que 80% da população brasileira é conectada à rede, as pesquisas não revelam a metodologia utilizada e se limitam ao uso das redes sociais para calcular esse acesso. “Nas pesquisas se considera uma pessoa conectada alguém que acessou a internet uma vez nos últimos três meses. O que a gente tem no Brasil é um acesso precário. É impossível você pedir para que as pessoas confiram as informações, se muitos acessam apenas as redes sociais, ferramenta que, muitas vezes, fomenta a desinformação”, ressalta.

À distância, a audiência contou com a participação do deputado federal Orlando Silva (PCdoB), relator do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020), que tramita na Câmara dos Deputados, desde 2020. O Projeto institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas a campanha das big techs para derrubar o projeto é tão ferrenha que, em maio, o Google chegou a fixar uma mensagem contra o PL na sua página principal. 

“Se não houver cuidado com a difusão de desinformação e de discurso de ódio, nós podemos colocar em risco a sociedade brasileira, e não estou falando de democracia, estou falando de vida. O que aconteceu em 2012 e 2022 já são motivos suficientes para a sociedade ter um marco regulatório. Precisamos assegurar que esse projeto seja votado e aprovado, dando respaldo aos parlamentares que fazem esse tipo de defesa, porque a gente sabe que é onde os lobbys se manifestam com uma incidência maior”, pontuou.

A concentração midiática em oligopólios e a falta de espaço e investimento nas rádios comunitárias foram destaques durante a audiência. O deputado Missias Dias alertou para a mobilização política e dos movimentos populares para garantir a diversidade e pluralidade das informações. “Todo mundo precisa ter acesso à informação mais plural possível e o que a gente tem visto é uma concentração de ideias, um único pensamento em muitos meios de comunicação”, ressaltou o parlamentar.    

A fala foi corroborada pela presidente do Movimento de Rádios Comunitárias, Rosa Gonçalves, e pelo presidente da Associação Cearense de Emissoras de Rádio e Televisão Comunitária (Acertcom), Regis Reis, que reclamaram a falta de financiamento público e ressaltaram a dificuldade de sustento das emissoras. Representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, a historiadora Íris Carvalho, ressaltou o papel da comunicação atrelado à formação política do movimento. “A educação é vinculada à comunicação porque nosso debate é no campo das ideias. São mais de 5 mil jovens que precisam formar nossa base e se organizar. Além das nossas rádios, da nossa revista e das nossas redes sociais que informam sobre nossas ações concretas, também trabalhamos ampliando o combate às fake news. Outro instrumento que temos é o jornal Brasil de Fato, que recentemente completou 20 anos e é uma das mídias alternativas que requer financiamento”, ressaltou.

A promoção de concursos públicos para a contratação de servidores efetivos, a criação de uma Frente Ampla de Comunicação e a reestruturação da Fundação de Teleducação do Ceará (Funtelc) também foram debatidos pelo presidente do Sindijorce, Rafael Mesquita, e pelo diretor da Associação Cearense de Imprensa, Salomão de Castro. A presidenta da TV Ceará, Moema Soares e o jornalista Daniel Fonseca também participaram do encontro.

O Deputado Renato Roseno destacou os encaminhamentos. Entre eles: criação de uma política estadual de apoio à radiodifusão comunitária, por meio do PL 289/2023, de sua autoria; um Projeto de Indicação para a criação de um Conselho Estadual de Comunicação; e o requerimento de universalização da banda larga aos estudantes da rede municipal e estadual do Ceará, com o apoio da Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice); além da construção de cursos de formação em educação midiática por meio da Escola Superior do Parlamento Cearense (Unipace).     

“A gente precisa fazer esse debate frente ao cenário da desinformação, que é um atentado à democracia, e aos grandes monopólios nas plataformas digitais sem regulação nenhuma. É preciso pensar também que existe uma comunicação fora dos grandes monopólios, que é a comunicação comunitária”, disse Roseno.

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Edição: Francisco Barbosa