O segundo dia do julgamento começou às 9h40min. Foram ouvidas as testemunhas de defesa dos quatro policiais acusados de homicídio e tentativa de homicídio no crime nacionalmente conhecido como a “Chacina do Curió”. Hoje (22), quinta-feira, terceiro dia do julgamento, serão ouvidos os depoimentos dos policiais. Um deles, José Vidal de Abreu Filho, está nos EUA e falará por meio de videoconferência.
Durante a releitura da denúncia, com 60 páginas, três mães de vítimas assassinadas precisaram sair do 1° Salão do Júri, no Fórum Clóvis Beviláqua, sob forte emoção e receberam apoio psicológico. Ao todo, 11 pessoas foram mortas e 7 sobreviveram à matança. O julgamento que acontece em Fortaleza é o maior do ano do país e também o maior em número de policiais militares no banco dos réus desde o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 2006, no Pará. Ao todo, 30 PMs são acusados de participar do crime ocorrido na madrugada do dia 12 de novembro de 2015.
Sete testemunhas, entre amigos, vizinhos e colegas de farda falaram em favor dos policiais Marcus Vinícius Sousa da Costa, António José de Abreu Vidal Filho, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio. Todos foram unânimes ao afirmar que os policiais citados eram pessoas calmas, pacatas e prestativas, sem nenhum registro de desentendimentos na vida pessoal ou no trabalho.
A quinta pessoa a depor, um vigilante que morava na casa de cima do PM Ideraldo Amâncio, afirmou que na véspera do crime, viu o acusado chegar em casa por volta de 22h enquanto ele fumava na varanda de casa. A testemunha informou que o policial chegou a cumprimentá-lo, entrou em casa e não saiu mais. Ao ser questionado pelo Ministério Público (MP) sobre a marca do veículo, o mesmo afirmou que se tratava de um Siena de cor preta. O carro é da mesma cor e do mesmo modelo do veículo identificado por sobreviventes da Chacina, enquanto elas eram alvejadas por policiais.
O MP chegou a pedir a prisão da quinta testemunha por falso testemunho / Calvin Penna/TJCE
O MP chegou a pedir a prisão da testemunha sob o argumento de que houve contradição e falso testemunho entre os depoimentos prestados na primeira fase do tribunal do júri e em plenário, nesta quarta-feira. Houve um princípio de confusão entre defesa e acusação, mas o pedido foi indeferido pelo colegiado de juízes e a testemunha foi liberada.
As testemunhas ouvidas na defesa dos acusados foram arroladas pelos advogados dos policiais Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio. Segundo a perícia feita na época do crime, os veículos dos dois policiais tiveram as placas adulteradas. A defesa dos acusados sustenta a inocência dos seus clientes. O advogado de Ideraldo Amâncio diz que o carro identificado no processo como sendo do policial, era similar ao carro do policial e que não passou próximo das cenas dos crimes. “O que existe é um recorte de um carro similar que teria passado na Avenida Washington Soares, por volta de 22h30min, só que os fatos começaram a ocorrer depois de meia noite e trinta. E a Washington Soares não é caminho obrigatório de acesso aos bairros onde aconteceram os crimes”, disse o advogado Roberto Duarte.
A advogada Fabrícia de Castro, que atua na defesa do policial Wellington Veras, disse que ele não estava no local do crime. “Ele estava na base do [Programa É Possível Vencer] Crack, junto com outros colegas e foi prestar solidariedade à família de um policial morto”, afirmou. O policial é Valterberg Chaves Serpa, soldado morto a tiros em uma tentativa de assalto na Lagoa Redonda, na noite do dia 11 de novembro de 2015. Até hoje, ninguém foi preso por esse latrocínio.
De acordo com a denúncia do Ministério Público do Ceará, rapidamente, os policiais se comunicaram por mensagens nas redes sociais e horas depois, na madrugada do dia 12 de novembro de 2015, dezenas de PMS entraram na comunidade do Curió, intimidando, ameaçando, torturando e atirando contra as vítimas, de forma aleatória, em represália à morte do soldado Valtemberg.
No primeiro dia do julgamento, foram ouvidos três sobreviventes do crime e dois familiares vítimas da Chacina do Curió. A dona de casa Silvia Helena é mãe de duas pessoas que sobreviveram aos ataques na comunidade e tia de Jardel, morto naquela madrugada. O sentimento de toda família é de alívio pelo início do julgamento, mas também é de medo. “A gente não tem dormido. Eles estão apreensivos e com medo. Medo do que eles passaram e medo de outros jovens virem a passar também. Não é só a vida deles que está em jogo, é a vida de outros jovens mortos a cada dia na periferia”, ressaltou a mãe.
O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA), a Anistia Internacional e outras instituições acompanham o caso. A coordenadora do CEDECA, Mara Carneiro, acredita que o julgamento do caso servirá de exemplo contra a impunidade policial praticada em todo o país. “É um caso de repercussão nacional, de grande impacto que pode ser uma resposta contra a impunidade em casos de violência policial no Brasil. Estamos confiantes e esperançosas com o final que todas as mães e familiares, a sociedade deseja, que é justiça para o Curió”.
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Edição: Camila Garcia