No dia 17 de maio, foi instaurada na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), a Comissão Parlamentar de Inquérito do MST, com o objetivo de investigar uma suposta escalada de ocupações de terras no Brasil. É a quinta CPI enfrentada pelo MST ao longo de sua história. Expressão da correlação de forças desfavoráveis no Congresso, a presidência da CPI ficou com o Coronel Zucco (Republicanos-RS), investigado por incentivar os atos golpistas do 8 de janeiro; e a relatoria com Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de Bolsonaro, investigado por um conjunto de crimes ambientais, inclusive, organização criminosa, quando tentava “passar a boiada” à frente do Ministério do Meio Ambiente.
O que temos visto desde então é um verdadeiro circo de horrores, com a tentativa absurda de associar à luta pela terra no Brasil ao trabalho escravo e ao narcotráfico. Justamente o inverso da realidade brasileira, como demonstram as recentes denúncias de trabalho escravo nas vinícolas em Bento Gonçalves (RS), mas também, como evidenciado pela Agência Pública, em matéria de outubro de 2020, uma investigação da Polícia Federal realizada naquele ano demonstrou que parte dos lucros com o tráfico de cocaína no Brasil são lavados no agronegócio, através da aquisição de fazendas nas regiões de fronteira e no financiamento de campanhas.
Na verdade, o objetivo da CPI do MST é atacar o governo Lula e criminalizar a luta popular no Brasil, buscando desviar o foco da CPMI dos atos golpistas do 8 de janeiro. Vale lembrar que a democracia e os direitos sociais no Brasil são conquistas da classe trabalhadora. Se dependesse de grandes proprietários de terra no país, ainda viveríamos em uma sociedade escravista. Aliás, a própria Abolição, longe de ser uma benevolência da princesa, foi produto da luta da população escravizada e do movimento abolicionista, que defendia que o fim da escravatura no país fosse acompanhado justamente da democratização da propriedade de terra, da Reforma Agrária!
Neste sentido, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra é continuidade da luta abolicionista no Brasil, mas também das lutas camponesas ocorridas com o advento da República, tais como Canudos, Contestado, Caldeirão, das Ligas Camponesas no Nordeste, do MASTER, no Rio Grande do Sul, etc. Enquanto não for democratizado a propriedade da terra no país, surgirão movimentos como o MST que lutarão pelo acesso à terra.
Portanto, como nos dizia o saudoso Florestan Fernandes, o que a CPI evidencia é justamente o caráter autocrático das classes dominantes no país, que são incapazes de relacionar desenvolvimento econômico, democracia e soberania e que, por conseguinte, tem um verdadeiro pavor quando os trabalhadores se organizam e lutam por seus direitos. Tratam a questão social no Brasil como questão de polícia.
Por isso, é fundamental que todos os democratas defendam o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra de mais uma tentativa de criminalização. A Reforma Agrária segue sendo uma transformação fundamental para a construção de um projeto de desenvolvimento, que produza alimentos saudáveis, que desenvolva o mercado interno, que estimule a industrialização, mas, que sobretudo, recupere a dignidade do povo brasileiro e acabe de uma vez por todas com a fome em nosso país.
*Historiador e integrante da Coordenação Nacional do Movimento Brasil Popular
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa