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A classe artística precisa seguir organizada para consolidar seus direitos

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Precisamos nos envolver, fiscalizar e cobrar os espaços e agentes da política. - Foto: Wandeallyson Landim
Não podemos nos acomodar. Entendamos que um respiro é importantíssimo, mas infelizmente não é tudo

Está chegando a Lei Paulo Gustavo. Logo mais, a Lei Aldir Blanc II, volta de editais nacionais como os do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, mas qual deve ser o papel da classe artística? Sigo defendendo que nós trabalhadoras e trabalhadores da cultura, nas suas mais diversas áreas, precisamos seguir organizados para defender e ampliar nossos direitos, melhorar a qualidade de nosso trabalho e garantir o direito do povo à cultura, como diz o Artigo 215 da Constituição Federal de 1988: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Mas mesmo com o direito afiançado pela nossa Constituição sabemos que na prática não é bem assim. Bolsonaro e Temer atacaram e desorganizaram o Sistema Nacional de Cultura de várias formas – cortes de recursos, demissões de profissionais habilitados, escolha de gestores inaptos para cargos técnicos e políticos importantes. Sem falar na censura que implantaram, atacando projetos que tratassem de temáticas que eles não gostassem, promoção da violência entre setores conservadores da sociedade civil, incentivando-os a atacar artistas e suas produções.

Não podemos nos acomodar com o breve momento de respiro que a eleição do presidente Lula e do retorno do Ministério da Cultura, com Margareth Menezes e sua equipe abriram para nós. Entendamos que é um respiro importantíssimo, mas infelizmente não é tudo.

Primeira coisa, no aspecto nacional, precisamos lutar para que a Aldir Blanc, que já tem previsão de execução por alguns anos, vire uma política federal permanente, para que tenhamos uma injeção de investimento federal específica para a cultura anualmente, garantindo melhores condições de estruturação do Sistema Nacional de Cultura, com o recurso chegando na ponta, em todas as cidades do Brasil, conscientizado o poder público local do importante papel que a cultura cumpre, tanto civilizatório quanto econômico.

Virar política pública de Estado, aprovada no Congresso e sancionada pela Presidência, nos dá mais segurança contra eventuais ataques de políticos conservadores de direita e extrema direita. Fica mais difícil deles derrubarem como fizeram com políticas de governo das gestões do PT após o golpe na Dilma.

Segundo, e talvez o mais importante, não podemos esquecer que o bolsonarismo está aí. Eles elegeram muitos deputados federais e estaduais, senadores, vereadores e prefeitos por todo o Brasil. Precisamos acompanhar, fiscalizar e cobrar dos gestores municipais, cobrar dos vereadores e deputados que elegemos para pressionar o prefeito e o governador, precisamos criar Conselhos Municipais e Estaduais de Cultura e ocupá-los com representantes da classe para que o Sistema Nacional de Cultura se consolide, para que as cidades e estados acessem os recursos e que eles sejam destinados corretamente a classe artística, garantido o acesso ao recurso pela diversidade do povo brasileiro sem nenhum tipo de censura, e também, garantido que nenhum dos trabalhos aprovados infrinja leis ou ataque direitos humanos, como apologia à violência, racismo, nazismo, misoginia e outros absurdos que tem crescido em nosso país.

Precisamos nos envolver, fiscalizar e cobrar os espaços e agentes da política para que possamos garantir que existam Secretaria Estaduais e Municipais, que sejam geridas por pessoas habilitadas, política e tecnicamente, que o diálogo com a classe aconteça e as políticas sejam desenvolvidas de forma a respeitar, inclusive, a epistemologia da arte e cultura, para que não aconteça como algumas cidades na Aldir Blanc I que fez editais toscos e totalmente descontextualizados com o que vem sendo debatido e executado no setor.

Não podemos cair no conto da carochinha. Cito apenas dois exemplos para nos deixar em estado de alerta. A gestão Sarto (PDT) em Fortaleza, que colocou seu irmão como Secretário de Cultura, que ao que parece, sua única aptidão para o cargo é supostamente saber tocar ukulele, mas que conseguiu o feito de não investir nem 30% do orçamento destinado para a cultura na cidade, dinheiro que já estava em caixa e que ele deixou de utilizar, mas financiando grandes festivais de cunho religioso.

O outro caso é o do prefeito de Crato, Zé Ailton Brasil (PT), que desde a realização da Conferência Municipal de Cultura vem ignorando a classe artística da cidade, que através da Conferência fez indicações importantes para a gestão, sendo a principal a destinação de 2% do orçamento municipal para a cultura, com garantia de que 50% do valor será para a produção e fruição artística; e desde então o setor vem tentando reuniões com o prefeito para dialogar sobre a pauta e ele não recebe, inclusive, dizendo por aí que nunca foi solicitada reunião, inclusive, ele já enviou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para a Câmara de Vereadores para votação sem a destinação dos 2% para cultura.

“Com a barriga vazia não consigo dormir
E com o bucho mais cheio, comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
Que eu me organizando posso desorganizar
Da lama ao caos, do caos à lama
Um homem roubado nunca se engana” - 
Da lama ao caos – Chico Science e Nação Zumbi

*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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Edição: Francisco Barbosa