O governador Elmano de Freitas (PT) deve receber ainda no mês de maio, representantes das comunidades tradicionais pesqueiras do Ceará que reivindicam uma transição energética limpa e popular. A informação foi dada pelo secretário de Articulação Política do Governo do Estado, Miguel Braz, durante audiência pública realizada na terça-feira (02), na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), para debater os danos socioambientais causados pela implantação de projetos de energia eólica offshore (dentro do mar). De acordo com o secretário, "ouvir os movimentos populares, federações e comunidades é prioridade do governador".
As comunidades também pedem a suspensão dos processos de licenciamento em andamento e de novas assinaturas de memorandos até que aconteça uma consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas, como determina a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário. De acordo com o secretário, “o governo não quer fazer o debate da transição energética que não venha com os saberes e com as demandas das comunidades”.
A audiência foi requerida pelo deputado Renato Roseno, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alece. De acordo com o parlamentar, 38 comunidades de 15 municípios participaram do debate, além de secretários de estado, representantes de órgãos ambientais e de diversas prefeituras do interior.
O deputado Missias do MST (PT) participou da audiência e destacou a preocupação com o território “do campo, da praia e do mar” e necessidade de diálogo com o governo. “Para a gente conhecer os projetos, entender o que está acontecendo, debater as vantagens e desvantagens e encontrar um caminho para resolver os problemas, e a garantia de que vamos preservar nosso território”, declarou o parlamentar.
Pelo instituto Terramar, a ambientalista Soraya Tupinambá apresentou um panorama dos parques eólicos marinhos no mundo. De acordo com os dados apresentados, dos 9.971 aerogeradores no país, mais de 100 estão no Ceará. Somente o motor de um aerogerador, que faz as pás girarem com o vento, pode chegar a 226 metros de diâmetro e a altura de um único equipamento pode chegar a 260 metros. Superestruturas que só podem ser transportadas por navios semelhantes aos que são utilizados na construção de plataformas de petróleo. “É importante ter ideia de tudo isso porque você dimensiona o impacto territorial. No Pecém, só uma empresa demandou 420 hectares para localizar essas estruturas, antes de irem ao mar”, ressaltou Tupinambá.
A voz das comunidades
Como forma de resistência, as comunidades se uniram e criaram a Articulação Povos de Luta do Ceará. De acordo com a Articulação, a pesca artesanal, aspecto importante da soberania alimentar, representa aproximadamente 70% de todo pescado que é enviado e consumido nos centros urbanos.
Em carta aberta, o movimento diz que os parques representam “uma grande ameaça” às populações da zona costeira, da forma como estão sendo pensados, “sem respeitar os devidos ecossistemas, as comunidades tradicionais e seus modos de vida”.
Do Quilombo do Cumbe, Luciana Santos esteve na audiência para falar da experiência da comunidade que há anos sofre com os impactos de aerogeradores implantados nas dunas da região. “A gente não quer que venha para o Cumbe. Só a gente sabe o transtorno que foi e é na nossa vida social e econômica. Disseram que não era pra gente ter medo quando era na terra, imagina agora que é no mar e os impactos vão ser muito maiores”, se preocupa a pescadora.
De Camocim, da praia de Tatajuba, o pescador João Batista dos Campos, o Tita, alertou para o racismo ambiental praticado pelos grandes empreendimentos. “Querem nos destruir porque nosso modo de vida atrapalha o sistema”.
De Caetanos de Cima, o pescador Valyres de Sousa destaca as mais de 300 comunidades pesqueiras que tem relação direta ou indireta com a pesca. “Isso sem contar os que não tem cadastro que a gente sabe que são muitas pessoas”.
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Edição: Francisco Barbosa