De 15 a 21 de abril, aconteceu em Limoeiro do Norte a 12ª Edição da Semana Zé Maria do Tomé. Evento já tradicional que relembra a história, as lutas e legados deixados por Zé Maria do Tomé, agricultor e ativista ambiental de Limoeiro do Norte que lutava contra a pulverização aérea e contra a grilagem de terra na região. Para falar sobre a programação da Semana e das lutas na região, o Brasil de Fato conversou com Reginaldo Ferreira de Araújo, historiador e pedagogo, mestre em educação e movimento social, ativista ambiental e social do Vale do Jaguaribe e integrante do Movimento 21. Confira.
Zé Maria do Tomé lutou contra a pulverização aérea e contra o uso de agrotóxicos. Há avanços nessas lutas atualmente?
Sim. Desde que Zé Maria foi assassinado, por causa desse enfrentamento que ele tinha de combate aos agrotóxicos, ao veneno, mas também pela divisão da terra aqui na Chapada do Apodi, que é concentrada pelas grandes empresas e multinacionais do agronegócio, a gente manteve o legado, o histórico, essa conquista e essa luta do Zé Maria.
Quando foi em 2019, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará aprovou por unanimidade a lei que proíbe a pulverização aérea no estado do Ceará e em janeiro de 2020 o governador na época, Camilo Santana, também sancionou a lei. Então hoje o estado do Ceará é o único estado do Brasil, quiçá da América Latina que tem uma lei que proíbe a pulverização aérea. Então a gente acredita que isso foi um avanço muito grande.
E a Lei já está trazendo algum tipo de retorno? Já dá para sentir algum resultado com a lei?
Olha, a lei começou a valer em 2020. Em 2020 nós tivemos a pandemia, foram dois anos de pandemia, então como a fiscalização já é débil em período “normal”, você imagine em uma pandemia. Então o agronegócio se aproveitou e a lei praticamente está valendo mesmo a partir do ano de 2022 . A gente já vê que aqui, pelo menos, a gente deixou de tomar banho de veneno. Aqui no Vale do Jaguaribe nós não temos mais banho de veneno. A lei está valendo não só no Vale do Jaguaribe, mas no Ceará todo.
No governo Bolsonaro ele realizou a liberação de uma grande quantidade de agrotóxicos. Qual é o impacto disso?
Foi muito perverso, porque alguns desses venenos que ele liberou são proibidos na Europa, são proibidos nos Estados Unidos e aqui está se vendendo a céu aberto, como se diz, então isso foi muito ruim para nós porque a gente já tem uma região muito fragilizada de fiscalização do veneno.
Ceará é o único estado do Brasil que é 100% de isenção de agrotóxicos, então o agrotóxico aqui é muito fácil de ser comprado, inclusive sem receituário, sem nada porque o mercado tem uma abundância muito grande, então isso prejudicou ainda mais a nossa realidade, mas ao mesmo tempo a gente tem a disputa de uma outra produção sem veneno. É uma disputa ainda muito inicial, mas que a gente está tendo alguns resultados.
E como essa questão dos agrotóxicos influenciam na nossa alimentação e na nossa saúde?
Olha, eu posso dizer cientificamente que já foi comprovado aqui em Limoeiro do Norte. Limoeiro do Norte é uma cidade de 60 mil habitantes. As pesquisas do Tramas, da UFC, do curso de Medicina, coordenado pela professora Raquel Rigotto, comprovada já, e não questionada por ninguém. Nem o agronegócio conseguiu questionar as pesquisas de Raquel Rigotto, o alto índice de câncer aqui na nossa cidade. Há três meses atrás minha irmã mais velha morreu de câncer. Nosso histórico da família não tem pessoas com câncer e aqui em Limoeiro do Norte é normal. Aqui na região todo mundo tem alguém da família que está com câncer, que morreu de câncer, que adoeceu de câncer. É uma coisa que naturalizou aqui na nossa região, sem falar dos problemas de pele, de câncer de garganta, de boca, de útero. Não é normal um negócio desses.
Quais são as expectativas com os novos governos? Tanto federal como estadual em relação aos agrotóxicos?
A gente tem uma perspectiva que vá barrar esse processo de envenenamento em massa da população. A gente tem os governos que vem de uma história da luta do campo. Nós temos o governador do Ceará que vem da história da luta do campo, então a gente tem uma perspectiva que ele taxe os agrotóxicos. O Movimento 21 está nessa luta, a gente vai construir abaixo assinado, vamos construir um diálogo com o governador, para que ele taxe os agrotóxicos, Nós estamos aqui no momento de alagamentos em muitas cidades, com muitas pessoas já fora de suas casas e o estado tem que ter recurso para esse povo. “E onde tirar o recurso?”, de quem tem. “Quem tem?”, são as empresas do agronegócio que lucraram demais com esse crime ambiental, esse desequilíbrio ambiental que a gente está vivenciando hoje.
Esse desequilíbrio ambiental é questão do desmatamento desenfreado que o agronegócio trouxe para o estado do Ceará. Esse desequilíbrio ambiental acarretou essas enchentes e esse caos que a gente está vivenciando hoje. Então tem que taxar eles, tem que taxar os agrotóxicos. Os agrotóxicos são taxados em todo canto do Brasil, menos no estado do Ceará. Então a gente do Movimento 21 vamos construir uma pauta com o governador Elmano para que ele taxe os agrotóxicos. É imprescindível isso.
Nós já temos a Lei Zé Maria do Tomé, que garante um ambiente saudável sem pulverização e agora nós queremos a taxação dos agrotóxicos aqui no estado do Ceará para levantar fundo, para, inclusive, indenizar esse crime ambiental que está acontecendo hoje no estado do Ceará.
Semana passada foi realizada a 12ª edição da Semana Zé Maria do Tomé. Gostaria que você falasse sobre a importância dessa ação que já está fortalecida no Ceará.
Pois é. A Semana Zé Maria do Tome a gente decidiu, este ano, fazer mais anúncios. Hoje nós estamos fazendo o anúncio que é possível uma vida saudável, com alimento saudável. Na manhã do dia 15, em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Limoeiro do Norte, a gente fez a Feira da Transição Agroecológica, da agricultura familiar e dos territórios de reforma agrária do Vale do Jaguaribe. A gente trouxe agricultores de toda a região do Vale do Jaguaribe, agricultores de Quixeré, de Limoeiro do Norte, de Tabuleiro, de Jaguaribe, de Russas, de Jaguaruana. A feira tem como objetivo apresentar à população que é possível sim comer um alimento saudável.
Esses agricultores produzem nos seus quintais, com suas condições, sem nenhum apoio financeiro do estado, município ou apoio federal, para você ver como é possível construir uma vida saudável, imagine se esse povo tivesse um aparato financeiro dos modos que o agronegócio tem, aí é que a produção seria mais maravilhosa. Então fizemos essa feira para anunciar que o Vale do Jaguaribe não é só veneno, que é possível sim alimentar a população sem uso de veneno.
Qual foi a programação da Semana Zé Maria do Tomé este ano?
Na quarta-feira, 19, nós vamos tivemos um debate com a professora Raquel Rigotto, que é uma professora que pesquisou aqui a nossa região e que por conta de todo esse processo de pandemia a gente não pôde se encontrar presencialmente, só nas atividades virtuais, então foi um reencontro. Também, na mesa, um professor da UFC apresentou dados sobre a fome, mesmo com esse PIB do agronegócio que diz que desenvolve, mas aumentou a fome nos territórios onde o agronegócio está instalado. Por exemplo, na pandemia, o Acampamento Zé Maria do Tomé, que está no seu nono pedido de reintegração de posse, enquanto toda a chapada está grilada, ocupada irregularmente pelas empresas, o Acampamento Zé Maria Tomé, na pandemia, distribuiu alimento para a periferia, para o hospital de Quixeré, para o hospital de Tabuleiro e para o hospital de Limoeiro, para esses heróis que estavam no front da batalha da pandemia. E as empresas do agronegócio não doaram nada aqui na nossa região.
A Maria de Jesus, uma companheira do movimento do MST também esteve aqui com a gente, e o nosso deputado, que foi quem encabeçou a Lei Zé Maria do Tomé, que é o companheiro Renato Roseno. Foi o primeiro debate presencial depois da pandemia. De 2020 a 2022 a gente não conseguiu fazer uma semana 100% presencial, mas esse ano vai ser 100% presencial.
Ainda no dia 19, realizamos uma roda de conversa no Acampamento Zé Maria do Tomé. O acampamento Zé Maria é um acampamento que, para nós, é muito simbólico, não somente por carregar o nome de Zé Maria, mas porque é uma disputa ideológica, de ideia de projeto. Do lado das empresas do agronegócio, está lá no filé mignon da Chapada do Apodi, o Acampamento Zé Maria do Tomé tentando produzir sua produção de transição agroecológica. Nós entendemos que o Acampamento Zé Maria do Tomé, se ele ganha essa disputa, ele vai criar uma revolução na cabeça e na mente desses agricultores que estão trabalhando nas empresas. Eles vão perceber que é possível não ser escravo do trabalho dessas empresas e vão poder voltar às suas origens e produzir um alimento saudável.
Então para nós foi muito importante essa roda de conversa. Todas as empresas grilaram terra. É como Eduardo Galeano diz, “A justiça é como serpente, só pega os descalços”. A nona vez que vem um pedido de reintegração para o Acampamento Zé Maria do Tomé, mas as empresas, até hoje, nenhuma delas, inclusive multinacionais, estrangeiras, nunca receberam um pedido de reintegração e também grilaram terra, também estão no mesmo território que o Acampamento está, em área Federal, mas não pediram reintegração desse povo, mas o Acampamento já é a nona. Então nós vamos fazer esse momento de conscientização para empolgar a resistência e trazer esse debate para dentro do Acampamento.
E na mesma quinta-feira à noite fizemos outra roda de conversa com os trabalhadores da Lagoinha, porque também são trabalhadores que alguns estão na agricultura familiar e outros foram convencidos de ganhar dinheiro nas empresas. E na sexta-feira foi o auge da Semana. Toda Semana Zé Maria do Tomé finaliza com a Romaria da Chapada, a Romaria dos Mártires. A gente resgata esse legado do Zé Maria e de todos os lutadores e lutadores ambientais que defendem o ambiente saudável, uma vida saudável. A gente traz todos eles nessa memória, nessa Romaria da Chapada, nessa mística de congregação de lutadores, de religiosos, de ativistas, de pesquisadores, todas essas lutas.
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Edição: Camila Garcia