Ceará

Para não esquecer

59 anos da ditadura militar: a esperança de ter a verdade preservada embala vítimas do regime

Comissão de Anistia planeja revisar mais de 4 mil pedidos negados durante governo Bolsonaro

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
59 anos da ditadura militar no Brasil. Lembrar para nunca esquecer. - Arquivo Edgard Leuenroth

“Alguém já se esqueceu de tudo isso? Tudo ficará por isso mesmo?”. Foi assim que o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, iniciou seu discurso no I Encontro entre anistiandos e anistiados, que marcou a retomada dos trabalhos na Comissão de Anistia do Governo Federal, nesta quinta-feira (30), em Brasília.  

As falas vão de encontro às inúmeras tentativas do governo Bolsonaro de tentar acabar com as trágicas memórias deixadas pela ditadura militar e encerrar a busca por justiça por aqueles que foram torturados e mortos durante os anos de chumbo, entre 1964 e 1985.

No Ceará está a Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou. A única em pleno funcionamento no país, informando e ensinando sobre as causas e consequências da ditadura militar para a sociedade brasileira. O presidente da Comissão, Leunam Gomes, esteve em Brasília onde participou do evento conduzido pelo ministro Silvio Almeida. “Foi um momento de muitas emoções. Passamos do momento do negativismo para a esperança. Foi o que todos sentimos tanto nas palavras do Ministro quanto do Assessor Especial, Nilmário Miranda”, destacou.


Mário Albuquerque, Paulo Abraão, Lúcia Alencar e Leunam Gomes durante encontro com o ministro Silvio Almeida, em Brasília, nesta quinta / Arquivo Pessoal

O Ceará estava bem representado. A Professora Lúcia Alencar, da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Reparação, também esteve no Seminário. Ativista pelos direitos humanos, Lúcia é sobrinha de Frei Tito, um dos cearenses torturados pela ditadura, assim como Rosa da Fonseca, Helena Serra Azul, Mário Albuquerque e tantos outros. A palavra esperança voltou ao vocabulário da família depois de quatro anos do sucateamento da verdade. Para Lúcia, o Brasil sempre reprimiu a cultura da memória e da verdade. “Não só com as atrocidades vivenciadas nos anos de chumbo. Nas escolas vemos outros episódios históricos sendo colocados de maneira subliminar e passageira. Por isso temos gente que ainda pede a volta do regime. Mas enquanto família, estamos felizes com as novas perspectivas e ampliações da comissão. Estamos prontos para esse novo momento da democracia que precisa ser fortalecida diariamente”, lembra a professora.

Incansável, Maria Luiza Fontenelle, mulher de muitas lutas, primeira prefeita de Fortaleza, vai além. Torturada e violentada pela ditadura, Maria, como gosta de ser chamada, é um dos principais nomes do movimento feminista pela anistia. Ela considera que apesar dos avanços iniciais sobre o tema resgatado pelo governo Lula, a sociedade vive o momento mais trágico da história da humanidade, apesar da vitória das urnas que salvou o regime democrático.

Para Maria, os atos antidemocráticos vividos pós eleição presidencial, evidenciam a gravidade do sistema e a decomposição das relações humanas. “O movimento pela anistia é para galvanizar corações e mentes. Mas a comissão, pensando bem, tenta recuperar o que? Estamos ainda sofrendo o resultado de um processo muito degenerativo dentro da sociedade, com um sistema intolerável praticado no período de Bolsonaro. É um movimento desafiador, mas seguimos na luta porque nossa luta é pela liberdade.” 

Comissão Nacional da Verdade.

A Comissão Nacional da Verdade, instituída pelo governo em 2011, concluiu que o regime deixou 434 mortos e desaparecidos políticos. A Comissão indica ainda que houve violações contra camponeses, trabalhadores, indígenas, universitários, homossexuais e militares.

A Comissão de Anistia irá retomar os processos que ficaram pendentes ou tiveram seus pedidos negados durante os últimos anos, especialmente no governo Bolsonaro. De acordo com a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, o colegiado pretende rever, nos próximos anos, entre 4 mil e 9 mil processos negados como forma de desmontar as políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação. 

Documentário

Na próxima quarta-feira (5), o Cine do Centro Cultura do Banco do Nordeste, relembra o dia 31 de março de 1964 com a exibição do filme “Escuridão na Terra da Luz”, do diretor Popy Ribeiro. A entrada é gratuita.

O documentário de resistência aprofunda o debate sobre o tema, defendendo o direito à memória, à verdade e à justiça ao resgatar locais históricos de manifestações políticas, de prisão, tortura e morte de militantes políticos da ditadura na cidade de Fortaleza.

Serviço:

Entrada gratuita. 
Quarta-feira, 5 de abril às 15h
Local:  Cine CCBNB. (Centro Cultural Banco do Nordeste) 
Rua Conde D'eu 560, Centro. 

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Edição: Francisco Barbosa