Na noite desta quinta-feira (16), a Polícia Civil prendeu o professor de futsal investigado por crimes de estupro em Fortaleza. De acordo com as investigações, pelo menos sete adolescentes entre 13 e 15 anos foram vítimas do homem de 43 anos. De acordo com as vítimas, o professor enviava mensagens com palavras obscenas e convites inadequados, além dos assédios que aconteciam durante os treinos. Uma das atletas chegou a filmar uma massagem e o professor retirou o celular das mãos dela, quando percebeu.
A iniciativa de filmar o crime não é comum. Medo, desconhecimento, falta de suporte são as barreiras mais difíceis de quebrar por quem sofre assédio sexual. Quando a violência é vivenciada no ambiente escolar, a responsabilidade da prevenção vem, muitas vezes, de quem comete o crime. Segundo dados da última Pesquisa de Saúde dos Escolares (2019), uma em cada cinco adolescentes (20,1%) entre 13 e 17 anos diz já ter sido tocada, manipulada, beijada ou ter tido partes do corpo expostas contra sua vontade, ao passo que 8,8% das meninas nessa idade já foram forçadas ao sexo, sendo a maior parte antes dos 14 anos. Os números são apenas referências, já defasadas, de uma realidade que existe em todo o Brasil.
O Movimento Nacional Olga Benário faz um trabalho de formiguinha nas escolas do Ceará. Desde 2020, as militantes realizam palestras para ensinar as estudantes sobre o que é assédio e como combatê-lo. Catarina Matos, coordenadora do Movimento no Ceará, destaca que a formação inclui explicar os limites da relação entre estudantes e professores. “Infelizmente a escola é um espaço onde isso acontece e a gente precisa que as meninas entendam que o professor está na escola para trabalhar. Ele está prestando um serviço e ele não pode usar esse espaço privilegiado para iniciar uma série de comportamentos, que ganham aspecto de flerte, mas que não é flerte, é assédio. E no ambiente virtual, a gente alerta para o conteúdo das mensagens”, ressalta.
Mais de 20 escolas já receberam as palestras em Fortaleza e no interior do estado. Os debates acontecem de maneira mista, com a presença dos educadores. A formação também orienta as estudantes para elas saberem o que fazer. “A gente sabe que elas são desacreditadas, muitas vezes a gestão da escola é omissa em relação ao que acontece, faz pouco caso ou só transfere o professor. Então, uma das formas que o movimento pode ajudar é ensinando a elas como assédio funciona e quais os caminhos para enfrentá-lo pessoal e juridicamente”.
Catarina diz que após as atividades, muitas meninas procuram as palestrantes para fazer a denúncia ali mesmo e em “alguns casos vão para além do assédio nas escolas e as alunas compartilham que sofriam abuso em casa, ou viviam em situação de violência com o companheiro”.
Na EEMTI Maria José Santos Ferreira Gomes, no bairro Quintino Cunha, as orientações chegaram por uma solicitação do grêmio estudantil. “Nós solicitamos a palestra ao Movimento e foi muito importante porque muitas meninas não só escutaram, mas também tiveram a liberdade de falar e entenderam como denunciar”, disse a estudante Juliana Brasil, diretora de cultura do grêmio estudantil.
Em Pentecoste, a pouco mais de 100 quilômetros de Fortaleza, quem entendeu a importância da denúncia foram os estudantes da escola Etelvina Gomes Bezerra. A Jessilane Macedo, estudante do terceiro ano, saiu fortalecida da vivência. “A palestra me fez ver que eu como mulher tenho força suficiente para lutar contra isso e a gente precisa do apoio e empatia das pessoas. Para a gente mostrar nossa voz e lutar contra essa sociedade machista que vê a mulher como um objeto frágil e que não tem voz para ir atrás do que ela realmente quer”, disse a estudante.
As palestras surgiram como resultado da cartilha desenvolvida pelo Movimento Olga Benário ensinando as estudantes a se proteger dos assédios. A iniciativa surgiu em outubro de 2020, logo após estudantes de Fortaleza usarem as redes sociais usando a #exposedFortal para denunciar a prática por professores e ex-professores de escolas particulares da cidade. Casos também foram relatados em Maracanaú, Sobral e na Região do Cariri.
“A gente lançou a cartilha em outubro de 2020, ela está disponível em PDF. É uma cartilha instrutiva, acessível e qualquer estudante do ensino fundamental e do ensino médio pode acessar, ler e perceber formas de enfrentamento à essa violência”, ressalta Catarina, coordenadora do Movimento Olga Benário no Ceará.
Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, define o crime de assédio sexual como "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função". Além das escolas, casos de assédio são comuns em ambientes de trabalho e espaços religiosos. A pena para o crime pode variar entre 1 a 2 anos de detenção.
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Edição: Camila Garcia