Até o dia 13 de março, a cidade de Quixeramobim, no Ceará, recebe a 19ª edição do Conselheiro Vivo, evento que tem se consolidado como um espaço de debate contemporâneo e de realização de eventos culturais que atualizam a memória de Antônio Conselheiro, líder religioso do Arraial de Belo Monte/Canudos, na Bahia. E para falar um pouco sobre a programação e atividades do evento e sobre a importância de manter viva a memória de Antônio Conselheiro o Brasil de Fato conversou com Neto Camorim, historiador, professor e integrante da ONG Instituto do Patrimônio Histórico, Cultural e Natural de Quixeramobim (IPHANAQ). Confira
Quem foi, ou melhor, quem é Antônio Conselheiro?
Antônio Conselheiro foi e é um homem incompreendido ainda hoje, como era também no passado. Ele significa luta e resistência, porque os ideais de Conselheiro continuam vivos a cada dia e se espalha em cada canto desse país, cada vez que alguém precisa de terra, comida, dignidade humana e justiça social.
Esse Antônio Conselheiro saiu daqui de Quixeramobim por volta de 1857, filho de um comerciante que depois que liquidou os negócios do pai, que faliu, teve que vender todos os empreendimentos e saiu dessa cidade, peregrinou um certo tempo pelo sertão do Ceará, na zona norte depois vai ao sul do estado, e este homem, andarilho, bebe nas fontes de inspiração do beato de Ibiapina, outro grande líder da história popular do nosso povo, e se transforma em uma figura que vai lutar, acima de tudo, acreditando na solidariedade, no trabalho comunitário e na justiça social.
Conselheiro era uma figura além do tempo, que estava preocupado em solucionar os problemas da seca, sabendo muito bem que o problema do sertão não é a seca, é a cerca do latifúndio, por isso que ele vai incomodar tanto.
Antônio Conselheiro incomodava naquela época. Ele ainda continua incomodando nos dias de hoje?
Muito. Esse Conselheiro incomoda todo dia. Ele incomoda porque aonde tem luta do povo, aonde tem mobilização no campo e na cidade é uma Canudos que renasce. É alguém que passa fome, é alguém que não tem moradia digna, é alguém que não tem comida na mesa, e Conselheiro é alguém que discute as políticas e injustas tributárias desse país. Conselheiro e os ideais de Canudos, de Belo Monte estão na luta do povo.
E o que é que significa manter viva a memória e a história de luta de Antônio Conselheiro?
Nesses últimos 19 anos, que tem acontecido edições do Conselheiro Vivo, que sempre acontece no mês de março, nós temos oportunizado levar essa discussão para a escola. A nossa ONG, o IPHANAQ, como você ressaltou, é uma das pioneiras que idealizou e começou esse movimento, depois essas outras entidades vieram somando e é muito importante porque a nossa preocupação é com a formação e com registro. O maior legado desse evento é que ele é um evento de formação nas escolas, seja educação de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio, com oficinas, palestras, exposições e vídeos, para que isso seja fomentado nas escolas.
Para nós tem uma importância muito grande por isso, porque possibilita um momento importante de que as pessoas conheçam a história de Conselheiro, conheça a história dos seus seguidores.
Qual a importância da realização e do fortalecimento do Conselheiro Vivo, que este ano chega a sua 19ª edição?
O legado que fica desse movimento é a possibilidade de primeiro, despertar nos jovens e nas crianças o fato de que eles podem conhecer a história de Canudos com as mais variadas linguagens artísticas e culturais. E para a cidade, que sempre negou historicamente o papel desse Antônio Conselheiro, porque Conselheiro saiu daqui um pouco, digamos assim, decepcionado. Um homem que teve que ir embora porque a família faliu, o pai faliu um negócio. Então a cidade virou as costas para ele, de certa forma, e ele vai ser esse grande líder lá fora e trazer a possibilidade de reconstruir essa história aqui na cidade.
Para nós é muito importante porque fortalece esse legado, fortalece essa história e possibilita a juventude, as crianças a conhecerem um pouco mais e registrar e valorizar a memória da história de Conselheiro e seu povo.
Você pode falar um pouco sobre a programação do evento?
Posso sim. A programação começou na quinta-feira, dia 02, com uma programação que teve início às 16h, teve um cortejo com as escolas municipais da cidade, às 18h teve uma roda de conversa com a presença da Manuela d'Ávila, para discutir a questão do feminismo e da luta por direitos, repercussões nas políticas públicas para as mulheres no Brasil.
No dia 10 vai ter uma mesa muito interessante que é um momento que nós estamos pensando na casa de Antônio Conselheiro, que é um encontro entre o povo da Bahia, que vem prestigiar nosso evento. Eles são de Canudos e da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). A noite vai ter show com Chambinho do Acordeon, na praça da cultura daqui. E a programação segue no domingo, dia 12, com visitas históricas no Centro da cidade, e termina no dia 13 com o encerramento de um concurso que a Secretaria de Educação organiza aqui, um concurso de literatura de cordel para premiar os alunos que vão participar desse concurso.
Onde a gente pode conferir a programação completa?
A programação completa pode ser conferida no instagram da Casa do Antônio Conselheiro e no instagram da ONG IPHANAQ.
Neto, você está fazendo um roteiro seguindo os passos de Conselheiro pelo Sertão da Bahia e Sergipe. Queria que você explicasse um pouco sobre essa sua ação.
Eu já conheço Canudos. Se não me engano, já são 20 vezes que eu fui a Canudos, de 2007 para cá. De 2012 para cá eu tenho ido lá todo ano. A gente fez um acordo com o povo de Canudos que a gente iria para Romaria de Canudos, que é em outubro, e eles viriam em março para o evento Conselheiro Vivo, guardada as devidas quantidades de pessoas, anos maiores outros menores, nós temos mantido essa tradição de integrar pela sociedade civil, os movimentos populares, principalmente, esse vínculo. Inclusive, nos últimos cinco anos, pela mobilização da sociedade, outras entidades ligadas aos governos, seja da Bahia e, principalmente do Ceará, através da Secretaria de Cultura do Estado, nos oportunizou a estreitar mais essa relação, e aí, depois de 2014 eu comecei a construir essa ideia, um projeto pessoal, de começar a visitar os percursos de Conselheiro na Bahia e Sergipe. Eu comecei isso em 2014, e tenho visitado todos os lugares que Conselheiro visitou na Bahia, onde construiu igrejas, cemitérios, estradas, alguns ainda existem, outros não tem mais, mas por curiosidade, estou fazendo um diário de bordo e que pretendo depois publicar isso em relatos quando eu concluir esse trabalho.
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Edição: Camila Garcia