8 de março é o dia em que se comemora as conquistas do movimento feminista e a data também é usada para alertar sobre as constantes violências sofridas pelas mulheres e representa, como em um ato político, a luta pela igualdade de gênero. Dentro desse contexto é preciso (re) lembrar que representatividade é importante e pode salvar vidas, mas para isso, é necessário um olhar cuidadoso, incluindo as vivências das mulheres trans e travestis em todos os espaços.
Com o péssimo histórico de ser um dos estados que mais mata transexuais no país (22 assassinatos no primeiro bimestre de 2022), o Ceará tem a oportunidade de mudar esse quadro, com uma política específica voltada para atender a população LGBTQIA+, por meio da criação da Secretaria da Cidadania e da Diversidade do Ceará, que terá como titular da pasta, a especialista em direitos humanos, Mitchelle Benevides Meira. “O desafio é responder esses crimes e tirar o ódio e a violência da vida dessas pessoas e isso se faz a partir de ações afirmativas de um governo com diretrizes. Temos uma secretaria nacional e a gente precisa que essa política seja colocada na pauta para avançar”, acredita Mitchelle, primeira titular da pasta.
Com a experiência de quem há décadas milita no combate à violência e discriminação LGBT, Mitchelle irá trabalhar em três eixos para responder e reduzir os crimes que assolam essas pessoas: Promoção dos direitos humanos, Proteção e Cidadania. “Estar no primeiro escalão é fundamental para que possamos ter orçamento em outros órgãos e desenvolver ações que melhorem a qualidade de vida, trazendo mais oportunidade e qualificação para que elas entrem no mercado de trabalho e consigam sua autonomia para sair da vulnerabilidade social”, ressalta a secretária.
De acordo com Mitchelle, educação, saúde e segurança estão no topo das vulnerabilidades que afetam a população LGBTQIA+. Em fevereiro, o Governo do estado inaugurou a primeira delegacia especializada na Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual e já está prevista a construção de uma casa abrigo em Fortaleza “Vamos trabalhar para que elas se sintam acolhidas com cidadania plena e possam sair da vulnerabilidade”, garante Mitchelle.
Além do equipamento recém inaugurado, a Rede Acolhe, da Defensoria Pública, e os Centros de Referência LGBTQIA+ Janaína Dutra e Thina Rodrigues (Rede estadual) e o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra (Municipal) trabalham em Fortaleza na promoção, defesa e acolhimento das pessoas trans na cidade. Já o Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para pessoas Transgênero (Sertrans) oferece atendimento interdisciplinar especializado para quem estiver passando pelo processo de transição.
A artista e pesquisadora das artes do corpo, Lyz Vedra, de 27 anos, é atendida pelo Sertrans. Natural de Fortaleza, Lyz conta que foi rejeitada e excluída socialmente durante toda a sua infância e adolescência, por conta da sua identidade de gênero. “Eu consegui atendimento e vejo a transformação na vida das pessoas depois de serem atendidas no ambulatório. Mas ele precisa ser fortalecido porque no formato atual, não dá conta da imensa demanda, e ele precisa ser ampliado para chegar no Ceará inteiro”, espera Lyz.
Mulher trans e travesti, Lyz se formou em dança pela Universidade Federal do Ceará e só ao entrar no curso se sentiu acolhida para fazer a transição de gênero, mas ainda assim não se sente confortável nas celebrações pelo dia 8 de março. “Não me sinto conectada com a data porque não existem mulheres trans ou travestis nos espaços públicos, nos eventos e nem nas ações propostas para celebrar esse dia. Mas reconheço que é um importante espaço de luta política, por mais atenção do poder público, em todas as ordens. Existem demandas urgentes que precisam de um olhar mais atento e cuidado do poder público e da sociedade”, reivindica a artista.
É a mesma percepção da estudante Lara, de 18 anos, que terá o sobrenome preservado para garantir sua privacidade. Amante da literatura, do cinema e dos videogames, como qualquer jovem da sua idade, Lara precisou lidar com um caso de transfobia na escola e desenvolveu uma série de questões psicológicas depois do crime. “ Muita violência, trauma e situações desagradáveis no caminho. A cisgeneridade por muito tempo já nos exclui desses eventos, categoricamente, ignora nossa existência, nos desumaniza, por fruto da transfobia misógina, por isso, considero importante ocuparmos esses espaços e resistirmos, e também celebrarmos, por sermos nós, por estarmos vivas”, defende a estudante.
Edição: Camila Garcia