Ceará

Trabalho escravo

Trabalhador resgatado de situação análoga à escravidão em Fortaleza já está em casa

Último concurso para auditores do Ministério do Trabalho foi em 2013. Apenas 60 profissionais fiscalizam ações no Ceará

Brasil de Fato, Fortaleza, Ceará |
Trabalhador dormia em uma rede, no canteiro de obras, em meio a vergalhões e pedaços de madeira, em um barraco improvisado, sem energia elétrica - Divulgação SRT CE

O trabalhador de 48 anos, resgatado pelos auditores- fiscais do trabalho, de uma obra em um edifício na Aldeota, bairro nobre de Fortaleza, já está de volta à sua cidade. Ele é natural de Aracoiaba, município a cerca de 90 quilômetros da capital cearense e trabalhava para a empresa desde outubro.  Nesta terça-feira(1), as verbas rescisórias no valor de R$ 4 mil foram pagas ao trabalhador. Ele também terá direito a três parcelas do seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado. 

Em entrevista ao BDF, o coordenador da operação, o auditor-fiscal do trabalho Mauricio Krepsky, disse que o homem sequer tinha consciência da gravidade em que ele se encontrava. Aos auditores, o trabalhador informou que estava em outra obra da mesma empresa, no bairro Papicu, com alojamentos adequados, mas ao ser levado para a obra da Aldeota, ele e outros trabalhadores estavam dormindo no chão de um container sem estrutura para moradia ou pernoite. Os outros trabalhadores foram embora e ele permaneceu improvisando um local para dormir e se alimentar. “Ele tinha consciência de que a situação era ruim, mas acabou aceitando porque é o que foi disponibilizado, Quando dissemos que ele iria pra casa, com seus direitos em dia, percebi que ele sentiu um alívio”, disse Maurício.

Dados do seguro-desemprego do trabalhador resgatado no Ceará mostram que em 2022, 100% das pessoas resgatadas eram homens e 38% tinham entre 18 e 24 anos; 100% residiam na região nordeste e 89% se autodeclararam negros ou pardos. Quanto ao grau de instrução, 45% declararam ter estudado até o ensino médio completo, 21% haviam cursado até o 5º ano completo. “A gente encontra pessoas em diversas situações degradantes e emocionalmente falando, elas naturalizam aquela situação. Já tivemos casos do trabalhador não entender a fiscalização. As pessoas que vêm das cidades do interior muito afastadas da capital não são beneficiadas pelo Governo e não resistem ao que é ofertado pelas empresas. Mas independente da percepção do trabalhador, nós fiscalizamos para cumprir a lei”, ressalta Maurício.

Desde 2018, 44 trabalhadores já foram resgatados de condições de trabalho análogas à escravidão em Fortaleza por auditores-fiscais do trabalho, 33 deles em obras de construção civil, especialmente nos bairros Meireles, Patriolino Ribeiro, Joaquim Távora e Varjota.

Em 2022, 29 trabalhadores foram encontrados, sendo explorados em condições de escravidão contemporânea no Ceará.  Do total, 17% dos trabalhadores resgatados no Ceará em 2022 eram analfabetos. Ao todo, foram 40 fiscalizações no estado, deixando o Ceará em 16º lugar no ranking nacional em número de trabalhadores resgatados (29) e em 13º lugar em número de ações de combate ao trabalho escravo realizadas (11). 

“Os números colocam o Ceará em situação confortável pois faltam auditores fiscais. Somos 60 profissionais para fiscalizar o estado inteiro”, alerta Maurício. O último concurso para auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego  (MTE) foi em 2013, ano em que Maurício ingressou no MTE. “Quanto mais denúncias fizerem, quanto mais ações fizermos, mais trabalhadores serão resgatados, mas não só trabalhadores, pois são diversas ações, como as de combate à exploração infantil também”, destaca.

Entenda o caso

O homem resgatado trabalhava de auxiliar de pedreiro em condições análogas à escravidão. Ele dormia em uma rede, no canteiro de obras, em meio a vergalhões e pedaços de madeira, em um barraco improvisado, sem energia elétrica e sem local adequado para guardar seus pertences, que foram encontrados misturados com ferramentas de trabalho e alimentos. Para comer, o trabalhador utilizava um fogão improvisado, e não tinha geladeira para acondicionar os alimentos ou uma pia com água corrente. 

Ao chegarem no local, auditores-fiscais encontraram o canteiro de obra sem instalação sanitária e chuveiros disponíveis aos trabalhadores. As necessidades fisiológicas eram feitas em um vaso sanitário que não estava ligado à rede de água. Sem água potável, a descarga, o banho, e a água para cozinhar e beber eram tiradas aos baldes de uma única fonte de água no canteiro. Também não havia lavatórios ou lavanderias para higiene pessoal dos trabalhadores. 


Sem água potável, a descarga, o banho, e a água para cozinhar e beber eram tiradas aos baldes de uma única fonte no canteiro / Divulgação/SRT CE

Além do homem resgatado, outros oito trabalhadores foram encontrados na obra no momento da fiscalização, mas eles não pernoitavam no local. De acordo com as informações da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará, dois deles estavam trabalhando sem o devido registro na carteira de trabalho. 

A obra foi embargada por expor trabalhadores a graves e iminentes riscos de acidentes de trabalho e permanecerá parada até que a empresa responsável solucione todos os problemas apontados durante a operação. Além do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a ação fiscal contou com o apoio da Polícia Federal e do Ministério Público do Trabalho. “Todas as infrações da legislação trabalhista serão objetos de um auto de infração. A partir daí, somadas as multas podem chegar até R$ 20 mil, por auto de infração. Além disso, a empresa é cadastrada na lista suja de trabalho escravo, o que pode dificultar empréstimos, financiamentos públicos e outras sanções”, explica Maurício.

As denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas, de forma anônima, no www.ipe.sit.trabalho.gov.br.  O sistema foi lançado em 2020, pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 

Edição: Camila Garcia