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O governo Bolsonaro acabou, mas a cultura do bolsonarismo não. É preciso ficarmos atentos

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Manifestação na Avenida Paulista contra Bolsonaro em maio de 2021 - Allan White/Fotos Públicas
O governo Bolsonaro acabou, mas o bolsonarismo, infelizmente está bem longe de acabar

A principal ação que o ex-presidente fascista executou não foi nenhuma de suas políticas de destruição de nosso país, ou de nossa frágil democracia, mas sua capacidade de fortalecer a cultura bolsonarista, que em síntese e a expressão do fascismo hoje no Brasil, que por sua vez é a cultura política ultranacionalista, autoritária e conservadora.

Uma política baseada no ódio e na violência, que quer determinar quem pode viver e como se deve viver. Assim como foi na Alemanha de Hitler, ou na Itália de Mussolini, o fascismo ou bolsonarismo, no caso do Brasil, buscam um governo ditatorial, controlado pelo poder militar em união com o poder econômico. Ou seja, os líderes do agronegócio, os banqueiros, grandes industriais, financistas. Mas reparem, quando falo desse poder econômico, falo de quem tem de fato o poder, falo dos milionários pra lá, não é sobre você que tem algum investimento na bolsa, ou é seu próprio “patrão,” ou qualquer outra desculpa que queira inventar para si para poder acreditar que também é um deles.

Inclusive, essa crença que vários trabalhadores e trabalhadoras, assim como a classe média e profissionais liberais com altos salários tem de que fazem parte dos que de fato tem o poder econômico é só mais uma das ações para o controle social, pois desestabiliza as classes que podem divergir do poder dominante, sobretudo dispersa a nós trabalhadores que somos os responsáveis pela produção de toda a riqueza do mundo e que dela quase nada nos sobra.

Parafraseando Marx e Engels em um de seus livros clássicos, a cultura dominante na sociedade é a cultura da classe dominante, no entanto, a cultura que é um fenômeno intrínseco ao ser humano é um importante campo de disputa. Por isso, as lives que o bozo fazia “mostravam” seu dia a dia e sua simplicidade, ou as escolhas que teve para a Secretaria de Cultura, ou a escolha para a Fundação Palmares e Funai. Por isso, ele criava aquelas distrações com golden shower, andava de moto e jet ski, posava com armas ou transformava qualquer coisa em uma alegoria para armas, por isso todo o seu governo poderia ser sintetizado em ações fálicas ou que simbolizassem isso.

Outro marco característico desses governos é que ele pode ser representado por homens cis brancos héteros capacitistas e com mais de 50 anos de idade, que querem conservar seu poder sedimentados no racismo, no patriarcado misógino, no controle dos corpos dissidentes e no preconceito segregador em geral. No caso brasileiro, se associam às religiões cristãs, sobretudo alguns setores protestantes, inclusive setores que já dominam rádios, TVs, web sites, escolas, hospitais, ações sociais em comunidades empobrecidas… No carnaval vimos vários casos de racismo religioso e cultural realizado por pessoas de igrejas evangélicas, por exemplo, indo contra a tradição popular, pois a tradição que eles defendem é a da supremacia branca europeizada e norte americanizada. Como aceitar que o samba tem uma relação com os tambores do candomblé?

Então repito, o governo bolsonaro acabou, mas a cultura do bolsonarismo se infiltrou profundamente em nossa sociedade e reabriu feridas que tinham sido fechadas pela ação das políticas dos governos progressistas encabeçados pelo PT (falo de antes do golpe), mas que não tinham sido cicatrizadas. Avançamos em várias frentes jurídicas contra o racismo, por exemplo, com leis contra injúria racial, ou leis que obrigavam o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas, mas na cultura da sociedade avançamos muito pouco, me parece que o que conseguimos mesmo fazer foi abafar um pouco o racismo nos sujeitos, que seguiram sendo racistas e realizando ações cotidianas nesse sentido, mas tentavam dissimular essas ações, o que com a eleição do bozo não foi mais preciso, pois estimulados pelo então presidente as pessoas retornaram a liberar seu ódio sem vergonha, sem pudor ou dissimulação.

É isso que estamos a enfrentar em todas as frentes, não só na questão racial, que é central na transformação do Brasil, mas em todas as frentes. Hoje mesmo vi uma notícia, se é que podemos chamar assim, em um veículo da mídia comercial aqui do Ceará sobre uma fala de uma modelo casada com um cantor de sertanejo (que prefiro nem citar os nomes para não alimentar os algoritmos) em resposta a capa da revista Vogue britânica. A capa traz a cantora e empresária Rihanna à frente e o seu marido, o artista A$AP Rocky, logo atrás dela com o filho do casal no braço. Uma cena do casal caminhando com Rihanna mais à frente em uma publicação britânica tem sido o motivo de críticas por essa modelo, que diz que a imagem subverte os valores cristãos e citando a Bíblia defende que as mulheres devem ser submissas. Qualquer semelhança com a série O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale) não é mera coincidência gente.

É preciso estar atento e forte, pois eleger Lula foi um passo, sustentar o governo e empurrá-lo para a esquerda é outro passo importante, mas precisamos mais do que nunca seguir organizados nos comitês populares de luta, nas ruas e nas redes em defesa da democracia e de um Brasil livre, rumo a condições melhores de vida para o povo e não a serviço dos poderosos.

 

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Edição: Camila Garcia