O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) negou o recurso de Apelação do Município de Fortaleza, confirmando, em segunda instância, que o Município deve ampliar a oferta de creches para crianças de 0 a 5 anos, incluindo berçários e atendimento em tempo integral quando necessário. A decisão atende Ação Civil Pública (ACP) protocolada em 2019 pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
Laryssa Figueiredo, assessora técnica no Cedeca Ceará explica que em 2019, considerando o elevado número de denúncias de dificuldades para acesso a vagas em creches e escolas da educação infantil, o Ceceda Ceará ingressou, junto do Ministério Público, com uma Ação Civil Pública (ACP). Segundo dados levantados pelo Cedeca Ceará, através do Sistema de “Registro Único”, da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, em 2018 existiam pelo menos 7.725 crianças de 01 a 03 anos de idade sem vagas em creches públicas. Em dados mais recentes, em 2021, o número da demanda reprimida chegou a 8.625 crianças.
De acordo com Laryssa, a ACP tinha como objetivo principal perseguir a efetivação do direito fundamental à creche e pré-escola, considerando o seu essencial papel no desenvolvimento social, intelectual e psíquico de crianças de 0 a 5 anos de idade.
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) negou o recurso de Apelação do Município de Fortaleza. Laryssa explica que nesse sentido, o Município de Fortaleza é a pessoa jurídica, sendo a prefeitura o órgão e o prefeito o agente deste órgão. Desse modo, a decisão não se estende apenas a este presente mandato eleitoral, mas sim a toda a gestão municipal presente e futura. Para ela, o resultado confirma a decisão proferida em 1ª instância. Com essa decisão, deve-se aguardar o trânsito em julgado da ACP para que seja dado início à execução da determinação judicial pelo Município de Fortaleza. As determinações passam a entrar em vigor a partir do momento em que se exaurirem os prazos para recurso.
Questionada sobre qual a justificativa apresenta pelo Município, Laryssa informa que no recurso de apelação interposto, o Município de Fortaleza argumentou, prioritariamente, supostas limitações da intervenção do poder judiciário no executivo; a não demonstração da necessidade de tantas vagas; obstáculos orçamentários, inclusive argumentando os problemas agravados pela pandemia da covid-19. “Ocorre que, em decisão no recurso de apelação, o poder judiciário entendeu mui corretamente que determinar o cumprimento das obrigações impostas não significa per si interferir no poder executivo, considerando que as determinações apenas produzem efeitos já impostos pela própria legislação brasileira”, explica Laryssa.
Pelas redes sociais, o atual prefeito de Fortaleza, José Sarto, se manifestou positivamente ao cumprimento determinado pela justiça, inclusive divulgando números da SME. “Tomei conhecimento de uma decisão judicial que determina a ampliação da oferta de vagas em creches em Fortaleza. Concordo plenamente. Tanto, que estamos entregando praticamente uma por mês desde o início da nossa gestão. Já inauguramos 24 novas unidades. Ontem mesmo [13/02] entregamos uma no bairro Passaré. Outras 10 estão em construção, 16 em fase de licitação e planejamento. Até 2024, vamos entregar 50. Com dois anos de administração já cumprimos 64% das metas do nosso plano de governo. Na nossa gestão, palavra tem valor. E melhorar a vida de nossa gente é prioridade, sobretudo das famílias”, disse o prefeito.
Francisco Elnatan Carlos de Oliveira, promotor de justiça de defesa da educação, explica que esse é o resultado de uma demanda antiga. “Ela remonta desde quando o governador do estado na época, acho que era o Cid Gomes. Ele deixou de prestar o serviço de assistência infantil, da educação infantil e obrigou o município, jogou o município em uma dificuldade muito grande, isso remonta a municipalização da educação brasileira, que Fortaleza foi um dos últimos municípios a fazer a municipalização da educação, a questão da educação infantil até o ensino fundamental”.
Francisco Elnatan lembra que com essa falta de assistência do estado, foram fechadas, na época, 80 creches. “Enquanto promotor de justiça de defesa da educação, eclodiu nas nossas mãos esse problema da desassistência à educação infantil na época e o Cedeca, que também é um órgão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, um órgão parceiro, tentou essa ação civil pública e nós, juntamente com o Ministério Público ingressamos na justiça e resultou agora nessa decisão favorável a compelir o município a ampliar o número de creches”.
“Há de se reconhecer também que a prefeitura evoluiu muito, trabalhou muito, aumentou muito o número de equipamentos e minimizou, digamos assim, a situação, mas ainda temos uma carência, uma dívida com a sociedade muito grande nesse aspecto. O sentimento é de cumprimento do dever”, afirma Francisco Elnatan.
A diarista Rose Santo tem duas filhas. Ela afirma que suas filhas ficaram cinco anos em creche, período esse que foi essencial para a realização do seu trabalho. “Foi muito importante a creche na minha vida. Hoje que eu agradeço muito. Eu até me emociono em falar porque se não fosse a creche eu nem sei como seria, porque foi um tempo que eu estava precisando muito trabalhar e estava com duas filhas pequenas, e eu precisava levar o pão para casa porque a pessoa não me ajudava e só tinha eu mesmo. Foi quando surgiu a oportunidade de colocar elas na creche. Elas foram, dali eu acordava cedo deixava e ia atender meus clientes, fazia de tudo para terminar, explicava para poder pegar minhas filhas, aí as coisas foram melhorando e com o tempo eu comecei a pagar o transporte, até para chegar mais cedo na cliente. Pagava o transporte com o dinheiro do meu trabalho. Então para mim foi essencial a creche, sem dúvidas”.
Rose também fala sobre a importância de investimento e ampliação das creches por parte da prefeitura de Fortaleza. “A prefeitura tem sim que investir em mais creches, com certeza. Porque eu conheço muita gente que hoje está à procura de uma oportunidade de trabalho, mas como não tem onde deixar os filhos, não têm condições de pagar uma creche particular, deixa de trabalhar. Muita gente que eu conheço. E às vezes vai atrás e não tem vaga mais, só tem vaga em um período, aí fica difícil, a pessoa trabalhar desse jeito”.
A decisão, agora confirmada em segundo grau após a negação do recurso de Apelação interposto pelo Município, determina que:
1) Garanta o direito de acesso à educação infantil em creches a crianças com idades de zero a cinco anos, inclusive com a implementação de berçários
2) Amplie progressivamente o número de vagas por ano (mínimo de 1 mil vagas por ano), fornecendo e mantendo vagas suficientes que atendam as crianças que estão na lista de espera, com previsão de multa de R$ 10 mil reais por dia em caso de descumprimento
3) Garanta para crianças de 0 a 5 anos, creches já abrangidas pelo sistema de turno integral, o direito à manutenção/renovação das respectivas matrículas
4) Promova, no caso de impossibilidade de atendimento ao item 1, a disponibilização de vagas em escolas conveniadas
5) Comunique ao juízo o número de matrículas realizadas e o número de remanescentes, originadas da obrigação imposta ao item 1
6) Disponibilize, através de meio oficial, publicação do relatório de cumprimento da presente decisão, a ser atualizada semestralmente
7) Estabeleças nas leis orçamentárias PPA, LDO e LOA, ações específicas destinadas ao cumprimento do plano de ampliação, prevendo e executando recursos em montante suficiente à viabilização da sua execução, incluindo-se nos exercícios seguintes após o transito em julgado
Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.
Edição: Camila Garcia