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Entrevista | “O carnaval é o ponto principal para que o maracatu leve sua história às pessoas”

Mestre Marcos Gomes conversou com o Brasil de Fato sobre a importância da volta do carnaval para os maracatus cearenses.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O carnaval é uma forma do maracatu se mostrar, de aparecer na sua forma maior. - Foto: Chico Gomes

A grande festa popular do Brasil está de volta depois de dois anos de interrupção por causa da pandemia da covid-19: O Carnaval. E com ele, uma das grandes tradições do Ceará também ganha às ruas, o maracatu, com o tradicional desfile na Avenida Domingos Olímpio, em Fortaleza. Mas como estão as expectativas para este carnaval? Os maracatus estão recebendo investimentos para esses festejos? E qual a importância do maracatu para a cultura cearense? Para responder essas e outras perguntas o Brasil de Fato conversou com Mestre Marcos Gomes, coordenador do Maracatu Az de Ouro. Confira.

Primeiramente eu queria que você falasse sobre as expectativas dos maracatus para este ano com a volta do carnaval?

Bem, a perspectiva é louvável, porque passamos dois anos sem ter carnaval por causa da covid-19. No caso do maracatu, a gente pensa em um retorno viável, por uma questão de resistência, porque muitas pessoas, amigos não só do maracatu, mas de outros maracatus se foram também com a covid, e aí a gente sente a falta dessas pessoas dentro do próprio maracatu em suas épocas que estavam aqui com a gente e hoje a gente vai para a Domingos Olímpio levando essa falta, mas também com a esperança de que o carnaval vai ser um carnaval de retorno e também de solidariedade, porque eu acho que o nosso papel é também levar um pouco da cultura do maracatu para as pessoas que também não viram, não assistiram e vão pela primeira vez. 

A gente sabe de toda a dificuldade, e aí, quando a gente vai para a Domingos Olímpio a gente sempre vai com esse intuito, de dar continuidade aos trabalhos das pessoas que já se foram. É dar continuidade a esse cortejo, a esse momento que é muito importante para as pessoas que gostam, que amam o maracatu. O carnaval é uma forma dele se mostrar, dele aparecer na sua forma maior. 

Qual a importância do carnaval para os grupos de maracatu no Ceará?

O carnaval tem a maior importância, porque a gente tem o ano todo, a gente tem as apresentações dos maracatus, que se apresentam em locais públicos, em praças, em espaços que são convidados a fazerem suas apresentações, mas o carnaval é uma situação que você passa o ano todo se organizando para levar a sua comunidade para a Domingos Olímpio, levar o seu tema, momento em que o maracatu está vivo e resistente dentro do seu cortejo.

Nós temos hoje quinze maracatus em Fortaleza, também somos patrimônio imaterial de Fortaleza. Dentro desse universo os maracatus são patrimônios imateriais de Fortaleza. O Az de Ouro hoje é patrimônio vivo do estado, no caso, um tesouro vivo, nós temos esse título, mas não foi fácil. Essa condição e essa importância para o grupo são importantes, porque dá continuidade para a sua apresentação, tendo competição, ou não, o maracatu é uma referência dentro do carnaval. 

O carnaval é o ponto principal para que o maracatu se apresente e leve a sua história, seu tema às pessoas que vão para a Domingos Olímpio. 

Como está a programação para este ano das apresentações dos maracatus no Carnaval de Fortaleza?

O carnaval era três dias: domingo, segunda e terça-feira. Os maracatus se apresentavam no domingo, só que era um número menor de maracatus e nós, aqui de Fortaleza, não temos a cultura do carnaval terminar no outro dia, no caso, de madrugada, porque a gente já teve momento aqui, por exemplo, do maracatu Az de Ouro desfilar 2h da manhã. Primeiro, a gente não tem público para chegar até esse horário e também não temos a garantia da segurança desse público. A outra coisa é que também não temos a cultura de começar o carnaval cedo, no caso 2h ou 3h da tarde. É a partir das 5h da tarde até a meia noite.

Com esse crescimento dos maracatus a gente teve o sábado, a gente puxou o sábado para também ter os desfiles dos maracatus. Então são sete maracatus no sábado e seis maracatus no domingo. Os maracatus de domingo são grupos maiores, que têm uma estrutura maior, e também a gente fez a primeira e segunda divisão, aí o domingo seria a primeira e o sábado a segunda. O último lugar do domingo vai para o sábado e o primeiro lugar do sábado vai para o domingo no ano seguinte. 

Temos o sábado com sete maracatus, domingo com seis maracatus, segunda com blocos e cordões e na terça-feira afoxé e escola de samba. É uma programação muito diversificada.

Alguns grupos de tradição popular e cultural dependem de editais para se manter financeiramente. Qual é a realidade desses grupos atualmente? Há investimentos para a manutenção desses grupos?

Olha, eu sempre coloco dentro das discussões na área cultural, na área política é de que esses investimentos, que está lá, orçado, está lá na LDO, está no orçamento do município, são recursos para trabalhar a questão das manifestações culturais, a cultura popular. É todo um investimento, mas só que de 2006 para cá só se utiliza edital.

Edital, tudo bem que ele é legal, está ali para contribuir com o fomento de recurso financeiro, mas tem grupos que não tem como fazer nada, no sentido de, por exemplo, o grupo quer participar de um edital, aí você precisa apresentar, você precisa dar uma compreensão, você precisa dar um entendimento, você precisa tentar ajudar aquela agremiação, até mesmo um grupo cultural, para se inscrever para participar do edital

Não era para ter só o edital, era para ter um fundo para fazer essas manifestações, participar de forma mais de luta. Por exemplo, eu tenho um projeto, levo para a Secretaria de Cultura, se a secretaria aprova, se o prefeito aprova por quê que não pode ser investido fora de edital? Porque antes era dessa forma, mas não, hoje os recursos só saem por editais. Então assim, é meio difícil. 

Por exemplo, no edital do carnaval da prefeitura ficaram quatro agremiações fora, quatro agremiações que não vão desfilar porque não tem recursos para desfilar e durante o ano é ainda pior. Se não fosse a Lei Aldir Blanc, do estado e do município, durante os anos de pandemia, se não fosse agora a do Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc 2 não ia ter muita coisa durante o ano.

Gostaria que você falasse um pouco sobre o Maracatu Az de Ouro.

Na realidade, as vezes eu fico muito alegre, muito orgulhoso de ter dado continuidade, em 1994, ao Maracatu, porque em 1994 o Maracatu praticamente não tinha nada, só tinha o nome e a sua história.

Quando Raimundo Feitosa criou o Maracatu em 1936 a perspectiva dele era dar continuidade a uma coisa que já existia aqui em Fortaleza, mas ele teve uma experiência um pouco mais pesada. Ele foi para Recife, porque era tecelão de rede e tinha um patrão que estava aqui, mas tinha que ir para Recife para montar uma fábrica lá e queria levar Raimundo Feitosa. Raimundo Feitosa disse que não ia, mas o patrão ficou insistindo muito até que Raimundo foi. Ele passou três anos lá em Recife e viu de tudo, viu o maracatu, viu campimba, viu os caboclinhos.

As manifestações culturais de Recife ele viu todas, mas só que ele se apaixonou por uma. Ele gostou do maracatu, mas gostou das cambimbas, que são homens vestidos de saia com a cara pintada. Ele viu isso de forma tão apaixonante. Ele também gostou muito do maracatu chamado Maracatu Dois de Ouro, lá em Recife, que ainda existe até hoje. E aí ele viu tudo isso e se maravilhou e ele teve essa experiência muito grande.

A família também tinha um problema sério, que eles não queriam que Raimundo se envolvesse com o carnaval, com o maracatu e ele juntou alguns amigos e irmãos e formataram um maracatu de forma diferente, ele viu tudo isso em Recife e aí criou um bloco de maracatu, na época era bloco de maracatu. Esse maracatu criado de forma diferente tinha pintura preta, todos que iam sair no maracatu tinham que ser homens, o batuque foi um pouquinho acelerado, mas depois cadenciou para ser um cortejo, um lamento da coroação do Rei e da Rainha do Maracatu, mas não era fúnebre, não era um cortejo fúnebre, era um cortejo em louvação à Rainha e o Rei do Maracatu que estavam sendo coroados.

Raimundo Feitosa tinha essa afinidade para o carnaval. Ele desfilou o primeiro ano, muito simples, com 45 pessoas, mas no ano seguinte ele foi convidado para participar no desfile do carnaval da época. Então assim, o Maracatu foi o primeiro a fazer esse tipo de apresentação no carnaval e aí foi tendo todo um processo de vínculo com o carnaval.

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Edição: Camila Garcia